A guerra na Ucrânia e o cinismo ocidental

O que tornaria o conflito na Ucrânia mais censurável do que a guerra no Iraque, Afeganistão ou Líbia?

Jacques Baud, em A Terra é Redonda

A caminho da guerra

Durante anos, do Mali ao Afeganistão, trabalhei pela paz e arrisquei minha vida por isso. Não se trata, então, de justificar a guerra, mas de entender o que nos levou a ela. Percebo que os “especialistas” que se revezam nas telas de televisão analisam a situação com base em informações duvidosas, na maioria das vezes hipóteses transformadas em fatos, e por isso não conseguimos mais entender o que está acontecendo. É assim que se cria pânico.

O problema não é tanto quem está certo neste conflito, mas como nossos líderes tomam suas decisões.

Tentemos examinar as raízes do conflito. Comecemos com aqueles que nos últimos oito anos nos falaram sobre “separatistas” ou “independência” do Donbass. É falso. Os referendos realizados pelas duas autoproclamadas repúblicas de Donetsk e Lugansk em maio de 2014 não foram referendos sobre “independência” (независисимость), como alegaram alguns jornalistas inescrupulosos, mas sobre “autodeterminação” ou “autonomia” (самостоятельность). O termo “pró-russo” sugere que a Rússia era parte do conflito, o que não era o caso, e o termo “falantes de russo” teria sido mais honesto. Além disso, esses referendos foram realizados contra o conselho de Vladimir Putin.

De fato, essas repúblicas não buscavam se separar da Ucrânia, mas sim ter um status de autonomia que lhes garantisse o uso da língua russa como língua oficial. Porque o primeiro ato legislativo do novo governo resultante da derrubada do presidente Yanukovych foi a abolição, em 23 de fevereiro de 2014, da lei Kivalov-Kolesnichenko, de 2012, que tornou o russo uma língua oficial. Um pouco como se os golpistas decidissem que o francês e o italiano não seriam mais as línguas oficiais da Suíça.

Essa decisão causou agitação na população russo-falante. O que conduziu a uma repressão feroz nas regiões de língua russa (Odessa, Dniepropetrovsk, Kharkov, Lugansk e Donietsk), iniciada em fevereiro de 2014, e que levou à militarização da situação e a alguns massacres (em Odessa e Mariupol, os mais importantes). No final do verão de 2014, restavam apenas as já então autoproclamadas repúblicas de Donietsk e Lugansk.

Nessa fase, demasiado rígidos e presos a uma abordagem doutrinária à arte operacional, o estado-maior ucraniano castigou aqueles que eram assumidos como “inimigos”, sem, no entanto, conseguir prevalecer. O exame do curso dos combates em 2014-2016 no Donbass mostra que o estado-maior ucraniano aplicou sistemática e mecanicamente os mesmos planos operacionais. No entanto, a guerra travada pelos então autonomistas era muito semelhante à que observamos no Sahel: operações altamente móveis realizadas com meios leves. Com uma abordagem mais flexível e menos doutrinária, os rebeldes conseguiram explorar a inércia das forças ucranianas para “pegá-las” repetidamente.

Em 2014, eu me encontrava na OTAN, responsável pela luta contra a proliferação de armas menores, e, com minha equipe, buscava detectar entregas de armas russas aos rebeldes, para observar se Moscou estava envolvido. As informações que recebíamos vinham quase inteiramente dos serviços de inteligência poloneses e não “correspondiam” às informações da OSCE (Organization for Security and Co-operation in Europe: Organização para a Segurança e Cooperação na Europa): apesar das acusações bastante grosseiras, não observamos nenhuma entrega de armas e materiais militares russos.

Os rebeldes se armavam graças às deserções de unidades ucranianas de língua russa que passavam para o lado rebelde. À medida que os fracassos ucranianos progrediam, batalhões inteiros de tanques, artilharia ou antiaérea aumentavam as fileiras dos autonomistas. Foi apenas isso o que levou os ucranianos a se comprometerem com os Acordos de Minsk.

No entanto, logo após a assinatura do Acordo de Minsk 1, o presidente ucraniano Petro Poroshenko lançou uma grande operação “antiterrorista” (ATO: Антитерористична операція) contra o Donbass. Mal assessorados pelos oficiais da OTAN, os ucranianos sofreram uma derrota esmagadora em Debaltsievo, que os obrigou a se comprometer com o Acordo de Minsk 2.

É essencial lembrar aqui que os Acordos de Minsk 1 (setembro de 2014) e Minsk 2 (fevereiro de 2015) não previam a separação ou independência das repúblicas, mas sua autonomia no âmbito da Ucrânia. Aqueles que leram os textos dos Acordos (são muito, muito, muito poucos) reconhecem que está cabalmente registrado que o status das “repúblicas” deveria ser negociado entre Kiev e os representantes delas, para buscar uma solução interna na Ucrânia.

É por isso que, desde 2014, a Rússia exigiu sistematicamente sua implementação, recusando-se a participar das negociações, porque era um assunto interno da Ucrânia. Por outro lado, os ocidentais ― liderados pela França ― tentaram sistematicamente substituir os Acordos de Minsk pelo “formato da Normandia”, que opunha os russos aos ucranianos. No entanto, lembremos que nunca houve tropas russas no Donbass antes de 24 de fevereiro de 2022. Além disso, os monitores da OSCE jamais observaram o menor vestígio de unidades russas operando no Donbass. Assim, por exemplo, o mapa da inteligência dos Estados Unidos publicado pelo Washington Post em 3 de dezembro de 2021 não mostra tropas russas no Donbass.

