Com o lema “Terra, Trabalho, Direito de existir. Mulheres em Luta não vão sucumbir!” estão previstas ações simbólicas, de 7 a 14 de março, em todo país
Por Solange Engelmann, na Página do MST
Mais um março chegou, semeando o aroma das lutas, organização coletiva, indignação e rebeldia das mulheres do MST, que seguem firmes e despertas na construção de novas relações humanas na sociedade e articuladas ao Projeto de Reforma Agrária Popular do Movimento, na defesa da terra, do território e do meio ambiente. E na denúncia do avanço da fome no Brasil, a mercantilização da vida e dos bens comuns, pelo sistema capitalista que agride os corpos das mulheres e provoca, cada vez mais, o adoecimento feminino.
Nesse contexto e simbologia, a Jornada da Mulheres Sem Terra de 2022, traz como lema: Terra, Trabalho, Direito de existir. Mulheres em Luta não vão sucumbir! e conta com ações simbólicas, que serão realizadas de 7 a 14 de março por todo país.
As camponesas também denunciam o projeto patriarcal, racista e LGBTfóbico do governo Bolsonaro, que tem ampliado as formas de violência contra às mulheres na sociedade brasileira, e o avanço do agronegócio e da mineração. “A violência contra as mulheres tem aumentado substancialmente, seja a violência doméstica, social e política, dentre elas o feminicídio e o suicídio. Assim, nós mulheres trabalhadoras, negras, indígenas, lésbicas, transexual, reafirmamos a necessidade de estarmos vivas para lutar, reafirmamos que o direito de existir é o direito de viver com as condições que nos garanta dignidade e integridade, que garanta nossos corpos e nossos territórios”, afirma a coordenadora do setor de gênero do MST, Lucineia Freitas.
Confira na entrevista da camponesa, mais informações sobre os objetivos e a programação da Jornada da Mulheres Sem Terra deste ano.
Qual o tema e enfoque da Jornada das Mulheres Sem Terra de 2022?
Lucineia: O Lema deste ano é Terra, Trabalho, Direito de existir. Mulheres em Luta não vão sucumbir!
Terra traz presente a perspectiva da luta pela terra, sendo o nosso espaço de produção e reprodução da vida. Demarca nossa intransigência rebelde frente ao agronegócio que envenena a terra, nossos territórios nossas vidas, gera fome e nos adoece.
Trabalho representa a centralidade na nossa vida, como elemento que garante as condições de vida dignas, que nos proporcione autonomia e, que se constitui como elemento de enfrentamento à exploração, dominação e opressão. O trabalho socialmente reconhecido que posicione as mulheres na pauta econômica, com o objetivo de construir relações igualitárias e emancipadoras.
Direito de existir é a condição primordial para avançar na luta pela transformação, que nos garante estarmos vivas, por isso reafirmamos a necessidade de enfrentamento ao feminicídio, ao lesbocídio, ao transfeminicidio, ao suicídio, ao racismo, ao patriarcado, aos vírus e todas as formas de agressão que atentem contra nossa integridade. O direito de existir nos coloca desperta, na luta por todos os direitos que garantem nossa existência plena, com saúde, educação, terra, moradia, alimentação saudável, etc.
Que tipo de ações estão previstas durante a Jornada das Mulheres Sem Terra deste ano?
Teremos ações diversas por todo o país, a partir das orientações sanitárias de cada estado, por conta da pandemia. Estão previstas ações simbólicas, pautando a necessidade de enfrentamento à fome, à mercantilização dos bens comuns, ao pacote do veneno. Também estão programadas ações de solidariedade, que nos permitem dialogar com as mulheres e as LGBTs [Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transgêneros] que estão em situação de vulnerabilidade.
Porém, nas cidades onde houver atos de rua construídos com os coletivos feministas urbanos, também estaremos participando e fortalecendo. Seguindo as orientações sanitárias, como o uso da máscara (N95 ou PFF2) e álcool em gel gritaremos bem alto:
Bolsonaro nunca mais, junto com todo o fundamentalismo, negacionismo e fascismo que tem impactado nossa vida.”
Qual a programação da Jornada das Mulheres Sem Terra do MST de 2022?
A jornada acontece de 7 a 14 de março, com ações das Mulheres Sem Terra em vários estados e, juntamente com as mulheres da cidade em todo país:
Dia 07 – Atividades das Mulheres Sem Terra em várias regiões e estados;
Dia 08 – Atividades construídas em parceria com as organizações de mulheres e mistas, com caminhadas, atos culturais e ações de solidariedade;
Dia 09 – Ações de solidariedade e atividades internas nas áreas de Reforma Agrária do MST;
Dia 10 – Atividades de solidariedade internacionalista em denúncia às ações do império contra nosso direito de expressão com o lema: Mulheres contra o império, Não vão nos Calar!
Dia 11 – Ações de rede e atividades internas nas áreas do MST, a partir da carta das Mulheres Sem Terra. Além do lançamento para o início de confecção de cartas contra os despejos e pela prorrogação da ADPF [Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental];
Dia 14 – Com plantio simbólico de árvores, plantaremos milhares de Marielles, denunciando seu assassinato e a impunidade do caso Marielle Franco.
Quais as principais denúncias das Mulheres Sem Terra na Jornada de lutas deste ano?
O avanço do agronegócio sobre os territórios camponeses, a privatização dos bens comuns, o envenenamento da vida com a liberação sem controle de agrotóxicos e com os riscos da aprovação da PL 6299/2002 “PL do veneno”. Também denunciamos a fome e a violência contra as mulheres.
