Um promissor – mas invasivo – tratamento contra a depressão

Por Leila Leal e Raquel Torres, em Outra Saúde

INVASIVO, MAS PROMISSOR 

Um novo tratamento pode trazer esperanças às pessoas com depressão severa que não respondem bem aos medicamentos e métodos existentes. É a estimulação cerebral profunda (DBS, na sigla em inglês), que funciona a partir de um implante eletrônico no cérebro. Um estudo feito nos Estados Unidos, publicado ontem na Nature Medicine, indicou que os estímulos cerebrais produziram melhoras significativas no quadro de uma paciente que sofria há cinco anos com um quadro de depressão profunda e não respondia as muitas combinações testadas entre medicamentos ou à eletroconvulsoterapia.

O estudo foi conduzido por uma equipe da Universidade da Califórnia em São Francisco, que o considerou um um “sucesso histórico”. A paciente submetida ao tratamento participou ontem de uma teleconferência junto aos pesquisadores. Sarah, de 36 anos, contou que o tratamento “transformou sua vida”, em um alívio que já persiste por um ano. O implante funciona como um “marca-passo neurológico”, que redireciona os fluxos cerebrais quando os pensamentos negativos se instalam.  

A grande novidade do estudo foi ter encontrado uma forma de identificar o início dos sintomas depressivos no cérebro. Com esse “biomarcador” encontrado, o implante envia estímulos elétricos para outra parte do cérebro, associada ao sistema de recompensa e prazer. Assim, em um “reboot”, os sintomas obsessivos e pensamentos indesejados são eliminados. 

Mas esses resultados são ainda muito iniciais, referindo-se a apenas uma paciente, durante um período relativamente curto. Os pesquisadores reconhecem as limitações. É preciso saber como esses circuitos variam de pessoa para pessoa e também se o biomarcador encontrado vai mudando ao longo do tempo, após o início do tratamento. Além disso, o procedimento é caro, muito invasivo e, claro, arriscado. Os cientistas esperam que, conhecendo melhor os circuitos cerebrais da depressão, possam encontrar outro tipo de biomarcadores, que não dependam de métodos e tratamentos tão invasivos. De todo modo, a notícia traz boas perspectivas para muita gente. Segundo a OMS, a depressão afeta 280 milhões de pessoas no mundo hoje. Dessas, até 30% não respondem bem aos tratamentos existentes.

DIMINUI COM O TEMPO

Um grande estudo britânico (ainda não revisado por pares) confirmou, a partir de dados de rastreamento de contatos de dezenas de milhares de indivíduos, que pessoas totalmente vacinadas têm menos risco de transmitir o SARS-CoV-2, incluindo a variante Delta. Mas aponta um problema: esse efeito se esvai com o tempo.

A partir de 95 mil casos de covid-19 confirmados entre janeiro e agosto deste ano, foram identificados quase 150 mil contatos, dos quais cerca de 51 mil também testaram positivo. Nessa grande amostra, havia tanto pessoas não vacinadas como as que receberam os imunizantes da Pfizer e da AstraZeneca. Os pesquisadores viram que, após as duas doses, ambos os imunizantes reduziam a transmissão, sendo que o impacto da Pfizer foi um pouco maior. No entanto, a probabilidade de uma pessoa vacinada transmitir a Delta era duas vezes maior que com a Alfa.

O mais preocupante é que, após três meses, o efeito na transmissão da Delta caiu de forma alarmante (para a Alfa, ele se manteve em bons níveis). No caso da vacina da AstraZeneca, 12 semanas após a segunda dose já não houve diferença entre a taxa de transmissão da Delta a partir de vacinados ou não-vacinados. Com a Pfizer, o risco de espalhar essa variante logo após a segunda dose era 42%, mas depois aumentou para 58%.

Os autores reconhecem que parte desse declínio pode ter a ver com o fato de que pessoas mais vulneráveis (como idosos) foram vacinados há mais tempo – no caso deles, a perda de proteção dos contatos poderia estar relacionada ao menor efeito que as vacinas têm sobre essa população especificamente. Mas eles sugerem que o tempo pode ser realmente um fator importante, mesmo nos indivíduos saudáveis: isso porque já se sabe que o nível de anticorpos declina com o passar das semanas. Como há outros mecanismos duradouros de defesa, a proteção da pessoa vacinada contra infecções graves e hospitalizações continua firme, mas eles acreditam que os anticorpos podem ter um papel na prevenção da transmissão.

