De um lado, suspeitos de matar fazendeiro Paulo Grendene vão para cadeia com seus pistoleiros; do outro, desembargadora faz delação que traz suspeitas sobre mais de trinta nomes, entre eles o senador Ângelo Coronel, do PSD baiano
Por Caio de Freitas Paes e Luís Indriunas, em De Olho nos Ruralistas
Depois da Operação Faroeste, entre o fim de 2019 e o começo de 2020, prender uma dezena de pessoas e prometer desmantelar a grilagem de terras no oeste da Bahia, a tensão na região só aumenta. Em 11 de junho, o fazendeiro Paulo Grendene foi morto com vários tiros por dois motoqueiros encapuzados no caminho de sua casa em Barreiras.
Natural de Nova Londrina (PR), Grendene plantou soja e algodão na região por quase trinta anos. Viu suas propriedades serem ameaçadas, na última década, diante do esquema de venda de sentenças envolvendo juízes, desembargadores e advogados. Grendene reagiu, entrando na Justiça e colecionou uma série de inimigos.
Dois deles são os empresários suspeitos de mandar matá-lo, segundo o site Metro 1. Luís Rosas Filho, o Lulinha, foi preso no dia 21 de junho, junto com três policiais militares, que teriam sido contratados para o trabalho. O outro empresário, Martiniano Rodrigues Magalhães Neto, continua foragido, assim como dois outros policiais militares, entre eles o dono da pistola 9 mm utilizada no crime. A Secretaria de Segurança Pública da Bahia informa que não dará detalhes das prisões por causa “da Lei de Abuso de Autoridade”, uma legislação de 1965, época da ditadura.
Rosas Filho, que foi pré-candidato em Santa Rita de Cássia (MG), já havia sido preso há cinco anos, por porte ilegal de armas. De Olho nos Ruralistas entrou em contato com os advogados de outros processos de Rosas Filho e Magalhães Neto por email, mas não obteve resposta até o fechamento dessa edição.
Em uma petição no caso, a Subprocuradora-Geral da República, Lindôra Maria Araújo, diz que o esquema revelado pela Operação Faroeste continua ativo, que o grupo criminoso “propalou ameaça de morte” a outros delatores e “contabilizou a morte brutal do agricultor Paulo Grendene, que denunciou o esquema de grilagem da operação Faroeste”.
No extremo oeste baiano sobram matrículas e registros de gaveta, que serviram de base para o esquema Faroeste.
A jogada baseava-se na manipulação de uma matrícula de terras, expandida, do dia para a noite, de 43 mil para 366 mil hectares pela justiça estadual. A desembargadora responsável aposentou-se no dia seguinte à decisão, como o observatório contou em reportagem: “Expoentes do agronegócio são a face menos falada do esquema de venda de sentenças na Bahia“.
Paulo Grendene e cerca de 200 fazendeiros tiveram seus registros de terras subitamente invalidados pela sentença. Segundo o Superior Tribunal de Justiça (STJ), o acordo garantiria mais de R$ 1 bilhão aos grileiros, anualmente. Paulo Grendene foi dos poucos que não toparam.
A questão entre Grendene e os investigados preso pela Polícia Civil envolvia o grupo Bom Jesus Agropecuária, de Nelson Vigolo — uma das partes principais nos processos da Operação Faroeste. O fazendeiro também entrou na Justiça contra André Toledo, irmão do deputado Sérgio Toledo (PL-AL), e herdeiros de cartórios em Alagoas. Outro dos rivais é Dirceu Di Domenico, que segundo denúncia da Procuradoria Geral da República (PGR), seria financiador da grilagem do esquema Faroeste.
ÂNGELO CORONEL APOIOU ACORDO COM AGRICULTORES
Além dos envolvidos diretamente na compra de terras, a movimentação de Grendene no Judiciário pode esclarecer alguns elos entre as investigações. O fazendeiro recebeu a reintegração de posse da área contra Di Domenico assinada pela desembargadora Sandra Inês Moraes Rusciolelli Azevedo, ponto-chave no atual momento das investigações.
