Neste e-mail, você vai ler: O apagão literal do CNPq | O alerta da OMS sobre os dispositivos eletrônicos de fumar & mais.
Por Maúra Mathias e Raquesl Torres, no Outra Saúde
VOLTARAM ATRÁS
O Centro de Controle de Doenças (CDC) dos EUA decidiu voltar atrás e recomendar que mesmo pessoas vacinadas contra a covid-19 usem máscaras em espaços públicos fechados, nas áreas onde há alta transmissão do vírus. E pediu para que, no país inteiro, a proteção seja usada por todos os estudantes e funcionários de escolas.
Como notamos aqui, o país viu os novos casos dispararem nas últimas semanas com a variante Delta, e o motivo é estagnação da campanha vacinal. Em maio, quando o CDC – num movimento bastante controverso – afrouxou o mascaramento, a motivação foi principalmente a ótima proteção individual conferida pelos imunizantes. Até hoje, praticamente todas as novas hospitalizações e mortes ocorrem entre não-vacinados.
A decisão na época também foi baseada em pesquisas que demonstravam que as vacinas da Pfizer e da Moderna eram razoavelmente eficazes para reduzir a transmissão. Só que esses estudos se baseavam na circulação de outras variantes, em especial a Alfa, e os resultados não podem ser facilmente generalizados para a Delta, como explica a matéria da Nature. Sabe-se que há uma ligeira queda na proteção dos imunizantes da Pfizer e de Oxford/AstraZeneca contra doença sintomática causada por essa variante, o que pode significar também um enfraquecimento no potencial de reduzir a transmissão.
Segundo o CDC, dados recentes mostram que pessoas vacinadas infectadas com a Delta têm grande carga viral, mesmo não ficando gravemente doentes. O temor é que, nos estados com baixa cobertura – onde acontece a nova escalada –, pessoas que receberam os imunizantes continuem transmitindo o vírus, atingindo quem está desprotegido. Daí a necessidade de usarem máscaras.
Deve haver também outra razão de fundo: na prática, sempre foi inviável fiscalizar se apenas vacinados estavam deixando as máscaras de lado. Afinal, como identificá-los facilmente? “Portanto, o que nos resta é uma política mais ampla que diz que todos devem usar máscaras. Quer dizer, se você pudesse descobrir como fazer apenas os não-vacinados usarem máscaras, não precisaria forçar os vacinados a isso”, observa o médico Ashish Jha, reitor da Escola de Saúde Pública da Universidade de Brown, na New Yorker.
E O BRASIL?
O endurecimento da pandemia nos Estados Unidos e em outros países com altas taxas de vacinação, agora com a Delta, dá uma ideia do que pode vir a acontecer com o Brasil em algumas semanas. Por aqui, essa variante ainda não está circulando de forma tão expressiva e a média de mortes continua em queda, como mostra o boletim do Observatório Covid-19 Fiocruz publicado ontem.
A ocupação de leitos de UTI também segue melhorando. Apenas Goiás e o Distrito Federal estão na zona de alerta crítico (com mais de 80%), mas isso ocorre por conta do fechamento de leitos. A maior parte do país, 16 estados, se encontra fora da zona de alerta, com menos de 60% de ocupação. É o melhor quadro desde novembro.
Só que o número de casos voltou a subir. Na corrida contra a Delta, a vantagem brasileira sobre os EUA e vários países europeus é que, aqui, praticamente a população inteira quer ser vacinada – e, além disso, o SUS tem experiência de sobra em fazer imunizantes chegarem aos lugares mais difíceis.
Em havendo doses disponíveis, o Brasil deveria ter plena condição de fazer como o Canadá, por exemplo: até meados de março, o país patinava na campanha vacinal, enrolado com atrasos na entrega. Naquela época, quando os EUA tinham dado pelo menos uma dose a 20% de sua população, no Canadá eram apenas 6%. Mas, quando o fornecimento foi resolvido, o percentual de vacinados disparou. Hoje, 70% dos canadenses já receberam alguma dose de imunizante, e nada menos que 56% estão com o esquema completo – os EUA, que chegaram a 40% de totalmente vacinados no fim de maio, até hoje lutam para alcançar os 50%.
Por aqui, são agora 46% da população com ao menos a primeira dose (cerca de 60% da população adulta), o que é um percentual razoável. Mas ainda são apenas 18% com o esquema completo (um quarto da população adulta). Ou seja, falta muito chão.
