Em cinco anos, De Olho nos Ruralistas resgatou histórias desde o período da ditadura, como as terras obtidas por Silvio Santos e família Dallagnol; 1ª notícia do observatório, em 2016, mostrou flexibilização sanitária anunciada por Blairo Maggi, meses antes da Carne Fraca
Por Leonardo Fuhrmann e Alceu Luís Castilho, em De Olho nos Ruralistas
Militantes da causa ambiental e de defesa dos direitos indígenas em estados como Rondônia, Amazonas e Pará usam o termo “matogrossização” para tratar do avanço do agronegócio que destrói as florestas e ameaça os povos indígenas nestes estados. A expressão pode ser difícil de pronunciar, mas é fácil de entender: o Mato Grosso representou durante muito tempo — ou ainda representa — a política de expropriação de terras indígenas, desmatamento e concentração das propriedades rurais entre grandes proprietários. Você sabia que a família Dallagnol possui latifúndios na região?
Além da face econômica, esse perfil tem uma expressão política, com personagens como o senador Jayme Campos (DEM-MT), o ex-senador e ex-governador Blairo Maggi (PP-MT), o ex-presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) e atual presidente do Instituto Pensar Agro, Nilson Leitão (PSDB-MT), e o folclórico deputado bolsonarista Nelson Barbudo (PSL-MT). Com carreira política no Mato Grosso do Sul, a ministra da Agricultura, Tereza Cristina (DEM-MS), é de uma família tradicional no estado antes mesmo da divisão, em 1977. Seu avô foi governador do Mato Grosso.
Ao longo destes cinco anos, De Olho nos Ruralistas se debruçou sobre a trajetória do poder político e econômico no estado, mas também mostrou a face agrária de outros personagens no Mato Grosso. Foi o caso do empresário Silvio Santos, no ano passado, em uma das reportagens de maior repercussão desde 2016: “Silvio Santos obteve 70 mil hectares no Araguaia em 1972, durante governo Médici“. Do antigo dono da mansão brasiliense do senador Flávio Bolsonaro: “Império agropecuário da família Sarkis incluiu trabalho escravo e latifúndio no Mato Grosso“.
E do cantor Amado Batista, multado pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) por crimes ambientais. Em reportagem publicada em parceria com The Intercept Brasil, De Olho mostrou as dificuldades do órgão federal de cobrar as multas aplicadas no cantor, que já foi anfitrião do presidente Jair Bolsonaro em uma de suas propriedades. Ele recebeu uma multa de R$ 1,24 milhão por desmatamento em sua fazenda em Cocalinho, na divisa com Goiás, em 2014. O observatório contou a história de um trabalhador morto no local.
OBSERVATÓRIO REVELOU NEGÓCIOS AGRÁRIOS DA FAMÍLIA DALLAGNOL
O personagem cuja face agrária era menos conhecida é o ex-procurador da República Deltan Dallagnol, que foi coordenador da Operação Lava Jato. Assim como o ex-juiz e ex-ministro da Justiça Sergio Moro, o paranaense deixou o cargo para tentar uma carreira política pelo Podemos. Moro cogita disputar a Presidência, enquanto Dallagnol deve tentar uma vaga na Câmara pelo Paraná. O pai de Deltan, Agenor, é sócio dos irmãos em uma grande propriedade rural em Nova Bandeirantes — mais um latifúndio que vem desde a época da ditadura.
A reportagem é mais uma entre as que tiveram maior repercussão na história do observatório: “Família Dallagnol obteve 400 mil hectares de terras no Mato Grosso durante a ditadura“. O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) apontou irregularidades no pagamento de R$ 41 milhões em indenizações para a família. A série de reportagens se debruçou sobre os negócios dos parentes do ex-procurador no estado e mostrou que três tios dele estão entre os maiores desmatadores da Amazônia desde 1995. Um deles é acusado de invadir terras na região; outro foi flagrado em um grampo de compra de sentenças.
No poder local, o observatório destacou o senador e ex-governador Jayme Campos, o maior proprietário rural em extensão do Congresso. Ele tem participação em fazendas que somam 43,9 mil hectares, todas no Mato Grosso. Seu irmão Júlio também foi senador e governador. A família Campos já assinou um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com o Ministério Público do Trabalho em 2008, em razão de denúncias de exploração de trabalho escravo em suas terras. Ambos foram multados por desmatamento.
MINISTROS DE TEMER FORAM FREQUENTADORES ASSÍDUOS DO NOTICIÁRIO
A exploração de trabalho escravo também aparece na história da família do ex-governador Blairo Maggi. O repórter Lázaro Thor Borges revelou um relatório da Polícia Federal de 1988, então classificado como “confidencial“, que apontava escravização de trabalhadores pelo pai do político naquele período.
