Fronteira da violência contra indígenas, Roraima coleciona políticos expansionistas

De Olho nos Ruralistas mostrou nos últimos cinco anos as investidas contra os povos originários, no estado que elegeu a primeira deputada federal indígena do Brasil; em 2020, deputado tentou destruir com motosserra corrente que limita a TI Waimiri Atroari

Por Luís Indriunas, em De Olho nos Ruralistas

Em 2020, Roraima foi palco de uma cena com repercussão nacional: o deputado estadual Jeferson Alves (PTB) arrebentou a corrente que limita a Terra Indígena Waimiri Atroari e, com uma motosserra, divulgou um vídeo onde ele aparece, orgulhosamente, destruindo a placa. De Olho nos Ruralistas foi atrás da história dele: “Bens do deputado da motosserra saltaram de R$ 300 mil, em 2016, para R$ 1,67 milhão, em 2018”.

Roraima é o quarto estado da região Norte na retrospectiva de cinco anos do De Olho nos Ruralistas. Os primeiros foram os estados do Sul: Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná. Depois foi a vez do Sudeste, pela ordem: São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Espírito Santo. Os estados nordestinos da  Bahia, Sergipe, Alagoas, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte , Ceará , Piauí e Maranhão deram sequência. Da região Norte,  Pará,   Amapá  e  Amazonas já foram retratados.

A sanha dos políticos roraimenses contra os indígenas não é de hoje. Durante o tempo em que foi presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), o senador Romero Jucá (MDB), que pretende voltar ao Senado em 2022, colecionou suspeitas de irregularidades, como a liberação da entrada de madeireiras em terras indígenas e a venda de madeira aprendida para madeireiras infratoras em troca de benfeitorias nas aldeias. Com ele, o órgão passou de 3.200 para 4.600 funcionários apenas nos primeiros cinco meses de gestão.

DE JUCÁ A NOVOS CONGRESSISTAS, RURALISTAS SE MULTIPLICAM

Jucá também diminuiu o tamanho das terras dos Yanomami e permitiu a entrada de garimpeiros na área. Por isso, para a etnia, ele é considerado o maior inimigo dos povos indígenas no Brasil. Dono de empresas de mineração, em nome da família, o senador continua defendendo a exploração de minério em terras indígenas.

Mesmo fora do Congresso, o ex-senador conta com um forte aliado na Câmara, o deputado federal Édio Lopes (PR), que faz parte da Frente “em defesa” da Amazônia e é autor de projeto que garantiria essa exploração.

O roraimense aparece no Mapa das Terras dos Parlamentares, divulgado em agosto de 2017 pelo De Olho nos Ruralistas. Ele possui uma propriedade rural de 374 hectares no município de Mucajaí (RR). A região abriga a Terra Indígena Yanomami, uma das mais ameaçadas pelo garimpo ilegal. Segundo denúncia do líder indígena Davi Kopenawa, desde 2016 cerca de 20 mil garimpeiros invadiram a área compreendida pelos Rios Uraricoera, Mucajaí, Apiaú e Alto Catrimani.

SENADOR PROMOVE BRIGAS DE GALO ENQUANTO TENTA INTERVIR NO IBAMA

Enquanto os indígenas são atacados, o senador Telmário Mota (Pros-RR) defende madeireiros. Criador de mais de 300 galos de briga e defensor de rinhas, Telmário Mota tem uma relação peculiar com o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis (Ibama), como destacou o observatório: “Criador de galos e defensor de rinhas, Telmário Mota quer desarmar fiscais do Ibama“.

Telmário foi alvo de uma notícia-crime do superintendente da Polícia Federal no Amazonas, Alexandre Saraiva, sob a acusação de tentar prejudicar a ação policial contra madeireiros. Saraiva afirma que o político age em defesa de desmatadores que agem no Pará, fora de seu reduto político. O ex-ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, também é citado pelo delegado.

Outra política contra indígenas e o ambiente é a deputada federal Shéridan (PSDB-RR), que havia se coligado com Jucá nas eleições de 2018. Ambos foram fortes apoiadores da lei 13.465/2017, que abriu portas para a regularização de terras griladas. Relembre aqui a relação deles com o tema: “Acusados de grilagem, propinas e uso de verbas públicas, ruralistas de Roraima se unem na eleição“.

Shérida era casada com o ex-governador José de Anchieta Júnior, já falecido. Em 2009, o casal comprou um terreno de 1,1 milhão de metros quadrados próximo de Boa Vista, por R$ 25 mil, segundo investigações da Polícia Federal. Suspeita-se que o vendedor era um laranja. Nessa área, eles construíram uma mansão, com piscina em formato de jota, em homenagem a Anchieta. Nenhum dos dois declarou o bem ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em 2018.

PRIMEIRA DEPUTADA INDÍGENA FOI UMA DAS NOVIDADES DO CONGRESSO

Com mais de 8,3 mil votos por Roraima, em 2018, a primeira advogada indígena do país, Joenia Batista de Carvalho ou Joenia Wapichana, tornou-se também a primeira deputada federal de um povo originário do Brasil; antes, somente Mario Juruna havia chegado ao Congresso.

A vida de Joenia, eleita pela Rede Sustentabilidade, é marcada por protagonismo e ineditismo. Nascida na Comunidade Indígena Truarú, em Roraima, no meio do povo indígena Wapichana, Joenia foi a primeira indígena a fazer uma sustentação oral em uma audiência no Supremo Tribunal Federal (STF), quando defendeu 19 mil indígenas pela Terra Indígena Raposa Serra do Sol, demarcada em 2005.

Mesmo com essa vitória, o início do governo Jair Bolsonaro fez os indígenas do estado se mobilizarem. Oito povos indígenas – Ingariko, Macuxi, Wapichana, Wai Wai, Yanomami, Patamona, Sapará, Taurepang – divulgaram o resultado da 48ª Assembleia dos Povos Indígenas do Estado de Roraima, realizada em março de 2019. O documento apontou que, “devido à falta de segurança e diversos tipos de violações de direitos”, os indígenas iniciaram a formação de “grupos de vigilância, proteção e monitoramento” para as 32 terras indígenas, que representam 46,2% do território de Roraima, com uma população de 55 mil indígenas.

EM CINCO ANOS, OBSERVATÓRIO EXPÕE OS DONOS DO BRASIL

A comemoração dos cinco anos do De Olho nos Ruralistas traz ainda várias peças de divulgação, visando a obtenção de mais 500 assinaturas, por um lado, e levar as informações a um público mais amplo, por outro. É urgente a necessidade de o país conhecer melhor o poder dos ruralistas e de formar no Congresso uma bancada socioambiental, um conjunto de parlamentares que defendam direitos elementares, previstos na Constituição e nos pactos civilizatórios internacionais dos quais o Brasil é signatário.

Imagem principal (De Olho nos Ruralistas/Reprodução): deputado Jeferson Alves destruiu as correntes que protegem a entrada da TI Waimiri Atroari

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