Comunidades Tradicionais pedem que lei sobre ensino da cultura afro-brasileira seja implementada

Pedro Calvi / CLP

A Lei nº 10.639 de 2003 incluiu no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira”. A Lei acrescentou à Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) dois artigos.

Um deles estabelece o ensino sobre cultura e história afro-brasileiras, a história da África e dos africanos, cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional. Esses conteúdos poderiam ser explorados nas áreas de educação artística, literatura e história brasileira. Outro artigo inclui no calendário escolar, em 20 de novembro, o Dia Nacional da Consciência Negra.

Passados 18 anos, a implementação da lei ainda enfrenta desafios e dificuldades. Para discutir essa situação, a Comissão de Legislação Participativa da Câmara dos Deputados (CLP) promoveu, nesta sexta (9/7), uma audiência pública. O debate foi proposto pelas deputadas Talíria Petrone (PSOL/RJ) e Fernanda Melchiona (PSOL/RS).

“No Brasil, a educação tem sido incapaz de refletir a diversidade racial, de gênero, regional e cultural que forma o nosso povo.E, sobretudo, incapaz de refletir a amplitude e a importância da contribuição das populações africana e afro-brasileira para o país”, afirma o deputado Waldenor Pereira (PT/BA), presidente da CLP.

De acordo com um estudo de 2009, do Ministério da Educação, a baixa institucionalização da lei acontece pela inexistência de ações programáticas. Porém, algumas práticas isoladas em escolas ganharam legitimidade com a lei.

“Não há dúvidas de que as dificuldades de implementação da lei têm estreita relação com o racismo estrutural e se agravam com o contexto político adverso que o país atravessa”, ressalta Talíria Petrone.

“Nossa preocupação, para que todas as escolas tenham essas disciplinas, vem de longa data. Educação é a primeira porta para enfrentar o racismo estrutural no nosso país”, lembra Fernanda Melchiona.

Respeito e Estado laico

Alberto Jorge Silva, coordenador geral da Articulação Amazônica dos Povos e Comunidades Tradicionais de Terreiro de Matriz Africana (Aratama), denuncia que “tivemos um retrocesso absurdo aqui em Manaus. A bancada evangélica retirou do ensino fundamental as aulas sobre diversidade de raça, gênero e religiosa. Jogaram por terra vinte anos de estudos e lutas. Para onde foi o respeito, o Estado laico? É hora do povo negro se unir para preservar o Estado democrático de direito”.

Em São Paulo, programas de ensino contemplando a Lei 10.639 foram montados para as escolas municipais, estaduais e particulares. Mas, em 2015, com a extinção da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR), a iniciativa foi cancelada.  “Trabalhamos com dignidade e respeito através da educação. A lei foi uma grande conquista para nossos povos e foi criada para contar a verdadeira história de quem ajudou a construir nosso país. Mas isso não acontece”, conta Iyá Liliana d’Osun, cientista de religiões, presidente e sacerdotisa da Comunidade da Pedra Branca.

Para Babalawo Ifasegun Aworeni, pesquisador das
Tradições de Matriz Afro-brasileira e Africana, “a lei tem que sair do papel para a prática. Só lembram da lei em novembro. Nosso povo paga impostos e vota. Nossos direitos estão garantidos na Constituição. O único jeito de acabar com o preconceito e o medo é a educação. Só isso vai mudar nosso país”.

“Tenho a perspectiva de que o não cumprimento da lei está no plano de poder do governo federal, de acabar com a cultura afro no Brasil. Já fizemos vários pedidos para secretarias municipais e a estadual de educação, mas sempre há uma desculpa. Espero que essa audiência pública resulte em um documento, um protesto, para criar mecanismos de cobrança”, sugere Babalawo Ifaodunnola Aworeni, presidente da Congregação em Defesa das Religiões Afro-brasileiras.

Mãe Tuca D’Osogyan, advogada, destaca que “nas escolas, os livros contam a história que mais se adequa à maioria. Hoje, estão passando o trator pela nossa história. De 2016 para cá, tivemos todos nossos direitos violados. Não há mais participação social. Passamos mais tempo em brigas e questões judiciais do que construindo políticas públicas para nossos povos. Falamos nos espaços públicos, mas nada acontece”.

Mãe Tuca lembra de Nelson Mandela. “Ele disse que só o conhecimento liberta. Mas, aqui, ninguém quer negro liberto”.

As entidades e parlamentares que participaram do encontro, devem enviar ao Ministério da Educação um pedido de informações sobre a Lei nº 10.639 de 2003.

Também participaram Bianca Hilgert, advogada e ativista dos Direitos Humanos, Povo de Terreiro e LGBTI+ e o Babalorixá Jusuamim Ty Jagum, presidente da comunidade Afro-brasileira Omulú Senhor Da Terra (DF).

A íntegra da audiência pública, em áudio e vídeo, está disponível na página da CLP no site da Câmara dos Deputados.

Foto de: Ministério da Cultura

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