Câmara de Populações Indígenas do MPF destaca que ameaças externas não autorizam redução do sistema de proteção dos direitos humanos
Com a veiculação de notícias pela imprensa sobre a retomada das discussões do Projeto de Lei (PL) 191/2020, que busca regulamentar a mineração em terras indígenas, a Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais do Ministério Público Federal (6CCR/MPF) – órgão superior vinculado à Procuradoria-Geral da República – divulgou, nesta terça-feira (8), nota pública na qual reitera a inconstitucionalidade da proposta. No documento, a 6CCR destaca que “o estado de beligerância, de ameaça externa ou mesmo a declaração de guerra entre dois ou mais países não autorizam a diminuição do sistema de proteção internacional dos direitos humanos, particularmente das minorias e de grupos vulneráveis”.
O órgão superior do MPF ressalta que, ao contrário, no estado de guerra, seguindo os termos da Convenção de Genebra, a rede de defesa dos refugiados, crianças, mulheres e de grupos étnicos minoritários deve ser ampliada. De acordo com a nota, eventual escassez ou dependência externa para a produção de fertilizantes químicos em benefício de um setor específico da economia nacional, por mais relevante que seja, não pode servir ao propósito de fragilizar ou aniquilar o direito constitucional dos índios às terras que tradicionalmente ocupam e ao usufruto exclusivo de suas riquezas naturais.
A 6CCR cita levantamento feito pelo Jornal “O Estado de São Paulo”, divulgado nesta quinta-feira, que mostra que, somente no estado do Amazonas, “a maioria das principais minas de potássio, substância usada em fertilizantes para o agronegócio, está localizada fora de terras indígenas”. Portanto, segundo a Câmara do MPF, o resultado revela que não há sobreposição entre elas na imensa maioria dos casos, “o que significa que não são as terras indígenas que impedem a exploração de potássio no país”.
A nota reitera argumentos já apresentados em manifestações anteriores sobre o tema. De acordo com a 6CCR, o PL 191/2020 contém “vício insanável”, incompatível com o regime de urgência, porque pretende regulamentar a atividade minerária em terras indígenas, sem prévio debate no Congresso Nacional sobre as hipóteses de interesse público da União, com a edição de lei complementar, como determina a Constituição.
Por fim, reitera o pedido para que o Executivo, por meio da Fundação Nacional do Índio (Funai), do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), da Polícia Federal e do Ministério da Defesa, adote todas as providências necessárias para coibir a mineração e o garimpo ilegal em terras indígenas, inclusive para a retirada de garimpeiros invasores dessas terras.
Inconstitucionalidade – A 6CCR tem se manifestado reiteradamente contra o PL 191/2020, destacando a inconstitucionalidade da proposta e a preocupação com o aumento do garimpo ilegal em terras indígenas. Em junho do ano passado, a 6CCR divulgou nota pública contra a mineração em terras indígenas, na qual reafirmou que a mineração e as obras de aproveitamento hidrelétrico em TIs mereceram atenção especial da Constituição de 1988, justamente pelo potencial dano e ameaça à vida e à cultura desses povos.
Em fevereiro de 2020, o órgão superior do MPF já havia divulgado nota contra o mesmo PL. No documento, a Câmara alertou que a aprovação do projeto pode levar à “destruição de importantes áreas hoje ambientalmente protegidas, assim como à desestruturação ou desaparecimento físico de diversos povos indígenas, especialmente aqueles localizados na região Amazônica”.
Em junho do mesmo ano, a 6CCR enviou nota técnica ao Congresso Nacional defendendo a rejeição do projeto pelas Casas Legislativas. O documento informa, entre outros pontos, que há na Constituição Federal expressa distinção entre as atividades econômicas minerárias em geral, a mineração estratégica em terras indígenas e as atividades produtivas indígenas existentes sobre minerais em seus próprios territórios.