No Brasil e no mundo, meta de redução na mortalidade materna está longe de ser atingida

Por Leila Leal e Raquel Torres, em Outra Saúde

TRAGÉDIA EVITÁVEL

O mundo se comprometeu a reduzir a taxa mortalidade materna no planeta para menos de 70 mortes a cada 100 mil nascidos vivos até 2030, como parte dos objetivos de desenvolvimento sustentável (ODS) – no mesmo prazo, nenhum país deverá ter uma taxa superior a 140. Mas enquanto 2030 já está logo ali, a meta paira distante: hoje, a taxa global é de 211 mortes por 100 mil nascidos vivos e, nos países mais pobres, é de 415. Houve melhoras recentes, com a mortalidade materna diminuindo em um terço de 2000 a 2017. Só que ainda morrem quase 300 mil mulheres por ano devido a complicações na gravidez e no parto. Se o ritmo atual prevalecer, os objetivos só vão ser alcançados em 2065.

A OMS lançou ontem uma série de novas metas e marcos que o mundo precisa cumprir até 2025 para que os ODS sejam atingidos. Como a maioria das mortes maternas está concentrada em um número pequeno de países, 19 vão ter prioridade no apoio para a sua implementação. Entre eles, 14 estão na África. Para se ter uma ideia, no Chade, em Serra Leoa e no Sudão do Sul, a taxa passa de 1,1 mil mortes por 100 mil nascidos vivos. 

As metas são para garantir direitos básicos: 90% das mulheres devem ter ao menos quatro consultas pré-natais; 90% dos partos devem ser assistidos por pessoal de saúde qualificado; 80% das puérperas devem ter acesso a cuidados pós-natais dois dias após o parto; 60% devem ter acesso a serviços de emergência que estejam a menos de duas horas de viagem; e 65% das mulheres devem ser capazes de tomar decisões informadas em relação à sua saúde reprodutiva, como aquelas que envolvem o uso de anticoncepcionais. A principal causa de morte materna é hipertensão, mas o aborto inseguro também está no topo da lista. 

E no Brasil? Por aqui, uma série de políticas foram implementadas para enfrentar o problema a partir dos anos 1980. A meta de 70 mortes maternas por 100 mil nascidos vivos foi superada há mais de uma década, e o compromisso firmado com a ONU é de baixá-la para 30. Mas, apesar de avanços, os indicadores continuam elevados e há uma tendência de estagnação nos últimos anos; os dados mais recentes mostram uma taxa de 59,1. Para comparação, ela é bem maior que em alguns vizinhos, como Chile (13) e Uruguai (17), e também superior a países como Espanha (4), Portugal (8), Canadá (10) e Estados Unidos (19). 

Como acontece em termos globais, no Brasil o problema se distribui de maneira totalmente heterogêneo. Das 27 unidades federativas, nove têm mais de metade de suas Regiões de Saúde com mais de 70 mortes por 100 mil nascidos vivos; a maior parte delas está no Norte e no Nordeste. Entre as Regiões de Saúde onde a taxa é menor que 30, cerca de 70% estão no Sul e no Sudeste. Se você está imaginando que mulheres negras morrem mais, acertou.

PARA O MÊS ROSA

O Outubro Rosa conscientiza principalmente sobre o diagnóstico precoce do câncer de mama, o que é bem importante. Mas a reportagem da Wired aponta para um fenômeno curioso, para dizer o mínimo: o de marcas de cerveja que apoiam a campanha por meio de rótulos especiais e doações em dinheiro… apesar de o consumo de álcool aumentar o risco de se desenvolver cânceres, inclusive o de mama. O texto traz exemplos de empresas nos Estados Unidos, mas já existem iniciativas do tipo no Brasil.

Aqui, 13% dos casos de câncer de mama diagnosticados no ano passado tiveram relação com fatores comportamentais, como consumo de bebidas alcoólicas, excesso de peso e falta de atividades físicas. A Wired cita estudos indicando que mesmo uma dose por dia pode aumentar o risco de câncer de mama em 14%. Claro que há outros fatores envolvidos, incluindo a genética, mas as informações sobre o cuidado com álcool não parecem circular suficientemente bem. Nos EUA, uma pesquisa do governo verificou que só uma em cada quatro mulheres de 15 a 44 anos sabe que o álcool é um fator de risco.

