Por Jéssica Santos, na newsletter da Ponte
Quem mandou matar a vereadora carioca Marielle Franco em 14 de março de 2018 não esperava que a luta da parlamentar geraria sementes. Certamente, tinha a garantia da impunidade – como assistimos ao longo dos últimos quatro anos, durante os quais a investigação não consegui nomear o mandante – mas não contava com o levante. Quem mandou matar Marielle sequer imaginava que as sementes resgatariam as lutas de nossas antepassadas, nossas raízes, e que, com trabalho e esforço coletivo, germinariam 4 anos depois com a esperança de uma primavera em outubro deste ano.
Ao longo de todo esse tempo em que seguimos nos perguntando “quem mandou matar Marielle e seu motorista Anderson?“, a Ponte publicou reportagens celebrando o legado da parlamentar nas lideranças políticas intimamente ligadas com as suas pautas: contra a violência policial, antissexista, antiLGBTfóbica, antirracista, a favor de colocar as periferias no centro do debate político. Talíria Petrone, Erica Malunguinho, Erika Hilton, Dani Portela, Thais Ferreira, Robeyoncé Lima, Luana Alves, Andreia de Jesus, Áurea Carolina, Mônica Francisco e Mônica Benício são algumas do grupo das sementes que ganharam a terra e estão fazendo a diferença.
Cada mulher negra, cis ou trans, que foi eleita pelo povo, representa as resistências e dissidências tomando de assalto as câmaras e assembleias, onde o pacto sempre foi não nos deixar entrar, não nos deixar decidir. Mesmo diante de inúmeras e constantes ameaças contra suas vidas, cada parlamentar trabalhou as pautas de sua gente e dos setores que representam. Com isso, tivemos CPI para investigar a violência contra pessoas trans em SP, a instalação da Comissão Permanente de Igualdade Racial no Recife, a criação da Frente Parlamentar em Defesa da Pequena África no Rio, a instituição do dia 14 de março como o Dia Estadual das Defensoras dos Direitos Humanos em Pernambuco e milhares de reais em emendas parlamentares para setores como saúde, educação e proteção às minorias sociais.
Vicejamos em meio aos espinhos, às violências, ao ódio e ao autoritarismo. Este é um movimento comum de mulheres negras ao longo de suas vidas. Crescemos independente do solo árido, e não pense que isto é fácil, pois quase tudo joga contra nossa existência.
Aqueles que buscam destruir o legado de Marielle fizeram espalhar sementes, multiplicaram as Marielles e com elas vamos mais longe, sedentas por justiça, por igualdade, por educação, por ocupar os espaços que nos foram roubados. Somos em maior número do que há 4 anos, mas ainda não o suficiente para representar nossos números entre a população. E, ao olhar para o futuro próximo, vejo a primavera à espreita. Não é um movimento que se possa deter. Somos obstinadas! A esperança nasce com a primavera e posso apostar que a primavera de outubro será preta e Marielle se multiplicará uma, outra e quantas vezes mais ocupando mais espaços, reintegrando a posse do que é do povo.
–