O boletim da Fiocruz nota também que a vacinação tem avançado de forma muito desigual país afora. Isso tem levado pessoas a buscarem suas doses em outras cidades, distantes até 250 km do município de residência. Forma-se uma confusão: além de os deslocamentos facilitarem a circulação do vírus, ainda tornam difícil para esses municípios prever a quantidade de doses necessárias para suprir a demanda extra.
PIOR CRESCIMENTO
O mundo viu na última semana a maior alta nos óbitos por covid-19 desde abril de 2020, quando a pandemia mal havia começado: foi um aumento de 20%. Enquanto a Europa ainda vê seus números caindo, o crescimento global foi impulsionado por uma alta de 30% nas mortes no Sudeste asiático; também foram registradas pioras no Leste do Mediterrâneo, na África e nas Américas.
Neste momento, Namíbia, Tunísia, Fiji, Botsuana e Oman são os países com o maior número de mortes diárias por covid-19, em relação ao tamanho de suas populações. No continente americano, Paraguai, Colômbia, Argentina e Cuba têm os piores indicadores.
De Mosoka Fallah, ex-chefe do Instituto Nacional de Saúde Pública da Libéria, na Nature: “Durante o pior período do surto de ebola na Libéria, em julho, agosto e setembro de 2014, vi pessoas morrerem nas ruas. Em grande parte, o mundo nos deixou para combater sozinhos uma ameaça à saúde global. No entanto, quando um punhado de infecções por ebola atingiu os países desenvolvidos, cerca de US$ 3,5 bilhões foram investidos para combater o surto. Essa enorme soma veio tarde demais para salvar muitos dos 11,3 mil que morreram na África Ocidental. Menos de uma década depois, aqui estamos nós de novo. (…) Em janeiro, enquanto os países ricos estavam implementando a distribuição de vacinas, ajudei a organizar uma convocação para a ação com 30 veteranos do ebola e 81 profissionais de saúde que, reconhecendo a ameaça que a covid-19 representa para a África, pediram à Assembleia Mundial da Saúde para agir para garantir vacinas. Por que ainda estamos esperando?“
AINDA O INTERVALO
O Ministério da Saúde disse, em nota assinada com os conselhos de secretários municipais e estaduais de saúde, que o intervalo entre as doses da vacina da Pfizer vai mesmo ser o de 21 dias, mas não agora: só depois que toda a população adulta estiver coberta com ao menos uma dose de qualquer imunizante. Até lá, ficam valendo os três meses.
NA ARGENTINA
Após um ano de negociações conflituosas, a Argentina anunciou ontem um acordo para a compra de 20 milhões de doses do imunizante da Pfizer. As cláusulas estabelecidas pela empresa eram consideradas inaceitáveis pelo governo federal, e, como no Brasil, foram necessárias mudanças na legislação para viabilizar o contrato.
No país com 45 milhões de habitantes, cerca de 25 milhões já receberam alguma dose de vacina, mas só seis milhões foram completamente imunizados. O maior problema são os atrasos na entrega da segunda dose da Sputnik V, cuja composição é diferente da primeira. Na semana passada, o governo advertiu o Fundo Russo de Investimentos Diretos de que havia risco de cancelamento do contrato devido ao não-cumprimento do cronograma.
APAGÃO DO CNPQ
Diversos sistemas do CNPq, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, sofreram pane. As dificuldades começaram a ser notadas por pesquisadores na última sexta-feira (23), e foram admitidas pelo órgão no sábado.
Na nota, o CNPq informava apenas que havia identificado a “indisponibilidade dos seus sistemas”. Em dois tuítes postados na segunda-feira, o órgão também deixava mais perguntas do que respostas ao afirmar que seguia trabalhando para restabelecer os sistemas, com prioridade para a plataforma Lattes. Ontem, os boatos começaram a correr soltos.
O principal deles: o Lattes, que reúne os dados de produção da ciência brasileira, não teria backup. Depois do pânico, o CNPq assegurou que existem backups de todas as informações e que não aconteceram perdas.
Além do Lattes, o problema atingiu a plataforma Carlos Chagas, que reúne informações de grupos de pesquisa e dos 84 mil bolsistas do CNPq, e o Diretório dos Grupos de Pesquisa no Brasil, outra base de dados importante para conhecer quais especialistas estão trabalhando em cada área.