Ao sair da prisão por causa da Operação Faroeste, Sandra Inês assinou uma delação premiada na qual apontou 36 nomes envolvidos no esquema de propinas. Entre os nomes vazados está o do senador Ângelo Coronel (PSD-BA), segundo o site bahia.ba.
Em 2017, quando Coronel ocupava o cargo de presidente da Assembleia Legislativa da Bahia (Alba), ajudou a fechar um acordo considerado extorsivo por algumas das partes.
Cerca de 400 produtores, há mais de trinta anos na região, eram obrigados a pagar 23 sacas de soja por hectare durante seis anos para José Valter Dias, conhecido como o borracheiro que virou dono de 366 mil hectares no Cerrado baiano. Ao Estadão, Coronel disse que não sabia do esquema de venda de sentenças.
Procurado pelo observatório, Ângelo Coronel respondeu, por meio de sua assessoria, que não fez o acordo com os agricultores:
— Fui instado pelas partes a ajudar/mediar as tratativas, como presidente do poder legislativo do Estado da Bahia. Sentados pacificamente à mesa, quem definiu valores/quantidades foram as partes envolvidas. Não há do que me arrepender, pois meu papel como mediador à época ajudou a pacificar os conflitos; o resultado de imediato parece ter agradado a todos, por que ao final posaram para fotos alegres e sorridentes, como registraram jornais e a própria assessoria de comunicação da Alba.
Sobre a possibilidade de ser um dos alvos da delação premiada da desembargadora, o senador considera a informação “mentirosa”. “Verdadeira desinformação veiculada por jornalista sensacionalista”, respondeu Coronel, que disse que “já ajuizou ações contra esses jornais/sites para que se retratem e retirem as fake news a meu respeito, além de pedir indenização por danos morais”.
IRMÃO DE DEPUTADO ALAGOANO DISPUTAVA TERRAS COM GRENDENE
Paulo Grendene rivalizava com uma das famílias mais poderosas do Nordeste, a Toledo de Albuquerque, origem do deputado federal Sérgio Toledo. Esta família de cartorários alagoanos tem muitas terras no oeste da Bahia, como a Fazenda Gerais, com mais de 8 mil hectares em Formosa do Rio Preto.
De Olho nos Ruralistas detalhou os movimentos dos Toledo de Albuquerque em maio: “Família de cartorários, com braço na Câmara, desmata área de proteção ambiental“. Um dos irmãos do deputado, André Toledo, disputava parte da Fazenda Sassafraz com Paulo Grendene, no epicentro da soja na Bahia. Este processo mostra que o clã alagoano teria se aproveitado de uma sentença favorável, apossando-se das terras do fazendeiro hoje morto.
Um relatório do mesmo caso, de 23 de março de 2012, afirma que a decisão em prol dos Toledo de Albuquerque “foi flagrantemente desvirtuada e extrapolada”. Afinal, a posse das terras “em momento algum foi suscitada, determinada ou chancelada” pela justiça. O processo seguiu até o Supremo Tribunal de Justiça, o STJ, onde foi engavetado em 2017. Mas “em razão do cenário atual de investigação da Operação Faroeste”, a ação foi desarquivada em junho de 2020, a pedido de Grendene.
O caso continua em andamento na Segunda Câmara Cível do Tribunal de Justiça da Bahia. Ao De Olho nos Ruralistas, a defesa de André Toledo de Albuquerque disse que “vai se manifestar apenas nos autos”.
“JAGUNÇOS DA PIOR ESPÉCIE”, ACUSAVA GRENDENE
O fazendeiro Dirceu Di Domenico seria um dos financiadores da grilagem, segundo a Procuradoria-Geral da República (PGR), como mostra a decisão inicial da operação, de 2019. A PGR pede a condenação de Domenico por corrupção ativa e passiva, além de lavagem de dinheiro. Segundo o jornal Grande Bahia, que também cobre o caso, o fazendeiro queria regularizar mais de 10 mil hectares por meio do esquema.
