Alastra-se a luta global dos trabalhadores da Saúde

Manifestações em países como Reino Unido, Nigéria, Sri Lanka e Brasil revelam péssimas condições de trabalho e remuneração. Serão início da revolta contra um sistema que insiste em preservar a economia à custa da vida de milhões?

por Lucas Scatolini, em Outra Saúde

Unidades Básica lotadas. Falta de equipamentos de proteção, de insumos e medicamentos básicos para tratamento. Trabalhadores exaustos e milhares afastados por covid. Depois de dois anos na linha de frente no enfrentamento da pandemia, a terceira onda catalisada pela variante ômicron já dura há mais de um mês expõe a falta de condições dignas de profissionais da Saúde: pesquisa de entidades médicas mostra que 87,3% dos profissionais contraíram a doença durante a onda da variante ômicron no Brasil. Na América Latina, também são atingidos pelo sofrimento extremo: mais de 20% apresentam sintomas de depressão; um em cada dez disse ter pensamentos suicidas. Em várias partes do mundo, o trabalho dobrou, mas não há salários justos. No Reino Unido, Austrália, Barbados, Sri Lanka e Nigéria, eclodem movimentos por condições justas de trabalho.

Durante o mês de janeiro, o Outra Saúde reportou a luta dos trabalhadores na Atenção Primária em SP. Um cenário de mobilizações e ameaça de greve – impedida pela Justiça – mostram que há espaço para vitória: após a pressão, o governo do estado atendeu parcialmente a demanda dos trabalhadores, liberou a contratação de 1,5 mil funcionários e pagamento de horas extras. Mas sindicatos ainda avaliam falta de comprometimento com prazos para cumprimento. Agora, no dia 31 de janeiro, peritos médicos do INSS realizaram uma paralisação da categoria e mobilizaram 90% dos servidores de carreira. Sem prejudicar os segurados, ameaçam greve maior.

Em 2021, uma onda de demissões de trabalhadores da Saúde, no Reino Unido, defasou em 33 mil os funcionários do Serviço Nacional de Saúde (NHS), sistema público de saúde britânico. Entre eles, 7 mil justificaram a saída por desequilíbrio físico e psicológico: turnos intermináveis, material de proteção sufocante, risco de contrair a doença e transmiti-la a parentes e estresse pós-traumático pela morte de colegas próximos. De acordo com uma investigação do sindicato, mais de dois terços da equipe médica sofreu burnout durante a pandemia, e mais da metade trabalhou mais horas do que o estipulado em seus contratos. Há duas semanas, guardas de segurança terceirizados do Great Ormond Street Hospital, em Londres, entraram em protesto exigindo igualdade salarial. Anunciaram sua greve em busca de igualdade com os trabalhadores internos do NHS, com direito a auxílio-doença, horas extras, licença anual, aumento da cobertura de maternidade e pensões.

Também na última semana de janeiro, sindicatos australianos criticaram a incapacidade do governo em fornecer testes gratuitos para a covid e o anúncio do relaxamento das restrições sociais, num momento de nova explosão de casos de transmissão no país. Em Barbados, enfermeiros entraram em greve em meados de dezembro no ano passado, e iniciaram jornada de protestos pela contratação de mais profissionais. Muitos emigram para países mais ricos, que oferecem melhores condições e salários. Apesar do momento delicado, do ceticismo de alguns profissionais e hesitação neste momento da pandemia, o sindicato conseguiu organizar uma das ações mais bem-sucedidas de trabalhadores na história recente do país, e forçar o debate para conter a fuga de cérebros – eles apontam que mais de 70% dos recém-formados saem logo após terminar os estudos.

Na Nigéria, a União Nigeriana de Profissionais da Saúde emitiu ultimato ao governo no final de janeiro. Fisioterapeutas, radiologistas, farmacêuticos, médicos e enfermeiros criticam o governo federal por alocar menos de 5% do orçamento nacional de 2022 para as necessidades de Saúde, más condições e falta de equipamento de proteção. Em diversos estados, espalha-se a luta e ameaça de greve – enquanto enfrentam boicote de alguns setores, aliados ao governo e empregadores, para proibirem a greve dos profissionais de saúde nigerianos.

Na segunda-feira (7/2), no Sri Lanka, profissionais da Saúde entraram em greve por disparidades salariais, após incessante luta dos trabalhadores nos últimos três meses demandando pagamento de horas extras e subsídios de transporte. Em outubro do ano passado, o presidente Gotabaya Rajapaksa proibiu o direito à greve de funcionários de serviços essenciais, com risco de dois a cinco anos de prisão, multas e até de perder suas credenciais profissionais. Na Turquia, milhares de profissionais de saúde frustrados com a erosão da renda e más condições também paralisam pedindo melhores remunerações, turnos mais curtos e a classificação de infecções pela covid como um risco ocupacional. A oposição se pronunciou no mês passado, denunciando que cerca de 3 mil médicos deixaram a Turquia nos últimos dois anos, e alertam que o país pode enfrentar uma séria fuga de cérebros a menos que as condições de trabalho no país melhorem.

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