Advogado popular e defensor dos direitos humanos, José Vargas permanece em prisão domiciliar há quase seis meses em um processo cercado de inconsistências e irregularidades, que pode ser revertido pelo Tribunal de Justiça do Pará. Vargas, que vive na cidade de Redenção (PA), foi preso no dia 1 de janeiro de 2021, após ser acusado indevidamente de ter participado do desaparecimento e assassinato de Cícero José Rodrigues, cliente do seu ex-sócio no escritório de advocacia, Marcelo Borges. Cícero era presidente da Associação de Pessoas Portadoras de Epilepsia de Redenção e desapareceu no dia 20 de outubro do ano passado.
Antes de ser preso, Vargas atuava na defesa de trabalhadores rurais sem terra no Sul do Pará e, por conta de seu trabalho, vinha sofrendo uma série de ameaças que o levaram à ser incluído no Programa de Proteção aos Defensores de Direitos. Entre os vários casos que o advogado acompanhava, se destaca o acompanhamento das famílias das vítimas do episódio conhecido como Massacre de Pau D’Arco, quando policiais militares e civis executaram dez trabalhadores sem-terra. Vargas é uma das grandes vozes na denúncia dos abusos e ilegalidades na atuação da Polícia Civil e Militar e pela garantia da terra na Ocupação Jane Júlia nesse caso.
O indiciamento do defensor de direitos humanos ocorreu após a apreensão do aparelho celular de Marcelo Borges e interceptação do seu próprio aparelho pela Polícia e Ministério Público. Dentre um universo de mais de 2.278 mensagens trocadas, sejam de áudio ou escritas, num período de 14 dias, a Polícia elegeu mensagens de apenas 5 dias e, entre elas, 12 áudios que, em sua ótica, revelariam a participação de Vargas no crime, embora seu conteúdo diga o contrário.
Acontece, no entanto, que antes da data em que a polícia optou por monitorar, Vargas e o ex-sócio trocaram 383 mensagens falando sobre o desaparecimento de Cícero e pensando formas de encontra-lo. Além disso, após 26 de outubro e fora dos cinco dias monitorados pela Polícia, os dois advogados trocaram ao menos 567 mensagens falando sobre Cícero, que comprovariam a inocência de Vargas. Esses materiais, no entanto, não foram juntados pela polícia.
Importante destacar que estas mensagens, em sua íntegra, só foram disponibilizadas à defesa de Vargas no dia 23 de abril de 2021 – ou seja, após quatro meses de prisão. Nas mensagens o defensor manifesta não só preocupação com o desaparecimento de Cícero, mas também indignação com o trabalho policial. Nomes são ventilados nos diálogos entre Vargas e Marcelo, contudo, a polícia não ouviu ninguém a respeito.
As mensagens são as únicas provas apresentadas até agora pela Polícia Civil e pelo Ministério Público para justificar a prisão. Após meses sem ter acesso aos meios das provas, a defesa do advogado pode apenas recentemente verificar que Polícia e Ministério Público baseiam sua denúncia em provas seletivas, que se amparam na ocultação de outras provas que inocentam Vargas.
Além disso, essas provas se baseiam em prints feitos pela polícia após acessarem manualmente o celular do ex-sócio do advogado, um tipo de prova considerada inválida pelo próprio Supremo Tribunal Federal (STF), por avaliar que o manuseio dos aparelhos telefônicos pode resultar em fraudes nas provas.
A criminalização de Vargas nesse caso é retrato de uma justiça seletiva, que viola direitos constitucionais na tentativa de proteger interesses de violadores de direitos humanos.
É inadmissível que o defensor de direitos humanos José Vargas permaneça respondendo a um processo criminal em que não houve o respeito as regras processuais penais basilares que orientam o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa, além de destoarem dos padrões internacionais de proteção aos direitos humanos.
É preciso destacar que a prisão de Vargas tem fortes indícios de que é uma forma intimidar e atrapalhar investigações de crimes cometidas pela própria polícia, como na acusação do massacre de Pau D’Arco, no qual 16 policiais civis e militares figuram como réus.
Manter Vargas preso não só é uma forma de enfraquecer esse tipo de denúncia, como também representa um risco às comunidades que ele assessora. Durante toda a investigação o celular do advogado está em posse da polícia, sem que o advogado tenha acesso a ele. Lá, além de estarem as provas que o inocentam, também estão informações sigilosas dos outros processos de conflitos rurais acompanhados por Vargas.
A defesa do advogado popular e defensor de direitos humanos José Vargas impetrou habeas corpus no Tribunal de Justiça do Pará requerendo o trancamento da ação penal com base na nulidade das mensagens, na ausência de provas que pudessem amparar a tese de acusação e na ocultação de vasto material probatório existente em favor de Vargas indicando não só a sua inocência, mas a utilização seletiva das “provas” apresentadas com o intuito de criminalizá-lo. O recurso pode ser julgado no próximo dia 28 de junho.
A Terra de Direitos se solidariza com o advogado popular e defensor de Direitos Humanos José Vargas e a sua defesa, junto a outras organizações nacionais e internacionais de direitos humanos, para denunciar os abusos da prisão de José Vargas, cuja investigação se ampara em provas frágeis e inválidas para criminalizar um advogado defensor de direitos humanos. Prisão com provas ocultadas é ilegal. Prisão pela defesa dos direitos humanos é criminalização.
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Imagem: José Vargas discursa em evento da Anistia Internacional em apoio às vítimas de Pau D’Arco. Ele também advoga para os indígenas Kayapó. Foto: Lunaé Parracho /Repórter Brasil