Com base nisso, escrevem que as campanhas em curso em vários países para a aplicação de doses de reforço podem ajudar a controlar a propagação do vírus. Mas aí entra uma questão fundamental: é preciso chegar a um acordo sobre quais são os objetivos da vacinação e o que se vai considerar como o “fim” da pandemia. O que se pretende é eliminar o risco de transmissão e de qualquer tipo de infecção ou evitar que as pessoas fiquem realmente doentes?

Por falar nisso, um artigo publicado ontem no periódico The Lancet mostra que duas doses da vacina da Pfizer conseguem manter em 90% a proteção contra hospitalizações ao menos seis meses após a aplicação. Isso apesar da queda na proteção contra infecções em geral, que foi de 88% para 47%. Os dados já haviam sido publicados em agosto, na época sem revisão por pares. Eles vêm da análise de cerca de 3,4 milhões de registros médicos de um plano de saúde nos Estados Unidos.

Em tempo: o estudo britânico também oferece evidências sobre como a transmissão acontece na comunidade. Ela foi maior no ambiente doméstico do que fora dele, e a taxa de transmissão a partir de crianças foi menor do que a partir de adultos.

FATOR DE RISCO

No “chão da fábrica”, entre trabalhadores que alimentam linhas de produção no Brasil, uma mulher negra tem mais que o dobro (146%) de risco de morrer de covid-19 do que um homem branco. A disparidade aparece também no topo do mercado de trabalho: entre profissões que exigem formação em nível superior, o risco de um homem negro morrer por uma infeccção do novo coravírus é 45% maior que o enfrentando por um homem branco na mesma função. A conclusão é de um estudo feito pela Rede de Pesquisa Solidária, que investigou as desigualdades raciais e de gênero na mortalidade por covid em 2020 a partir dos dados do Sistema de Informação sobre Mortalidade, do Ministério da Saúde. E confirmou que, no Brasil, ser negro ou mulher é um fator de risco.

A pesquisa demonstrou que, mesmo entre pessoas com as mesmas profissões, as assimetrias sociais fazem com que a mortalidade seja bastante diferente entre homens e mulheres e pessoas brancas e negras. Como destacou ontem a Piauí, os dados confirmam que essa disparidade se soma ao abismo entre classes que fez com que os mais pobres no Brasil sofressem as consequências da pandemia de maneira bastante diferente dos mais ricos (um exemplo, ainda de 2020, pode ser encontrado aqui). Os números foram obtidos com a análise de informações de vítimas que tinham profissão indicada no registro dos sistemas de saúde. Foi a partir daí que se identificou quantos profissionais em cada setor morreram por covid-19 no ano passado, e também, entre eles, os marcadores de raça e gênero. 

As probabilidades de morte partem de um modelo de comparação entre os grupos sociais. Como já são conhecidas as informações sobre as vantagens dos homens brancos do mercado de trabalho, os pesquisadores escolheram esse grupo como referência. Os percentuais de risco dos outros grupos, assim, são baseados na comparação com o risco de mortalidade entre homens brancos. Entre agentes de saúde, por exemplo, as mulheres brancas têm quase três vezes (172%) mais chance de morrer do que homens brancos. Para os homens negros o risco também é muito maior: 146%, em comparação com o grupo de referência. 

Segundo a pesquisa, são duas as principais causas da disparidade: o modo de inserção no mercado de trabalho, que é mais precário para mulheres em relação aos homens e para negros em relação a brancos, e a desigualdade no acesso a recursos em saúde, transporte, moradia e alimentação ao longo da vida, o que torna os grupos mais vulneráveis.

MEIA DOSE

Saíram ontem resultados preliminares do estudo conduzido em Viana/ES com a aplicação de doses reduzidas do imunizante de Oxford/AstraZeneca. Segundo a coluna de Monica Bergamo na Folha, o esquema com meia dose induziu a produção de anticorpos neutralizantes em 99,8% dos participantes, o que equivale ao regime com a dose padrão.

