Por Mônica Bergamo, na Folha
Quatro professores e cinco estudantes de Filosofia da Universidade Estadual do Ceará (Uece) foram intimados pela Polícia Federal para prestar esclarecimentos sobre aulas e palestras antifascistas realizadas na universidade em outubro de 2018.
Os mandados de intimação foram assinados pela delegada da PF em Fortaleza Alexsandra Oliveira Medeiros Reis e entregues na quarta (9) e na quinta (10).
Em nota conjunta, os professores afirmam que questionaram os agentes que entregaram as intimidações quais eram os motivos do inquérito e tiveram como “resposta verbal que se referia à investigação de atos antifascistas na Uece durante as eleições de 2018”.
Os professores tiveram acesso aos autos do processo na tarde de quinta (10). A acusação, feita por alunos e ex-alunos do curso, é de que os estudantes estariam sendo perseguidos e sofrendo ameaças por terem externalizado apoio ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido), então candidato, e por suas opções religiosas.
E que os professores e alunos investigados integrariam uma “organização antifa” que faria “polícia ideológica antisfascita” que teria o intuito de perseguir simpatizantes de Bolsonaro.
Eles deverão comparecer a delegacia na próxima semana para os depoimentos. Uma delas, aprofessora assistente Ilana Viana Amaral, escreveu em seu perfil numa rede social que “dentre os incontáveis processos dos quais fui alvo, esse é seguramente o mais aflitivo”. “Se ser antifascista é crime, vou presa. Ré confessa de antifascismo”, escreveu Ilana.
“É absurdo que tenham que prestar esclarecimentos nas dependências da polícia federal sobre aulas públicas e palestras sobre antifascismo e democracia. O silêncio e a conivência com esse ataque serão cúmplices da destruição completa dos espaços de pluralidade essenciais às atividades de ensino, pesquisa e extensão em particular e à convivência plural na vida social, em geral”, segue o texto.
Na tarde desta quinta (10), a Uece divulgou nota pública sobre o caso, manifestando “incondicional apoio institucional aos professores e aos estudantes que estão sendo alvo dessa intimação que fere a liberdade de expressão”.
A universidade diz ainda que a ação é de 2018 e que o “Ministério Público Federal já afirmou não existir viabilidade na acusação. No entanto, o inquérito ainda não foi arquivado”.
“Em tempos de obscurantismo e de retrocessos, comprometemo-nos, obviamente, com a verdade dos fatos e reiteramos nosso compromisso com a democracia, com a autonomia universitária – a nós garantida pela Constituição Federal – e com o Estado Democrático de Direito, além de apoiarmos incondicionalmente os membros de nossa comunidade acadêmica nessa luta”, segue a nota da Uece.
Leia a nota na íntegra dos professores:
“Professores e estudantes da UECE receberam ontem (09/06/2021) e hoje (10/06/2021) intimações para comparecimento à delegacia da polícia federal em Fortaleza entre os dias 14 e 17 do corrente. Perguntando aos agentes que entregaram as intimações quais as razões do inquérito, todos obtiveram como resposta verbal que ele se referia à investigação de atos antifascistas na UECe durante as eleições de 2018.
Os advogados dos professores e alunos receberam, na tarde de hoje, os autos. A acusação, feita aos docentes e discentes por ex-alunos do curso, é a de integrarem uma “Organização antifa” que faria ações de “polícia ideológica antifascista” que supostamente teria o intuito de perseguir, através de aulas e palestras, os simpatizantes de Bolsonaro e cristãos do curso de Filosofia.
Na verdade, se trata, como temos tristemente nos habituado a ver, de inversão completa, aos moldes do “escola sem partido”, da situação de fato experimentada no colegiado de Filosofia da UECE, caracterizada historicamente pelo pluralismo de visões que estruturam a atividade acadêmica, pois ato de polícia ideológica é precisamente o que realizam os denunciantes ao atentar à liberdade de cátedra, de pensamento, de expressão e mais radicalmente, ao caluniar (acusando-os de perseguição) professores que em seus currículos têm compromissos claros e precisos com o antifascismo como indissociável da liberdade de pensamento, liberdade que orienta a própria noção de Universidade.
Consideramos particularmente grave que tais denúncias, já apresentadas em 2018 e na ocasião declinadas pelos MP estadual e federal quanto à competência, retornem agora, num contexto em que claramente se apresentam como intimidação e tentativa de silenciamento aos professores e estudantes antifascistas da UECE bem como a todos os antifascistas deste país.
É absurdo que tenham que prestar esclarecimentos nas dependências da polícia federal sobre aulas públicas e palestras sobre antifascismo e democracia. O silêncio e a conivência com esse ataque serão cúmplices da destruição completa dos espaços de pluralidade essenciais às atividades de ensino, pesquisa e extensão em particular e à convivência plural na vida social, em geral. O contexto de ataques os mais vários às universidades, do estrangulamento dos financiamentos à difamação generalizada sobre as universidades como “ambientes de balbúrdia” exige de todxs nós uma posição clara, que diga alto e bom som que as Universidades brasileiras e todxs xs antifascistas não nos calaremos!”
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Protesto no Parque da Redenção, Porto Alegre. Foto: Sul21