Máscaras versus irrelevâncias, por Margareth Dalcolmo

No Informe Ensp

Com tanto assunto relevante e desafios que regem nosso cotidiano, completados dois anos de pandemia entre nós, e sobretudo diante da brutalidade dos dias de guerra atuais, observamos mais do que com curiosidade, um interesse público verdadeiro em conhecer a evolução da doença e seus prognósticos, os resultados dos últimos estudos epidemiológicos, a expectativa de liberação dos novos medicamentos orais e o que será nosso amanhã.

E em meio a tudo isso ficamos ouvindo perplexos irrelevâncias e arbitrariedades como “decretar o fim da pandemia e dar a ela um status de endemia”, como se fosse um título honorífico, ou usar máscaras ou não, e ser essa atitude de responsabilidade individual. Depois de termos sobrevivido à insistência deplorável de “tratamentos precoces” com fármacos que se provaram ineficazes, como cloroquina, ivermectina e outras aventuras terapêuticas, soma-se agora, poluindo as redes sociais, sandices do tipo tratamento de “modulação epigenética” para preparo imunológico contra a Covid-19, que configuram um real desserviço à nossa população, já tão contaminada por angústias e dúvidas.

Temos a clara consciência de que as medidas ditas não farmacológicas, particularmente o uso de máscaras em ambientes fechados, permanecem recomendadas, mesmo com boas taxa de vacinação alcançada e o impacto que observamos. Está demonstrado que o contágio da doença, independentemente da cepa circulante, é ambiental, por aerossol, e portanto, a proteção individual e coletiva é, a meu juízo, tempestiva e ainda prevalece como medida sanitária. Vale lembrar hábitos culturais saudáveis e muito civilizados, de há muito adotados pelos orientais, de utilizar máscaras quando apresentam qualquer sintoma de resfriado, ou para viajar em aviões.

Atingida a marca mais que simbólica, tristíssima, de 650 mil mortes no Brasil, estamos certos de que ainda vamos lidar nos próximos meses com novos casos, novos clusters de casos e hospitalizações, e infelizmente mortes, sem mencionar a covid longa e todo o seu corolário de sintomas e sequelas a exigir serviços de qualidade para reabilitação de milhares de pessoas, e por fim o número de vulneráveis que ainda estão expostos.

Estudo recente publicado pela prestigiosa revista Nature Medicine analisou dados retrospectivos de 154 mil veteranos nos Estados Unidos com o objetivo de responder quais seriam as consequências cardiovasculares a longo prazo da Covid-19. Encontraram que um ano após a cura da fase aguda da doença, os pacientes aumentam o risco de problemas cardiovasculares, incluindo arritmias, inflamação crônica do músculo cardíaco, tromboses, enfarto do miocárdio, e insuficiência cardíaca. O preocupante é que esses sintomas foram observados mesmo no grupo de pacientes que não haviam sido hospitalizados, sendo assim casos menos severos clinicamente.

Porque algumas vacinas para a Covid-19 foram associadas a um raro risco de miocardite ou pericardite e para eliminar qualquer contribuição putativa de exposição à vacina nesses achados, o estudo procedeu a análises separadas. Uma com pacientes no momento em que receberam a primeira dose de qualquer vacina e outra com uma coorte de vacinados em qualquer tempo, ambas comparadas com grupo controle. Os resultados corroboram o que outros, de menor porte já o haviam feito, que a Covid-19 está associada ao risco maior de miocardite ou pericardite, de modo independente da vacinação. Uma recomendação clinicamente justificável gerada seria controlar com avaliação cardiovascular toda pessoa que passe pela doença, sobretudo os mais idosos.

A prioridade deste momento é acelerar a vacinação de nossa população pediátrica, com as duas doses recomendadas e resgatar o grande contingente de adultos que ainda não receberam a terceira dose, além de manter o controle de exigência do passaporte vacinal. 

Imagem: A médica pneumologista Margareth Dalcolmo, da Fiocruz – Reprodução do El País Brasil.

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