Quando era ministro da Agricultura do governo Temer, Maggi foi tema da primeira notícia do observatório, em setembro de 2016: “Maggi reduz fiscalização sanitária: ‘É o mercado que vai punir quem faz coisas erradas’“. O texto mostrava — meses antes de estourar a Operação Carne Fraca — como ele reduziu a fiscalização sanitária para atender os interesses dos ruralistas.
Outro ministro de Temer a frequentar as notícias do De Olho foi o gaúcho Eliseu Padilha, mas principalmente por causa de suas terras em um parque estadual mato-grossensse: “No Mato Grosso, 18 armas, trabalho escravo e desmatamento: MP x Eliseu Padilha“. O repórter Cauê Amêni acompanhou o tema durante meses: “Parque no MT já existia quando Padilha comprou fazendas no local“.
Em 2017, noticiamos que o então presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária, Nilson Leitão, era o recordista de ações penais no STF entre os parlamentares. Então relator da CPI da Funai, a Fundação Nacional do Índio, ele era autor de projeto para preservar equipamentos usados em crimes ambientais. O ex-deputado é hoje presidente do IPA, o instituto que financia a atuação da FPA.
AVÔ DE MINISTRA DA AGRICULTURA ENCOLHEU O PARQUE DO XINGU
De Olho nos Ruralistas acompanhou nestes cinco anos a ascensão de personagens do bolsonarismo rural, como o deputado Nelson Barbudo (PSL-MT), o mais votado no estado nas eleições de 2018. Ele foi acusado de incentivar as invasões a território Xavante, tem um projeto para criar um teto de R$ 5 mil para multas ambientais (ele próprio já recebeu multas de valor muito superior) e ofendeu a memória do bispo emérito de São Félix do Xingu, Dom Pedro Casaldáliga.
O repórter Lázaro Borges, por sinal, revelou várias informações sobre as perseguições ao religioso, inclusive durante o governo Sarney: “EXCLUSIVO — Ditadura investigou até poemas escritos por Dom Pedro Casaldáliga“.
O observatório mostrou ainda interesses por trás da política bolsonarista contra indígenas e o ambiente. Em pelo menos dois casos, ligadas diretamente ao Mato Grosso. Em uma delas, mostrou como o sogro do secretário especial de Assuntos Fundiários, Luiz Antônio Nabhan Garcia, ex-presidente da União Democrática Ruralista (UDR), comprou 67 mil hectares dentro de terras indígenas no estado: “Sogro de Nabhan Garcia comprou 67 mil hectares de terras indígenas no Mato Grosso nos anos 80“.
O resgate histórico foi mais longe para mostrar a relação da família da ministra da Agricultura, Tereza Cristina (DEM-MS) — chefe de Nabhan — com a expulsão dos indígenas do Mato Grosso de seu território. A reportagem mostra que, nos anos 50, o avô dela, Fernando Corrêa da Costa, então governador, entregou terras públicas para empresas privadas, gerando uma disputa judicial que se arrastou no Supremo Tribunal Federal (STF) até 2013. Um dos objetivos era evitar que o Parque Nacional do Xingu fosse demarcado com seu tamanho original.
EM CINCO ANOS, OBSERVATÓRIO EXPÕE OS DONOS DO BRASIL
O Mato Grosso é a penúltima unidade federativa na retrospectiva de cinco anos do De Olho nos Ruralistas, depois do Distrito Federal e de Goiás. Ela será encerrada com o Mato Grosso do Sul. Os primeiros estados foram os do Sul, um dos principais berços ruralistas: Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná. Depois foi a vez do Sudeste, pela ordem: São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Espírito Santo. Dos nove estados nordestinos: Bahia, Sergipe, Alagoas, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte , Ceará , Piauí e Maranhão. E do Norte: Pará, Amapá, Amazonas, Roraima, Acre, Rondônia e Tocantins.
A comemoração dos cinco anos do observatório traz ainda várias peças de divulgação, visando a obtenção de mais 500 assinaturas, por um lado, e levar as informações a um público mais amplo, por outro. É urgente a necessidade de o país conhecer melhor o poder dos ruralistas e de formar no Congresso uma bancada socioambiental, um conjunto de parlamentares que defendam direitos elementares, previstos na Constituição e nos pactos civilizatórios internacionais dos quais o Brasil é signatário.
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Imagem principal (Reprodução/De Olho nos Ruralistas): Mato Grosso é potência do agronegócio e da política ruralista