Movimentos populares entregam na Câmara minuta para criar projeto de lei sobre autogestão em produção de moradias

Pedro Calvi / CLP

De acordo com dados da Fundação João Pinheiro (FJP), que calcula o déficit habitacional no Brasil desde 1995, o déficit habitacional brasileiro, com dados de 2016 a 2019, seria de aproximadamente 5,8 milhões de moradias. Este ano, estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), aponta que esse número chega a 7,9 milhões de moradias, dos quais 1,5 milhões na área rural.

A mesma Fundação João Pinheiro aponta que 24 milhões de famílias vivem precariamente. Mais de 80% dessas famílias têm renda inferior a 3 salários mínimos e, dessa forma, estariam excluídas das políticas de financiamento habitacional. Os números são de 2020.

Os movimentos populares reivindicam políticas públicas que universalizem o direito à moradia e garantam recursos estáveis para sua execução, sem interferências decorrentes de conveniência política.

Neste contexto, surgiu nos anos 90 a produção habitacional autogestionada, apoiada por programas e recursos públicos. Anos mais tarde, serviu de inspiração para programas como o Crédito Solidário; Minha Casa, Minha Vida Entidades; e Minha Casa Minha Vida Rural.

Porém, esses programas não foram institucionalizados, já que surgiram a partir de decretos, portarias e resoluções administrativas do poder executivo, o que levou a alterações e interrupções.

Para discutir essa situação, e a possível criação de um projeto de lei sobre a produção habitacional autogestionada, a Comissão de Legislação Participativa da Câmara dos Deputados (CLP) promoveu audiência pública nesta terça-feira (5/10).

A sugestão de criação do projeto de lei foi da União Nacional por Moradia Popular e apoiada por outras organizações da sociedade civil. O documento, chamado de Programa Nacional de Moradia por Autogestão, foi entregue formalmente aos parlamentares.

A audiência foi solicitada pelos deputados Joseildo Ramos (PT/BA), João Daniel (PT/SE), José Ricardo (PT/AM), Alencar Santana Braga (PT/SP), Padre João (PT/MG), Rui Falcão (PT/SP), Erika Kokay (PT/DF), Paulo Teixeira (PT/SP), Reginaldo Lopes (PT/MG), Marcelo Freixo (PSB/RJ) e Alessandro Molon (PSB/RJ).

O presidente da CLP, deputado Waldenor Pereira (PT/BA) ressalta que “queremos construir uma ponte entre o parlamento e a sociedade organizada brasileira, receber sugestões para transformá-las em proposições legislativas. E o debate de hoje tem o objetivo de recolher informações que poderão virar um projeto de lei sobre a produção de moradia por autogestão”.

“Quem pode tem, quem não pode não tem”

Evaniza Lopes Rodrigues, da União Nacional por Moradia Popular é firme na apresentação da ideia.

“Trazemos um projeto de lei de autogestão para lembrar que o protagonista dessa história é quem vai morar. Não é o ministro, o engenheiro, o arquiteto. Para nós, moradia é direito, não é mercadoria. Se fosse mercadoria ficaria no sentido de quem pode comprar tem, quem não pode não tem”.

Evaniza destaca que “nossa proposta busca apoio e recursos públicos para construir novas comunidade. O Estado não pode se omitir como fez esse governo Bolsonaro que tirou 95% dos recursos para a habitação”.

Ronaldo Coelho, do Fórum Nacional de Reforma Urbana, lembra que os movimentos populares lutam há muito tempo para conseguir um projeto de lei que reduza o déficit habitacional no país. “Isso precisa ser reconhecido formalmente, esses movimentos já fazem esses empreendimentos e tem experiência para ajudar a mudar a realidade da falta de moradia. Sabemos que a batalha é pesada”.

Para o parlamentar João Daniel (PT/SE), que vai relatar a sugestão, “o papel dos movimentos populares, associações e cooperativas é fundamental na promoção da habitação popular com qualidade de projeto e obra”.

“Sabemos que a população pobre e trabalhadora, que ganha os piores salários desse país, é a que mora mais longe. São em maioria negros e atingem hoje quase 60% da população brasileira. Vivemos um momento em que o país é governado por um cidadão que não tem compromisso conosco e, portanto, não merece respeito”, afirma Luiz Gonzaga da Silva, da Central de Movimentos Populares.

Momento histórico

Eleonora Mascia, presidente da Federação Nacional dos Arquitetos celebra que “estamos vivendo um momento histórico que começou há anos, com o Estatuto das Cidades, por exemplo. Não é a vitória de uma pessoa ou um pequeno grupo, mas sim dos movimentos populares”.

“Temos a responsabilidade coletiva de mudar esse estado de coisas e trazer, na próxima eleição, um parlamento progressista para mudar a cara do país”, destaca o deputado Joseildo Ramos (PT/BA).

Também participaram da reunião Maria das Graças Xavier, Coordenadora da União Nacional por Moradia Popular; Enrique Ortiz Flores, ex-presidente da Coalizão Internacional do Habitat; Ramon Frati, Dirigente Nacional da Federação Uruguaia de Cooperativas de Ajuda Mútua; Nestor Rolando Jeifetz, representante da Secretaria Latinoamericana de la Vivienda y el Habitat Popular,  e presidente de la Federacion de Cooperativas; Maite Rodríguez Blandón, coordenadora-geral da Rede Mulher e Habitat da América Latina; e Arnaldo Brito, Dirigente Nacional da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura.

A íntegra da audiência pública está disponível, em áudio e vídeo, na página da CLP no site da Câmara dos Deputados.

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