Isso é bem animador, mas ainda não se refere à eficácia, ou seja, à proteção de fato contra a covid-19. O resultado definitivo deve sair em dezembro, após três meses de observação dos vacinados.

FIM DO DIFERENCIAL?

A Janssen planeja pedir à FDA (agência reguladora dos Estados Unidos) autorização para a aplicação de uma segunda dose de sua vacina – cuja maior vantagem, na época da aprovação, era ser um imunizante de dose única.

Naquele país, logo que as doses extras passaram a ser oferecidas a idosos e imunossuprimidos, alguns especialistas começaram a apoiar a ideia de que pessoas vacinadas com a Janssen também recebessem um reforço, pelo fato de a sua eficácia ser menor. Um estudo recente do CDC (Centros de Controle e Prevenção de Doenças) verificou que o imunizante confere 71% de proteção contra hospitalizações, menos que a Pfizer (88%) e a Moderna (93%).

Há algumas semanas, a Janssen divulgou dados informando que a eficácia de sua vacina aumentava 22 pontos percentuais com uma segunda dose.

Por aqui, o Hospital PUC Campinas  vai começar um estudo para testar o efeito das duas injeções.

POR MUITOS ANOS

Relatório divulgado ontem pelo Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância)  aponta que crianças, adolescentes e jovens poderão sentir por muitos anos os impactos da crise sanitária em sua saúde mental. Parte do levantamento “Situação Mundial da Infância 2021”, o estudo trouxe um alerta sobre a depressão entre as gerações mais jovens, que já era um grave problema antes do início da pandemia. 

Os dados mostram que 22% dos adolescentes e jovens brasileiros de 15 a 24 anos se sentem “muitas vezes”, deprimidos ou com “pouco interesse em fazer as coisas”. Foram entrevistados jovens de 21 países. No topo do ranking, com 32% dos entrevistados se sentindo deprimidos, está a República dos Camarões. 

O documento destaca a necessidade de reforço nas políticas públicas. Segundo a pesquisa, 83% dos jovens (na média global) entendem que é melhor lidar com os problemas de saúde mental buscando apoio e tratamento. A alta demanda não encontra eco no oferecimento de opções: de acordo com o Unicef, há governos que gastam menos de 1 dólar por pessoa para tratar da saúde mental.

NOBEL DE MEDICINA

David Julius e Ardem Patapoutian receberam ontem o prêmio Nobel em Fisiologia ou Medicina por seus trabalhos que explicam com a pele percebe o frio, o calor e a sensação de toque e que podem levar a novas formas de tratar a dor. “Antes das descobertas de David Julius e Ardem Patapoutian, nossa compreensão de como o sistema nervoso sente e interpreta nosso ambiente ainda continha uma questão fundamental não resolvida: como a temperatura e os estímulos mecânicos são convertidos em impulsos elétricos no sistema nervoso?”, escreveram os professores responsáveis pela escolha. 

A descoberta de Julius, da Universidade da Califórnia, começou com a investigação do ardor que sentimos ao comer pimenta malagueta; ele identificou o tipo específico de receptor das nossas células que respondia à capsaicina, substância da pimenta que produz a sensação “quente”. Depois, outros testes mostraram que o mesmo receptor respondia ao calor, funcionando em temperaturas que causam dor.  Em paralelo, Patapoutian, que trabalha na Scripps Research e no Howard Hughes Medical Institute, descobriu um tipo diferente de receptor que era ativado em resposta ao toque. E, algum tempo depois, ambos encontraram outro sensor que reage ao frio e ao mentol.

Desde então, outros sensores foram descobertos e um amplo papel deles no nosso organismo tem sido demonstrado: na dor crônica, na forma como o corpo regula a temperatura e até na pressão arterial. 

CONFERÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE

Vai ser lançada hoje a  17ª Conferência Nacional de Saúde, que, se tudo der certo, acontece em 2023. O evento vai ser online e transmitido pelo Conselho Nacional de Saúde às 16h.

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