De Chico Mendes a Gladson Cameli, Acre abriga o agronegócio e as resistências

Nos últimos cinco anos, De Olho nos Ruralistas acompanhou a resistência dos povos da floresta no estado e mostrou ascensão dos bolsonaristas no estado, como o atual governador, agora investigado pela Polícia Federal; série sobre Ratinho foi um dos destaques recentes 

Por Mariana Franco Ramos, em De Olho nos Ruralistas

A terra de Chico Mendes e de tantos povos que dedicaram suas vidas a defender a floresta é também a terra de grandes proprietários, alguns deles “forasteiros”, e de políticos alinhados com o agronegócio. O atual governador, Gladson Cameli (PP), talvez seja o principal exemplo. Bolsonarista, ele é um dos sócios da Marmude Cameli, madeireira que briga na Justiça há mais de trinta anos contra o pedido de indenização dos Ashaninka, indígenas naturais da fronteira do estado com o Peru.

O Acre é o sexto estado da região Norte na retrospectiva de cinco anos do De Olho nos Ruralistas. Os primeiros foram os estados do Sul: Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná. Depois foi a vez do Sudeste, pela ordem: São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Espírito Santo. Os estados nordestinos da Bahia, Sergipe, Alagoas, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte , Ceará , Piauí e Maranhão deram sequência. Da região Norte,  Pará,   Amapá,  Amazonas e Roraima já foram retratados.

Os membros da comunidade foram vítimas da companhia nos anos 80, na chamada segunda ocupação do Acre. A Marmude acabou condenada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) a pagar multa de cerca de R$ 35 milhões como forma de indenização. No Supremo Tribunal Federal (STF), os Cameli tiveram o recurso negado pelo ministro Alexandre de Moraes, relator do caso. Cinco meses depois, porém, o mesmo ministro voltou atrás, como mostra reportagem do observatório.

TERRAS DE RATINHO FORAM OBJETO DE REPORTAGENS EM 2020

O governador do Acre foi destaque também na série “Ratinho, o Fazendeiro”, relembrada na retrospectiva do Paraná: “Madeireiro, governador do AC quer que empresas explorem florestas públicas“. Ele é o autor do Projeto de Lei (PL) nº 225/2020, em tramitação na Assembleia Legislativa (Aleac), que regulariza a exploração de florestas públicas por empresas privadas.

O texto atualiza as normas para processos de concessões em áreas naturais protegidas que estejam sob a gestão do estado. As terras elegíveis estão descritas no Plano Anual de Outorga Florestal 2020 e atingem o Complexo de Florestas Estaduais do Rio Gregório, em Tarauacá (AC). É por ali que o apresentador de televisão Carlos Roberto Massa possui duas fazendas, de quase 200 mil hectares, e que, a exemplo do aliado, pretende explorar madeira. Relembre aqui.

POVOS DA FLORESTA ESTÃO ENTRE PRIMEIRAS VÍTIMAS DO GOVERNO GENOCIDA

Os “povos da floresta”, expressão que inclui indígenas, extrativistas e pequenos produtores que atuam em Unidades de Conservação como as Reservas Extrativistas, estão entre as primeiras vítimas do governo genocida de Bolsonaro. Em janeiro de 2019, o observatório já mostrava que as perspectivas eram de ameaça a uma série de conquistas obtidas com suor e sangue, incluído o de Chico Mendes. O líder seringueiro foi assassinado há 33 anos, no dia 22 de dezembro de 1988, como mostrou a primeira edição da série audiovisual De Olho na História:

A primeira realização concreta do presidente, via medida provisória, foi retirar a atribuição de demarcar terras indígenas da Fundação Nacional do Índio (Funai), levando a competência para o Ministério da Agricultura, por meio da Secretaria Especial de Assuntos Fundiários – comandada pelo líder ruralista Luiz Antônio Nabhan Garcia. Paralelamente, a MP retirou a demarcação de terras quilombolas do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e a levou para a mesma pasta, que também passou a responder por algumas atividades do Serviço Florestal, antes sob a tutela do Ministério do Meio Ambiente.

O advogado Gomercindo Rodrigues, amigo e fiel de Chico Mendes, disse ao observatório que a tendência era de aumento nos conflitos. Ele citou o exemplo de um seringueiro que estava no famigerado e registrado empate de 1986, na fazenda da Bordon. Hoje sua terra compõe a reserva Chico Mendes, mas está sob pressão de um fazendeiro local. A situação fica mais difícil quando se sabe que não há defensores públicos do Estado com permanência em Xapuri há anos. Cada defensor fica alguns meses e depois é removido, a pedido ou por outros motivos, para outra cidade.

Em fevereiro de 2019, ao participar do programa Roda Viva, da TV Cultura, o então ministro Ricardo Salles, do Meio Ambiente, disse não conhecer Mendes, reconhecido oficialmente como um dos Heróis da Pátria.

A intervenção do político tornou-se conhecida principalmente pela pergunta marcante feita sobre o sindicalista: “É irrelevante, que diferença faz quem é Chico Mendes neste momento?” Mais do que uma gafe, a fala está alinhada com discurso de fazendeiros da União Democrática Ruralistas (UDR) nos anos 80 e inimigos do modelo extrativista. Saiba mais aqui.

Há dois anos e meio, o observatório inaugurou a editoria De Olho na Resistência, com um perfil de Angélica Mendes: “Neta de Chico Mendes inspira-se em infância nos seringais para defender a Amazônia“. Em meio a tantas ameaças, como o desmonte de conquistas obtidas após o assassinato do líder sindicalista, as novas gerações somam forças para preservar a identidade e lutar pela preservação do bioma.

PRESIDENTE AMEAÇOU “FUZILAR A PETRALHADA” DO ACRE

Desde a campanha eleitoral, Bolsonaro investiu contra iniciativas de preservação do ambiente qualificadas por ele como “xiitas”. O observatório destacou a promessa de que a Amazônia será explorada por países estrangeiros, Estados Unidos à frente: “Bolsonaro quer exploração da Amazônia ’em parceria com os Estados Unidos’“.

Pouco antes, em Rio Branco, o atual chefe do Executivo falou que iria “fuzilar a petralhada” do Acre. Chico Mendes era filiado ao PT. Chegou a ser candidato a deputado estadual, em dobradinha com a seringueira – futura senadora e presidenciável – Marina Silva, principal quadro da Rede Sustentabilidade. A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, não viu crime na declaração.

Em uma transmissão feita pelo Facebook, Bolsonaro afirmou que ambientalistas devem trabalhar “de verdade” e não “por interesse”. “Vocês do meio ambiente não sabem como é produzir, o quanto é difícil ser agricultor no Brasil, e vai lá sempre meter a caneta nos caras”, disse, defendendo a intensificação da atividade turística em áreas de preservação.

EM CINCO ANOS, OBSERVATÓRIO EXPÕE OS DONOS DO BRASIL

A comemoração dos cinco anos do De Olho nos Ruralistas terá ainda várias peças de divulgação, visando a obtenção de 500 assinaturas, por um lado, e levar as informações a um público mais amplo, por outro. É urgente a necessidade de o país conhecer melhor o poder dos ruralistas e de formar no Congresso uma bancada socioambiental, um conjunto de parlamentares que defendam direitos elementares, previstos na Constituição e nos pactos civilizatórios internacionais dos quais o Brasil é signatário.

Imagem principal (De Olho nos Ruralistas/Lunae Parracho/Reuters): Os povos da floresta no Acre sofrem o retrocesso na era de Bolsonaro.  

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