O “apagão” literal do CNPq teria sido causado pela pane de um equipamento que tem a função de controlar os servidores onde as plataformas ficam hospedadas. O problema teria ocorrido durante a migração para um novo equipamento.
Não há quem não ligue o apagão literal ao apagamento mais geral do órgão, que vem sendo golpeado desde o governo Michel Temer (MDB) com cortes orçamentários – realidade que não mudou no governo Jair Bolsonaro.
“O CNPq tem de ter verbas para as atividades fim, que são as mais importantes, mas também para as atividades meio, que garantem o funcionamento do órgão“, resumiu o presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, Renato Janine Ribeiro, que acredita que a presente situação de crise “no fundo é decorrência de escolhas orçamentárias”.
O deputado federal Rogério Correia (PT-MG) protocolou junto à Comissão de Educação da Câmara, um requerimento solicitando que o ministro da Ciência, Tecnologia e Inovação, Marcos Pontes, seja convocado para prestar esclarecimentos sobre o “apagão”.
DE OLHO NOS JOVENS
O novo relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS) sobre o tabaco mostra que embora tenha havido um progresso global significativo na redução do consumo dos cigarros convencionais, os dispositivos eletrônicos estão fugindo da regulamentação.
A indústria do tabaco aposta suas fichas nesses produtos – a ponto de, no domingo, o CEO da Philip Morris ter proposto uma moratória para os cigarros convencionais “em alguns países” dentro de dez anos.
O discurso oficial é o de que os dispositivos são voltados para os já fumantes, mas o marketing das empresas tem mirado a renovação do estoque de consumidores. Há no mercado 16 mil sabores para dispositivos eletrônicos, incluindo chiclete, sorvete de baunilha e biscoitos de chocolate…
Segundo o relatório, nos EUA, um em cada cinco estudantes do ensino médio está usando esses dispositivos atualmente – o que dá um total de 3,6 milhões de jovens fumantes. E os jovens consumidores têm “até três vezes mais probabilidade de usar produtos de tabaco no futuro”.
“Não acredito que de repente você deixe de ser o verdadeiro problema para ser parte da solução“, comentou o diretor do departamento de promoção da saúde da OMS, Ruediger Krech, a respeito da entrevista do CEO da PM. O organismo defende que os cigarros eletrônicos recebam o mesmo tratamento regulatório que os cigarros tradicionais.
Hoje, 84 países não regulam os dispositivos eletrônicos de fumar, 32 países proibiram sua venda e 79 adotaram pelo menos uma medida parcial para proibir seu uso em locais públicos, proibir sua publicidade, promoção e patrocínio ou exigir a exibição de advertências de saúde na embalagem. Estima-se que haja um bilhão de fumantes em todo o mundo, 80% dos quais vivem em países de baixa e média renda. Esse corte se reflete na regulação: quase 80% dos países de alta renda regulam os dispositivos, enquanto três quartos dos de baixa e média renda não o fazem.
SAÚDE MENTAL EM 1º LUGAR
O fenômeno da ginástica, Simone Biles, desistiu nessa madrugada de participar da final do individual geral da modalidade nas Olimpíadas de Tóquio. Ontem, na final por equipes, ela já tinha se retirado da competição depois de cometer falhas em um salto. Sua justificativa não é comum no mundo dos esportes: Biles decidiu preservar sua saúde mental.
“Acho que a saúde mental é mais importante nos esportes nesse momento. Temos que proteger nossas mentes e nossos corpos e não apenas sair e fazer o que o mundo quer que façamos”, afirmou ela. E acrescentou: “Eu não confio mais tanto em mim mesma. Talvez seja o fato de estar ficando mais velha. Não somos apenas atletas. Somos pessoas, afinal de contas, e às vezes é preciso dar um passo atrás“.
Em comunicado oficial nas redes sociais nessa madrugada, a equipe de ginástica dos Estados Unidos confirmou a desistência da atleta e demonstrou apoio irrestrito: “Após uma avaliação médica adicional, Simone Biles retirou-se da competição individual geral final. Apoiamos de todo o coração a decisão de Simone e aplaudimos sua bravura em priorizar seu bem-estar. Sua coragem mostra, mais uma vez, por que ela é um modelo para tantos”.
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Ilustração: Antonio Junião / Ponte Jornalismo