Missa Afro e Abraço denunciam devastação do Rodoanel, o “Rodominério”, em Santa Luzia, no Cemitério dos Escravizados, na região de Pinhões, Vale do Rio das Velhas, MG

Glaucon Durães[1]

Alenice Baeta[2]

Gilvander Moreira[3]

Henrique Lazarotti[4]

Aconteceu no dia 02 de novembro de 2021, no Dia de Finados, das 16h às 19h, a tradicional Missa Afro no “Cemitério dos Escravos”, ou melhor, no Cemitério dos Escravizados, localizado na Comunidade Rural dos Fechos, ao lado da Comunidade Quilombola dos Pinhões, município de Santa Luzia, na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), MG. A missa foi organizada pela Pastoral Afro e presidida pelo padre João Lucena, da paróquia São Raimundo Nonato, distrito de São Benedito, Santa Luzia, e por Frei Gilvander Luís Moreira, da Comissão Pastoral da Terra (CPT/MG).

Durante a Missa Afro, que ocorre há decênios em reverência e memória dos ancestrais do povo negro escravizado, quilombola da região, ali enterrados, foi denunciado o megaprojeto devastador do Rodoanel, mais conhecido como “Rodominério”, que vai rasgar e devastar brutalmente territórios tradicionais, milhares de moradias, fontes de água, campos sagrados, entre outras benfeitorias no município de Santa Luzia e em outros 12 municípios da RMBH.

O projeto do Rodoanel do Governador Zema, em “parceria” com a mineradora Vale S/A, é composto por quatro alças – Sul, Sudoeste, Oeste e Norte – e indica que no Vetor Norte vai destruir e descaracterizar o território místico em que se encontram o Cemitério dos Escravos, o Córrego do Cachimbeiro, o Cruzeiro do Cantanhão e a Comunidade Quilombola de Pinhões, área da antiga sesmaria de Bicas. Esta destruição seria uma grande tragédia socioambiental, cultural, histórica, simbólica e religiosa para o estado de Minas Gerais, em especial para a memória e a resistência do povo preto e quilombola. O Cemitério dos Escravos é um importante campo sagrado, sítio arqueológico e histórico, tombado em nível municipal em 2008, categoria de patrimônio material e imaterial, composto por construção vernacular em alvenaria de pedra seca, cuja obra remonta do início do século XIX. É fundamental, inclusive, que a referida Missa Afro seja reconhecida também como patrimônio imaterial.

O traçado oficial do Rodoanel, divulgado pelo governo de Minas Gerais proposto, e suas “alternativas” (muitas delas apresentadas por entidades ditas “ambientalistas” de forma oportunista e superficial), demonstram reiterado desconhecimento e irresponsabilidade para com os territórios e bens ambientais, culturais e socioeducativos da RMBH, em especial por parte da Secretaria de Infraestrutura e Mobilidade (SEINFRA), indicando forte crise de governança, falta de transparência, evidente inconsistência técnica e péssima gestão dos recursos patrimoniais e hídricos, além de ser regado por um processo de licenciamento ambiental conturbado e repleto de sequelas normativas e legais inaceitáveis, a começar pela ausência de participação e consulta popular de forma eficaz, bem como ausência de consulta prévia, livre e informada (CPLI) aos povos e comunidades tradicionais, como prevista na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

Visando denunciar o famigerado projeto do Rodoanel e o terrorismo socioambiental que se instalou por seus “defensores” na RMBH, após a Missa Afro tradicional, houve um grande ato denominado “Abraço Coletivo ao Cemitério dos Escravos”, com muitas faixas, panfletos e bandeirolas, denunciando o RODOANEL. Perguntou-se: “A quem interessaria este projeto? Ao povo que não é”. Serão geradas pelo governo do estado de Minas Gerais, com esta obra na RMBH, milhares de famílias atingidas pelo Rodoanel, população já assolada pelas tragédias causadas pelo rompimento das barragens de mineradoras que destruíram a Bacia do Rio Doce e do Rio Paraopeba, além de precipitar o risco já iminente de colapso hídrico e de carência por moradia, destruindo ainda áreas periurbanas e do cinturão verde, voltadas tradicionalmente para a agricultura familiar e produção de alimentos, o que causará fatalmente insegurança alimentar em todo o colar metropolitano.