Você pode explicar por que as mulheres Sem Terra escolheram o lema: Terra, Trabalho, Direito de Existir. Mulheres em Luta não vão sucumbir! Qual o significado disso?
Escolhemos esse lema, porque “terra, trabalho, direito de existir” unifica as necessidades das mulheres do campo e da cidade, coloca em pauta elementos centrais da luta feminista, nos unifica na denúncia das violências do patriarcado, do capitalismo e do racismo, que violenta a terra, o território e nossos corpos. “Mulheres em luta não vão sucumbir” é um convite para o confronto que é inerente às construções dos marços, das lutas das mulheres trabalhadoras, socialista do mundo. Não sucumbiremos, seguiremos firme na construção de outras relações humanas emancipadas.
Por que neste ano a Jornada das Mulheres Sem Terra presta homenagem à cantora Elza Soares?
Elza é um ícone não apenas pela excelente performance artística, mas por tudo que representou como mulher, negra, que fez da arte palco de luta denunciando o racismo e a violência contra as mulheres. Nos ensinou que é possível enfrentar esse sistema que nos oprime, desde que estejamos juntas, que “ensinemos o medo a ter medo de nós”. É nessa perspectiva que as mulheres Sem Terra homenageiam Elza reafirmando “não vamos sucumbir!”
Por que, ainda hoje, as mulheres precisam reivindicar o “direito de existir”?
A violência contra as mulheres tem aumentado substancialmente, seja a violência doméstica, social e política, dentre elas o feminicídio e o suicídio. Ao mesmo tempo, os vírus têm impactado a vida das mulheres, seja por elas mesmo adoecerem e morrerem, seja por estarem responsáveis pelos cuidados, e nos postos de trabalho mais precarizados. Assim, nós mulheres trabalhadoras, negras, indígenas, lésbicas, transexuais, reafirmamos a necessidade de estarmos vivas para lutar, reafirmamos que o direito de existir é o direito de viver com as condições que nos garanta dignidade e integridade, que garanta nossos corpos e nossos territórios.
Quais as principais violências enfrentadas pelas camponesas e os riscos à vida das mulheres no campo?
No campo as mulheres enfrentam o avanço do agronegócio, da mineração, do hidronegócio e demais políticas energéticas. Esses processos avançam sobre os territórios ampliando as violências e os conflitos, causando mortes e adoecimento. No campo as mulheres também são vítimas da violência doméstica seja física, verbal, patrimonial, entre outras.
Assim defendemos que nosso direito de existir é também a construção da agroecologia, da retomada de nossos territórios, do cuidado dos bens comuns, e da superação de todas as formas de violência.
Como o avanço do capital e do agronegócio no campo, com o uso intensivo de agrotóxicos afetam a vida das mulheres, a natureza e os territórios da Reforma Agrária?
Com a destruições das condições materiais da vida. Como o agronegócio produz mercadoria vemos o aumento da fome atingir proporções avassaladoras, essa expansão sobre os territórios violenta as comunidades, expulsa, assassina impactando as comunidades, expropriando as camponesas e camponeses e expulsando para as periferias. Também provoca a destruição dos biomas, vinculado à crise ambiental que tem causado várias tragédias, tanto de secas quanto das enchentes.
Com relação ao uso de agrotóxicos, percebemos o aumento das doenças relacionadas a esse tipo de produto, e como vem impactando as atuais e futuras gerações, como por exemplo, o caso da contaminação do leito materno.
Qual a importância da Jornada das Mulheres Sem Terra no enfrentamento ao projeto patriarcal, racista, LGBTfóbico do governo Bolsonaro?
Desde o golpe machista, patriarcal e misógino contra a ex-presidenta Dilma em 2016, as mulheres vem denunciando esse projeto de morte do governo Bolsonaro. Foram as mulheres que protagonizaram as maiores ações contra esse governo, ainda em 2018 com a construção do “ELE NÃO”.
A Jornada das Mulheres Sem Terra se insere nesse bojo, denunciando a política do “passar a boiada” e como isso tem impactado na vida das mulheres camponesas e nas suas comunidades, mas também denunciamos como esse projeto do Bolsonaro é visível entre as pessoas nos espaços urbanos, com o aumento da fome e da insegurança alimentar.
Também denunciamos o fundamentalismo misógino, que fortalece a prática da violência contra as mulheres nos diversos espaços.”
Quais alternativas o MST vem construído ao longo dos anos, para se contrapor ao capitalismo no campo, o agronegócio e a mineração e melhorar a vida das mulheres Sem Terra?
O MST tem construído o Projeto da Reforma Agrária Popular, que traz a pauta da necessidade da Reforma Agrária como politica estrutural no enfrentamento às mazelas do capitalismo e que são vivenciadas pela população mais vulnerável.
No cotidiano o MST tem realizado ações de denuncia do modelo do Agro-hidro-minero negócio, que provoca apropriação e destruição dos bens comuns. Também temos avançado na produção de alimentos para construção das ações de solidariedade, debatido e construído a agroecologia desde as ações cotidianas às construções acadêmicas.
Temos nos desafiado a plantar árvores por meio do Plano Nacional “Plantar Árvores, Produzir Alimentos Saudáveis”, entre várias outras iniciativas que estão vinculadas à materialidade cultural e social de cada região. Nesse processo estamos debatendo sobre a necessidade de construirmos relações humanas emancipadas, e experenciando praticas que nos ajudem a enfrentar o racismo, o machismo, a LGBTfobia e o patriarcado.
*Editado por Fernanda Alcântara
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Mulheres Sem Terra no plantio de árvores em homenagem à Marielle em 2021. Foto: MST no Ceará