No entanto, pregar abstinência não costuma funcionar, e culpabilizar as pessoas pelas suas doenças tampouco (além de ser um tanto injusto). Uma campanha financiada pelo Programa de Pesquisa do Câncer de Mama da Califórnia tenta trabalhar a partir de mais nuances: o nome é “Beba menos pelos seus seios” e o objetivo é mostrar que qualquer redução faz diferença. Será que funciona? Na Estônia, uma campanha exortando as pessoas a beber “pela metade” acabou levando o consumo per capita a cair em 28%, um bom número. Mas era parte de uma política pública cheia de outros braços, como restrições à publicidade e impostos mais altos. Um dos especialistas ouvidos pela reportagem, David Jernigan, acredita que seria necessário criar um tratado internacional sobre o álcool, semelhante ao que foi feito para o tabaco, para que os países se comprometam a tomar medidas desse tipo.

TIRAR OU NÃO TIRAR

As capitais de São Paulo e Rio de Janeiro podem desobrigar o uso de máscaras, ao menos em locais abertos, muito em breve. No Rio, o prefeito Eduardo Paes (PSD) disse que a liberação já pode começar no dia 15, desde que 65% da população estejam com o esquema vacinal completo; a capital paulista, segundo a Folha, deve esperar atingir perto de 90% da população, o que deve acontecer mais ou menos na mesma época.

Vários especialistas são contrários à mudança, pois a pandemia ainda não está sob controle. Eles lembram o que aconteceu nos Estados Unidos, onde o governo federal precisou voltar atrás em decisões desse tipo. “Não tem como ter certezas agora, estamos em uma situação que é muito fluida, que pode mudar a qualquer momento”, diz Denise Garrett, vice-presidente do Instituto Sabin de Vacina, no Estadão. Por outro lado, enquanto a necessidade de continuar de máscara em espaços fechados é consensual (ou deveria ser: a prefeitura de Duque de Caxias, no Rio, já decidiu liberar geral), ao ar livre o risco é de fato bem menor, e faz sentido que esse seja o primeiro passo. Quem sai às ruas, aliás, deve ver que a população já começou a relaxar faz tempo.

No Estadão, Vitor Mori, do Observatório Covid-19 BR, diz que seria interessante um movimento duplo: flexibilizar em ambientes abertos, mas aumentar a fiscalização nos fechados. E, de preferência, com oferta de PFF2 em locais como o transporte público. “Isso faz mais sentido do que a população ficar com a mesma máscara folgada em todos os ambientes”, diz ele. Já comentamos aqui que, há meses, antes de avançarem na imunização, países europeus começaram a banir o uso de máscaras de pano e forçar o uso das mais eficientes. Vale apontar que um grande ensaio randomizado conduzido em Bangladesh verificou que o uso de máscaras cirúrgicas ajudou a reduzir as infecções na comunidade, mas que o mesmo não foi observado em relação às de tecido.

EM FAMÍLIA

A última semana de depoimentos da CPI da Covid começou com a oitiva dos diretores da VTCLog, a empresa de logística investigada por suspeita de irregularidades e pagamento de propinas em contratos com o Ministério da Saúde. Raimundo Nonato Brasil e Andreia Lima, respectivamente sócio e diretora-executiva da companhia, tentaram minimizar os indícios apresentados pela comissão. Mas umas das tentativas de explicação, em especial, de tão esdrúxula chegou a arrancar risadas dos senadores: segundo os empresários, as suspeitíssimas transações de milhões de reais foram feitas  em dinheiro vivo porque a VTC seria uma empresa “familiar”, que ainda não teria se modernizado e não trabalharia com transações bancárias eletrônicas. 

O esquema de corrupção envolvendo a empresa e o Ministério seria articulado, segundo as suspeitas, por Roberto Dias, o ex-diretor de logística que saiu preso do depoimento à CPI em julho – e cuja quebra de sigilo mostrou frequentes e numerosas ligações à diretora executiva da VTC. A CPI busca explicações, por exemplo, para um aditivo de R$ 18 milhões pago pela Saúde à empresa. Além disso, causou estranhamento a informação de que boletos emitidos em nome de Roberto Dias pela Voetur, o grupo proprietário da VTCLog, teriam sido pagos em dinheiro pelo motoboy da própria empresa. 

Para os senadores, há indícios de que as movimentações sejam uma forma de acobertar o sistema de desvio de verbas e pagamento de propinas, em um esquema que teria começado antes da pandemia, durante a gestão de Ricardo Barros  (deputado pelo PP-PR e atual líder do governo na Câmara) como ministro. Na sessão de ontem, o relator da CPI, Renan Calheiros (MDB-AL) apresentou uma lista de oito contratos firmados sem licitação pelo Ministério com a VTC em 2017 e 2018, que somariam mais de R$ 335 milhões. 