Enquanto isso, Paulo Grendene via coisas estranhas ocorrendo em sua fazenda em Formosa do Rio Preto. Ele disputava havia anos a posse de mais de 2 mil hectares com Dirceu Di Domenico, como mostra um processo na justiça da Bahia.
Nos autos, a defesa de Grendene acusa Domenico de invadir parte das terras, “precipitando o plantio de safra, talvez acreditando que o ilícito se prolongaria no tempo”. O conflito ficou violento no fim de 2020, após sucessivas derrotas de Domenico no Supremo Tribunal Federal (STF), em desdobramentos da Faroeste.
O fazendeiro assassinado alegava que, após fechar um acordo amigável, foi surpreendido com a “presença física de homens armados” nas terras. Grendene dizia que Domenico teria ameaçado “aliciar pistoleiros e jagunços da pior espécie para formar um grupo” para “retornar ao local e retomar a área pela força”.
Ao De Olho nos Ruralistas, os advogados de Domenico dizem que a denúncia de pistolagem foi ignorada pelo juiz responsável, Lázaro de Souza Sobrinho, da 1ª Vara Cível em Formosa do Rio Preto. “A denúncia não nomina o nosso cliente em nenhum momento, foi de cunho genérico”, diz a advogada Cláudia Beck, do escritório brasiliense Alcoforado Advogados, responsável pela defesa de Domenico.
A mídia regional relatou ainda o envolvimento de policiais militares nas ameaças a Paulo Grendene, vide o jornal O Expresso. A Corregedoria da Secretaria de Segurança Pública da Bahia não informou se a suposta participação de agentes de segurança foi investigada até o momento.
Vale destacar que a PGR tem em mira parte da antiga cúpula da segurança pública na Bahia. No início de julho, a Procuradoria denunciou Ediene Lousado, ex-procuradora-geral do Ministério Público baiano, Mauricio Telles Barbosa, ex-secretário de Segurança Pública, e Gabriela Macedo, ex-chefe de gabinete da mesma secretaria, todos agora réus por suposto envolvimento com o esquema Faroeste.
ANTES DE SER PRESA, PRESIDENTE DO TJ PROMETEU SOLUÇÃO PARA DISPUTAS AGRÁRIAS
Nos idos de 2017, a desembargadora Maria do Socorro Barreto Santiago prometia uma solução definitiva para disputas agrárias no Cerrado baiano. “A justiça está aqui para ajudar”, disse a então presidente do Tribunal de Justiça da Bahia (TJBA), durante a inauguração do Centro Judiciário de Solução Consensual de Conflitos Possessórios da Região Oeste, em Barreiras (BA).
Quatro anos depois, ela acaba de sair da cadeia, após passar os últimos dois anos presa por suposto envolvimento no bilionário esquema de venda de sentenças e grilagem de mais de 365 mil hectares no mesmo oeste baiano.
Maria do Socorro é uma das peças-chave do escândalo revelado pela Faroeste. Mesmo após prender toda a cúpula do Judiciário estadual, porém, a operação não impediu a violência em lutas agrárias no oeste baiano.
CAMPONESES RESISTEM A INVASÕES DURANTE A PANDEMIA
O avanço do agronegócio na região coincide com grilagens e repressão contra camponeses nestes cantos do Cerrado. Pequenos agricultores e vaqueiros resistem a constantes invasões até mesmo durante a pandemia, com milícias rurais sempre à espreita.
Em maio, De Olho nos Ruralistas tratou do tema: “Líder de produtores de algodão na BA comanda ameaça a comunidades do Cerrado”. Pouco antes, em março, policiais militares foram acusados de “agredir fisicamente” trabalhadores rurais da comunidade do Arroz, também em Formosa do Rio Preto.
O conflito teria ocorrido após uma tentativa de grilagem e desmatamento ilegal na área, segundo a Associação de Advogados de Trabalhadores Rurais, a AATR.
Foto principal (Departamento de Polícia do Interior da Bahia): policiais civis prendem suspeito de mandar matar o fazendeiro Paulo Grendene