Além de inúmeros moradores de Santa Luzia e dos representantes das comunidades tradicionais Quilombolas de Pinhões, Manzo Ngunzo Kaingo e indígena (etnia Pataxó, moradora no bairro Bonanza), várias entidades, associações, coletivos e movimentos ambientalistas de toda a RMBH compareceram à Missa Afro e ao “Ato Abraço Coletivo ao Cemitério dos Escravos”, entre eles, Movimento Salve Santa Luzia, S.O.S Santa Luzia, Pastoral Afro de Santa Luzia, Comissão Pastoral da Terra (CPT/MG), Movimento Negro Unificado (MNU/MG), Federação Quilombola de Minas Gerais-N´Golo, Centro de Documentação Eloy Ferreira da Silva (CEDEFES), Movimento Serra Sempre Viva, SOS Vargem das Flores, Observatório da Evangelização da PUC/MG, Paróquia São Raimundo Nonato, Movimento Todos Contra o Rodoanel, Diretório Municipal do PT de Santa Luzia, Diretório Municipal do PSOL de Santa Luzia, Jornal Brasil de Fato, Site Luzias etc.

Nos últimos meses, várias manifestações, atividades e atos públicos vêm sendo realizados continuamente em toda a RMBH com o objetivo de denunciar o Rodoanel, megaprojeto devastador: notas, manifestos, artigos, panfletagem, faixas, lives (veja canal youtube frei Gilvander), aulão, vídeos, rodas de conversa, carro de som denunciando nas ruas dos bairros, carreatas, reuniões virtuais e presenciais, entre outros.

Na Missa Afro e no Abraço Coletivo ao Cemitério dos Escravos foram proferidas falas e manifestações que reiteraram e ecoaram alto que o projeto do Rodoanel não será aceito em nenhuma hipótese, pois todo e qualquer trajeto/traçado será brutalmente devastador e injusto socialmente. O Rodoanel não será uma rodovia pública, mas “privada”, com o pedágio mais caro do Brasil: acima de 35 centavos por KM, totalizando mais de R$70,00 de pedágio para ir e voltar, passando por esse famigerado Rodoanel. Quem poderá pagar acima de R$70,00 por dia durante toda a semana para ir trabalhar e voltar? Assim, o rodoanel é obra tecnocida, ecocida e de cunho racista ambiental, onde deverão circular os grandes caminhões de escoamento de produtos da mineração, do agronegócio e industriais, por isso a denominação “Rodominério”, incentivando a ampliação e a instalação de empreendimentos danosos à RMBH.

O Rodoanel não resolverá em nada os problemas de mobilidade em BH e na RMBH, pois o que precisa, respeitando os acordos climáticos e as normas internacionais para o bem viver nas cidades, é incentivar projetos comprometidos com a baixa emissão de carbono e não investimento em novas rodovias voltadas para o tráfego de caminhões e veículos pesados. Os problemas de mobilidade urbana em BH e RMBH podem ser equacionados com: 1) Ampliação do metrô para várias cidades da RMBH; 2) Resgate do transporte de passageiros através de trens, o que existia entre as 34 cidades das RMBH com BH; 3) Melhoria no transporte público por meio de ônibus.  

O megaprojeto do rodoanel, portanto, vai na contramão das orientações internacionais de cunho socioambientais e urbanísticos para as cidades e, concretizado, funcionará  como uma grande muralha na RMBH, desalojando moradores, escolas, apartando inúmeras comunidades e bairros, mutilando territórios tradicionais, sítios históricos, áreas da agricultura familiar, áreas verdes, bichos, plantas, nascentes, aquíferos e unidades de conservação ao longo dos seus mais de 100 km de extensão.   

A organização popular está a cada dia se fortalecendo contra mais esta aberração e desrespeito ao povo, aos viventes, às terras e às águas de Minas Gerais. “Olhem bem as montanhas” e valorizem as águas que delas emanam…

FORA, RODOANEL! FORA, RODOMINÉRIO!

Santa Luzia, 03 de novembro de 2021.


[1] Professor de Sociologia, doutorando em Ciências Sociais pela PUC Minas, colaborador jovem do Observatório da Evangelização da PUC Minas, morador de Santa Luzia e membro do movimento das comunidades quilombolas de Santa Luzia e região impactadas pelo Rodoanel e do coletivo Salve Santa Luzia.

[2] Doutora em Arqueologia pelo MAE/USP; Pós-Doutorado Antropologia e Arqueologia-FAFICH/UFMG; Historiadora e Membro do CEDEFES, do Movimento Serra Sempre Viva, do Conselho Internacional de Monumentos e Sítios-ICOMOS/Brasil.

[3] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; agente e assessor da CPT/MG, assessor do CEBI e Ocupações Urbanas; prof. de Teologia bíblica no SAB (Serviço de Animação Bíblica), em Belo Horizonte, MG.

[4] Advogado popular e integrante do Movimento Serra Sempre Viva, de Ibirité, MG.

Os autores e autora deste artigo integram o Movimento Todos Contra o Rodoanel na RMBH.

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