Dirigente da AfD, Beatrix von Storch se encontrou com Bia Kicis e Eduardo Bolsonaro em Brasília. Neta de um ministro do regime nazista, ela provocou escândalo em 2016 ao se manifestar favorável a atirar em refugiados.
Por Jean-Philip Struck, na DW
Na quinta-feira (22/07), a deputada de extrema direita Bia Kicis (PSL-DF) exibiu em suas redes sociais uma foto com a parlamentar alemã Beatrix von Storch, do partido de ultradireita Alternativa para a Alemanha (AfD). O registro foi feito durante um encontro em Brasília. Poucas horas depois, foi a vez de o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), o filho “03” do presidente Jair Bolsonaro, fazer o mesmo.
“Hoje recebi a deputada Beatrix von Storch, do partido Alternativa para Alemanha, o maior partido conservador daquele país. Conservadores do mundo se unindo para defender valores cristãos e a família”, escreveu Kicis. “Somos unidos por ideais de defesa da família, proteção das fronteiras e cultura nacional”, escreveu, por sua vez, Eduardo Bolsonaro.
Hj recebi a deputada Beatrix von Storch,do Partido Alternativa para Alemanha,o maior partido conservador daquele país.Conservadores do mundo se unindo p/ defender valores cristãos e a família.Conservatives over the word gathering together to stand for family and christian values pic.twitter.com/4I1JLotb6f
— Bia Kicis (@Biakicis) July 22, 2021
As publicações dos dois deputados brasileiros imediatamente geraram uma série de críticas nas redes sociais, apontando episódios controversos da carreira política de Beatrix von Storch, posições xenófobas e nacionalistas da deputada e de seu partido e até mesmo a sombria história familiar da parlamentar.
Excelente encontro com a Dep. Fed. alemã @Beatrix_vStorch , que também é vice-presidente do partido Alternativa Para Alemanha.
— Eduardo Bolsonaro?? (@BolsonaroSP) July 22, 2021
Somos unidos por ideais de defesa da família, proteção das fronteiras e cultura nacional. pic.twitter.com/5iqUixyDYP
“A Alternative für Deutschland (Alternativa para a Alemanha) é um partido político alemão de extrema direita, fundado em 2013, com tendências racistas, sexistas, islamofóbicas, antissemitas, xenófobas e forte discurso anti-imigração”, afirmou o Museu do Holocausto sediado em Curitiba, em reposta à publicação da deputada Bia Kicis.
Uma família com passado sombrio
Membro de uma família antiga de origem nobre, Beatrix von Storch é, pelo lado materno, neta de Johann Ludwig Schwerin von Krosigk, que serviu como ministro das Finanças da ditadura de Adolf Hitler por mais de 12 anos. Inicialmente um conservador tradicional, Schwerin von Krosigk foi nomeado para o posto nos derradeiros meses da República de Weimar, mas acabou abraçando o nazismo com a ascensão de Hitler em 1933.
Na posição de ministro das Finanças, Schwerin von Krosigk foi responsável por confiscar propriedades de judeus e explorar financeiramente áreas conquistadas pela Alemanha nazista. Após o suicídio de Hitler, em abril de 1945, Schwerin von Krosigk foi ainda alçado ao posto de “ministro-chefe” (equivalente a chanceler) no efêmero governo do almirante Karl Dönitz, que havia assumido o cargo de presidente do que restava da Alemanha. Concentrado numa área do norte do país que ainda não havia sido conquistada pelos Aliados, o gabinete durou apenas alguns dias, e logo seus membros foram capturados por tropas birtânicas.
Schwerin von Krosigk seria mais tarde julgado e condenado pelo Tribunal de Nurembergue, na etapa conhecida como o “julgamento dos ministros”, entre 1948 e 1949. Ele foi sentenciado a dez anos de prisão por crimes de guerra, mas foi beneficiado por uma anistia em 1951. Morreu em 1977.
Pelo lado paterno, o outro avô de Beatrix von Storch também não foi menos controverso. Filho de um duque, Nikolaus von Oldenburg era membro tanto do Partido Nazista quanto da SA, a força paramilitar da legenda. Em 1941, Von Oldenburg escreveu uma carta para Heinrich Himmler, o comandante da SS e um dos arquitetos do Holocausto, perguntando se ele poderia ajudá-lo a comprar propriedades confiscadas no Leste Europeu.
Ativa em círculos ultraconservadores
Ativa em círculos de direita desde seus tempos de faculdade, Beatrix von Storch, de 50 anos, chegou a trabalhar como advogada, mas no fim dos anos 2000 deixou a profissão para se dedicar à política em tempo integral.
Na sua viagem ao Brasil nesta semana, ela foi acompanhada de seu marido, Sven von Storch, de quem adotou o sobrenome em 2010. Ele aparece na foto do encontro divulgada por Eduardo Bolsonaro.
Sven, membro de uma família alemã que se fixou no Chile após a derrota da Alemanha na Segunda Guerra Mundial, dirige junto com sua mulher vários coletivos e lobbies ultraconservadores na Alemanha, que promovem ideias antimigratórias e “valores cristãos” e se opõem ao casamento gay.
