O que a agenda devastadora do agronegócio tem a ver com o golpe de 1964. Que trauma levou a República e a esquerda a esquecerem a reforma agrária – e darem asas a uma coalizão retrógrada que trabalha sem descanso pelo fim da democracia
Por Débora F. Lerrer*, em Outras Palavras
A partir do Golpe de 2016, a política agrária passou a ser enunciada pelos agentes contrários à democratização da terra, que visam desmantelar as conquistas, em termos de legislação agrária, da Constituição de 1988. No dia 4 de dezembro de 2020, um dos fundadores da UDR e representante dos grileiros do Pontal do Paranapanema, Nabhan Garcia, publicou uma portaria que terceiriza para os funcionários municipais a regularização e checagem dos dados fundiários, hoje atividade exclusiva dos técnicos do Incra. Abre-se margem para uma avalanche de regularizações de grandes extensões de terras griladas, visto que muitos destes “invasores” são prefeitos ou políticos influentes destes municípios1. Garcia quer mostrar serviço. Ao nomeá-lo secretário especial de regularização fundiária do Ministério da Agricultura, Bolsonaro simplesmente colocou a raposa para cuidar do galinheiro. Só a classe média neste país vive no sistema registro de imóveis. Talvez nem ela. O fato é que pobre só consegue alguma terra “invadindo”, enquanto os ricos, mais influentes e bem escoltados por suas quadrilhas armadas ou não, invadem muito mais, para acumular poder político e econômico. Para entender o tamanho do butim que está em jogo, estima-se que praticamente a metade do território brasileiro é constituído de terra pública, que não necessariamente vai gerar riqueza para esta sociedade tornando-se propriedades privada, usualmente concentrada na mão de poucas pessoas.
(mais…)