Raimundo Nonato e Andreia Lima disseram que seriam, na verdade, contratos emergenciais, motivados pela extinção do órgão do próprio Ministério que era responsável pela logística de distribuição de medicamentos e vacinas. A função seria desempenhada pelos Correios e, quando a empresa não pôde ser contratada, a VTC abocanhou esse filão. Um lembrete vem a calhar: foi justamente Barros que decidiu, em 2018, acabar com a seção de logística do Ministério da Saúde, que desde então passou a fechar contratos com a VTC.

EXPLICAÇÕES

Também ontem, a CPI aprovou um requerimento ao Ministério da Saúde. Os senadores querem informações sobre o plano de imunização para 2022, incluindo uma explicação dos motivos que justificariam a possível retirada da CoronaVac da lista de vacinas a serem utilizadas no combate à covid-19. Na semana passada, a pasta declarou que não previa novas contratações do imunizante. Ontem, no entanto, Queiroga sinalizou que, “caso obtenha registro definitivo” junto a Anvisa, a CoronaVac pode ser considerada. Assim como a vacina da Janssen, o imunizante produzido pelo Instituto Butantan tem autorização para uso emergencial. O Ministério tem 48 horas para responder ao pedido da CPI. 

A GRANEL

Mais uma denúncia de coação a médicos e prescrição indiscriminada dos remédios do “kit covid”, dessa vez, no Hospital das Forças Armadas em Brasília. Segundo reportagem da TV Globo, profissionais que eram contrários à prescrição dos medicamentos sem eficácia foram orientados pelo chefe do pronto-socorro da unidade hospitalar a usar receitas pré-assinadas e carimbadas por outros profissionais. Tudo já ficava pronto antes mesmo de as consultas acontecerem: as receitas previamente preenchidas indicavam aos pacientes ainda desconhecidos o tratamento com hidroxicloroquina, azitromicina e ivermectina. 

Em uma troca de mensagens obtida pela TV, o chefe do pronto-socorro do HFA, major Milson Faria, repassa aos médicos a orientação para o tratamento em massa: “Pedimos àqueles colegas que não prescrevem as referidas medicações, que caso não tenha nenhum colega no turno que também prescreva, que procure a sala de prescrição médica para entregar ao paciente, tendo somente que preencher o nome e a data”. 

Além da evidente coação aos profissionais e sua autonomia, a prática, segundo a Associação Médica Brasileira, viola também os direitos dos pacientes, já que nenhuma prescrição pode ser feita em massa e, pior, sem que sequer se examine o paciente em consulta. Segundo os médicos do Hospital, as prescrições com receitas pré-fabricadas começaram no fim do ano passado e duraram até julho. A instituição divulgou nota dizendo que os médicos puderam prescrever medicamentos por conta própria e tiveram as “autonomias respeitadas”. 

TRATAMENTO PREVENTIVO

A AstraZeneca pediu autorização de uso emergencial nos EUA para um tratamento contra a covid-19 em pessoas imunossuprimidas. É uma terapia de anticorpos que, segundo a empresa, reduz em 77% o risco de infecção sintomática em ensaios de fase 3. Se o órgão regulador der sinal verde, vai ser o primeiro tratamento preventivo a ser aprovado.

TESTAR MAIS, TESTAR SEMPRE

Um novo teste para detecção da covid foi aprovado pela Anvisa e pode ser um aliado para superar um dos grandes e persistentes gargalos no enfrentamento à pandemia no Brasil: a implementação de testagem em massa e eficaz. Desenvolvido por pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais, o teste é considerado rápido, de baixo custo e alta sensibilidade, embora não tenham sido dados detalhes em relação a isso. A pesquisa foi financiada por órgãos públicos como a  RedeVírus, ligada ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Informações, a Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais e o Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Vacinas (INCT-V), ligado à Fiocruz.  O escalonamento e produção estão sendo feitos pelo Instituto Bio-Manguinhos, também da Fiocruz. 

PRIMEIRO A FAVOR

Pela primeira vez, a farmacêutica Bayer venceu um julgamento por acusações de que seu herbicida Roundup (cujo princípio ativo é o glifosato) causa câncer. Dessa vez, um júri na Califórnia decidiu que o agrotóxico desenvolvido pela Monsanto não causou uma forma rara de linforma não-Hodgkin em uma criança. Nas três ações julgadas antes, a Bayer havia levado a pior – embora ainda esteja apelando em duas delas. 

Uma jovem grávida, em uma imagem de arquivo.CORBIS

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