Em 2013, veículos da imprensa alemã levantaram a suspeita de que o casal havia embolsado 98 mil euros que haviam sido doados para um desses coletivos dirigidos por Sven. Beatrix von Storch negou irregularidades e disse que sacou o dinheiro para colocá-lo em um cofre como medida de prevenção.
Sven também costuma publicar textos no site Freie Welt – ligado aos coletivos do casal – advertindo contra o que chama de “grande reset” mundial e a “ideologia de gênero”, entre outros temas que costumam ser explorados pela direita mundial, inclusive a bolsonarista.
Um partido de ultradireita
Em 2013, Beatrix Von Storch se filiou ao partido Alternativa para a Alemanha (AfD), à época ainda uma sigla majoritariamente eurocética moderada que contava com vários liberais. Inicialmente, os fundadores tinham como objetivo combater o uso do euro como moeda e promover a volta do marco alemão.
Mas a AfD rapidamente se converteu de maneira veloz em um agrupamento ultranacionalista e anti-imigração entre 2014 e 2015. A deputada foi uma das responsáveis por essa guinada. Como resultado, vários fundadores deixaram a sigla, afirmando que o partido havia se tornado um veículo “iliberal”, que se distanciou do seu propósito original.
De fato, a AfD é hoje um guarda-chuva para diferentes grupos de ultradireita, como arquiconservadores, fundamentalistas cristãos e ultranacionalistas. Muitos membros também são acusados regularmente de nutrir simpatias pelo nazismo.
Em 2020, por exemplo, um ex-porta-voz da sigla causou indignação ao ser gravado afirmando que se “orgulhava de sua ascendência ariana” e se descrevendo como “um fascista”. Meses depois, ele foi novamente gravado sugerindo que imigrantes deveriam “ser mortos com gás”.
Outros membros de destaque da sigla também foram alvo de críticas por posições abertamente racistas ou que minimizavam o nazismo.
Em 2017, o atual colíder da bancada da AfD no Parlamento, Alexander Gauland, disse que os alemães deveriam ter orgulho dos soldados que lutaram nas duas guerras mundiais. Em 2016, ele já havia provocado indignação ao ofender o zagueiro da seleção alemã Jérôme Boateng, que tem origem africana, afirmando que nenhum alemão gostaria de ter “como vizinho” alguém como o jogador.
Em janeiro de 2017, Björn Höcke, deputado da AfD no parlamento estadual da Turíngia, chamou o Memorial do Holocausto em Berlim de “monumento da vergonha“. Höcke também é autor de um livro que encampa teorias conspiratórias populares na extrema direita, como a chamada “grande troca populacional”, que sustenta que governos europeus, com a cooperação das “elites”, conspiram para trocar a população branca por imigrantes muçulmanos ou africanos.
Em 2020, uma ala radical da AfD ligada a Höcke, conhecida como “Der Flügel”, tornou-se objeto especial de vigilância pelo Departamento Federal para a Proteção da Constituição (BfV, o serviço secreto interno da Alemanha). À época, a ala ganhou destaque após o atentado racista de Hanau, que deixou dez mortos. O autor do ataque, embora não oficialmente ligado à AfD, deixou um manifesto que encampava ideias como a teoria conspiratória da “grande troca”. O partido acabou sendo acusado de insuflar o ódio e estimular atentados.
No início de 2021, foi revelado pela imprensa alemã que o BfV havia passado a monitorar toda a AfD por suspeita de extremismo. No entanto, em março, tribunais ordenaram a suspensão da vigilância, apontando que ela feria o princípio de igualdade de oportunidades para os partidos que vão disputar as eleições federais em setembro.
Recentemente, a AfD abraçou em seu programa eleitoral o negacionismo da pandemia. Vários membros também abraçaram manifestações contra medidas de isolamento para frear a crise.
Paralelamente, Beatrix von Storch também liderou com outros membros da AfD um movimento similar dentro da Associação Friedrich A. von Hayek, um think tank alemão fundado em 1998 para promover o liberalismo clássico. Após a entrada de figuras como Von Storch e outros membros da AfD nos anos 2010, o grupo se voltou para posições ultraconservadoras. Um membro da ala liberal descreveu a guinada como um processo de “infiltração por reacionários”.
Declarações incendiárias
O passado nazista da família de Beatrix von Storch foi destacado pela imprensa alemã a partir de 2014, quando ela foi eleita deputada europeia pela AfD.
Em 2016, Von Storch manifestou aprovação à mensagem de um usuário do Facebook que havia perguntado se guardas de fronteira deveriam atirar em refugiados que chegassem ao país, inclusive mulheres com crianças.
À época, o comentário de Von Storch e uma declaração similar de Frauke Petry, então líder da AfD, causaram uma onda de indignação na Alemanha. Vários políticos lembraram na ocasião que os últimos episódios de refugiados baleados na Alemanha haviam envolvido fugitivos da Alemanha Oriental que tentaram escalar o Muro de Berlim.
Paradoxalmente, esses comentários de Von Storch elevaram sua popularidade na cena nacionalista e de ultradireita. Em 2017, ela foi eleita para o Bundestag (Parlamento alemão), representando Berlim. Atualmente, ela também é uma das vice-presidentes da sigla.
O que torna a ultradireita tão bem-sucedida no leste da Alemanha?
Em janeiro de 2018, ela voltou a causar controvérsia ao reclamar publicamente de tuítes da Polícia de Colônia que desejavam feliz ano novo em várias línguas, inclusive o árabe. “O que diabos está acontecendo neste país? Por que um site oficial da polícia da Renânia do Norte-Vestfália [estado em que fica Colônia] tuíta em árabe. Eles pretendem apaziguar as hordas de homens bárbaros, muçulmanos e estupradores em massa dessa maneira?”, escreveu na ocasião. A rede social apagou a mensagem por violação das regras.
Recentemente, Von Storch também passou a abordar outro tema que tem mobilizado redes de ultradireita pelo mundo: o cerco das redes sociais como o Facebook e o Twitter contra publicações incendiárias ou extremistas. Reclamações contra as redes têm unido trumpistas, bolsonaristas e outros membros da cena de ultradireita pelo mundo. Numa publicação recente, ela disse que critérios “esquerdistas” das redes “cancelam” especialmente conservadores.
Dentro da AfD, a deputada costuma ser apontada como membro da ala “cristã ultraconservadora”. Em 2014, quando os ultradireitistas tomaram o partido, ela afirmou que via a sigla como um veículo para “uma visão cristã da humanidade”. Na imprensa alemã, Von Storch costuma ser classificada como “reacionária”, “arquiconservadora” e “cristã radical”.
Em suas publicações na internet, ela assume posições pró-Israel, como ocorre com outros cristãos ultraconservadores, inclusive no Brasil. Oficialmente, ela também ocupa o cargo de vice-comissária de combate ao antissemitismo do grupo parlamentar da AfD.
No entanto, boa parte da comunidade judaica alemã vê seu partido com desconfiança e temor. Em 2019, mais de uma dezena de deputados estaduais da AfD deixaram o plenário do Parlamento da Baviera em protesto ao discurso de Charlotte Knobloch, uma das mais conhecidas líderes da comunidade judaica alemã. Na ocasião, Knobloch, ex-chefe do Conselho Central dos Judeus da Alemanha (ZdJ, na sigla em alemão), acusou os direitistas da AfD de minimizarem os crimes nazistas e terem relações estreitas com a extrema direita alemã.
“Um partido representado aqui menospreza esses valores [democráticos] e minimiza os crimes dos nacional-socialistas”, disse na ocasião Knobloch, que nasceu em 1932 e sobreviveu ao Holocausto ao ser salva por uma família de fazendeiros católicos. “Essa chamada Alternativa para a Alemanha baseia a sua política no ódio e na discriminação e, não apenas na minha opinião, não se assenta sobre a nossa Constituição democrática.”
Outras conexões da AfD com o bolsonarismo
A visita de Beatrix von Storch aos deputados Eduardo Bolsonaro e Bia Kicis não é a única conexão recente entre membros da AfD e a cena bolsonarista/ultraconservadora brasileira. Em 2018, na ocasião da eleição de Jair Bolsonaro à Presidência, a conta no Twitter da bancada da AfD no Bundestag reproduziu uma mensagem do deputado Petr Bystron felicitando Bolsonaro pela vitória.
“Jair Bolsonaro é um conservador franco que vem trabalhando para combater a corrupção de esquerda e restaurar a segurança e prosperidade para o seu povo”, disse em nota o deputado. “Como ocorre com a AfD, ele foi inimizado por todos os lados por ser um outsider que desafiou o sistema”, completou Bystron.
Em março de 2021, o deputado da AfD Waldemar Herdt viajou a São Paulo para visitar o Templo de Salomão e se encontrar com pastores da Igreja Universal do Reino de Deus. Nascido no Cazaquistão, Herdt faz parte da minoria alemã-russa que foi deportada pelo regime soviético para a Ásia Central durante a ditadura de Josef Stalin. Quase todos os membros desse grupo migraram para a Alemanha nos anos 1990, após o fim do comunismo. Dentro da AfD, Herdt é um dos representantes da ala cristã ultraconservadora, a mesma de Von Storch.
Após as críticas pela sua recepção a Von Storch, a deputada bolsonarista Bia Kicis afirmou: “A deputada Beatrix von Storch é uma parlamentar conservadora, que denuncia política de imigração na Alemanha e ataques às liberdades individuais, como a liberdade de expressão. Nada desabona sua conduta, por tudo que pesquisei. É a mesma narrativa contra conservadores aqui e no mundo.”
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A deputada bolsonarista Bia Kicis (PSL-DF) em encontro com a parlamentar alemã Beatrix von Storch, do partido de extrema direita Alternativa para Alemanha. REPRODUÇÃO TWITTER