Em outubro de 2015, Vasyl Hrytsak, diretor do Serviço de Segurança da Ucrânia (SBU), confessou que apenas 56 combatentes de origem russa foram observados no Donbass. Esse é um número comparável à quantidade de suíços que foram lutar na Bósnia durante os fins de semana na década de 1990, ou então com o número de franceses que foram lutar na Ucrânia hoje.

O exército ucraniano estava então em um estado deplorável. Em outubro de 2018, após quatro anos de guerra, o procurador-chefe militar da Ucrânia, Anatoly Matios, declarou que a Ucrânia havia perdido 2.700 homens no Donbass: 891 por doença, 318 por acidentes de trânsito, 177 por outros acidentes, 175 por envenenamento (álcool e drogas), 172 por manuseio descuidado de armas, 101 por violação das normas de segurança, 228 por homicídio e 615 por suicídio.

De fato, o exército é minado pela corrupção de seus quadros e não tem mais o apoio da população. De acordo com um relatório do Ministério do Interior do Reino Unido, quando os reservistas foram convocados em março-abril de 2014, 70% não compareceram à primeira sessão, 80% não apareceram para a segunda, 90% para a terceira e 95% para a quarta. Em outubro/novembro de 2017, 70% dos chamados não apareceram durante a campanha de retorno de chamada “Outono 2017”. Isso não inclui suicídios e deserções (muitas vezes em benefício de autonomistas), que atingem até 30% da força de trabalho militar na zona ATO. Os jovens ucranianos se recusavam a ir ao Donbass para lutar e preferiam emigrar, o que também explica, pelo menos em parte, o déficit demográfico do país.

O Ministério da Defesa da Ucrânia recorreu então à OTAN para obter ajuda para tornar as suas forças armadas mais “atraentes”. Tendo já trabalhado em projetos semelhantes no âmbito das Nações Unidas, a OTAN pediu-me para participar num programa destinado a restaurar a imagem das forças armadas ucranianas. Mas é um processo longo, e os ucranianos queriam ir rápido.

Assim, para compensar a falta de soldados, o governo ucraniano recorreu a milícias paramilitares. Elas são essencialmente compostas por mercenários estrangeiros, muitas vezes ativistas de extrema direita. A partir de 2020, eles representam cerca de 40% das forças da Ucrânia e são cerca de 102.000 homens, de acordo com a Reuters. Eles são armados, financiados e treinados pelos Estados Unidos, Grã-Bretanha, Canadá e França. São mais de 19 nacionalidades, incluindo a Suíça.

Portanto, as milícias de extrema-direita ucranianas foram claramente criadas e apoiadas pelos países ocidentais. Em outubro de 2021, o Jerusalem Post soou o alarme, ao denunciar o projeto Centuria. Essas milícias operam no Donbass desde 2014, com apoio ocidental. Ainda que o termo “nazista” seja discutível, o fato é que essas milícias são extremamente violentas, transmitem uma ideologia repugnante e são virulentamente antissemitas. Seu antissemitismo é “mais cultural do que político”, que é a única razão pela qual a qualificação “nazista” não seria apropriada. Seu ódio aos judeus deriva dos períodos de grandes fomes nos anos 1920-1930 na Ucrânia, resultantes do confisco de colheitas por Stalin, para financiar a modernização do Exército Vermelho. No entanto, este genocídio – conhecido na Ucrânia sob o nome de Holodomor – foi perpetrado pelo NKVD (ancestral da KGB), cujos altos escalões eram compostos principalmente por judeus. É por isso que hoje, extremistas ucranianos exigem de Israel desculpas pelos crimes do comunismo, como relata o Jerusalem Post. Assim, estamos muito longe da tese de uma “reescrita da história” por Vladimir Putin, como alegam alguns.

Provenientes dos grupos de extrema direita que lideraram a revolução Euromaidan em 2014, essas milícias são formadas por indivíduos fanáticos e brutais. O mais conhecido deles é o regimento Azov, cujo emblema lembra o da 2ª Divisão SS Panzer Das Reich, que é verdadeiramente reverenciado na Ucrânia por ter libertado Kharkov dos soviéticos em 1943, antes de cometer o massacre de Oradour-sur-Glane em 1944, na França.

Entre as figuras mais célebres do regimento Azov está o oposicionista bielorrusso Roman Protassevich, preso em 2021 pelas autoridades bielorrussas após o caso do voo FR4978 da RyanAir. Em 23 de maio de 2021 falou-se do suposto sequestro deliberado de um avião de passageiros por um MiG-29 – com a concordância de Putin – para prender Protassevich, embora as informações então disponíveis não confirmassem de forma alguma tal cenário.

Era preciso, no entanto, mostrar que o presidente Lukashenko seria um delinquente e Protassevich um “jornalista” apaixonado pela democracia. Ainda que uma investigação bastante elucidativa de uma ONG americana em 2020 tenha demonstrado a militância de extrema direita de Protassevich, uma cuidadosa impostura ocidental põe-se então em movimento, e a falta de escrúpulos da mídia “limpa”, para todos os efeitos, sua biografia.

Finalmente, em janeiro de 2022, é publicado o relatório da ICAO (International Civil Aviation Organization: Organização Internacional da Aviação Civil) que demonstra que, apesar de alguns erros processuais, a Bielorrússia agiu de acordo com os regulamentos em vigor e que o MiG-29 decolou 15 minutos depois que o piloto da RyanAir decidiu pousar em Minsk. Portanto, nada de conspiração da Bielorrússia e muito menos envolvendo Putin. E mais um detalhe: Protassevich, supostamente torturado pela polícia bielorrussa está hoje livre e acessível ao público pelo seu Twitter.

O rótulo “nazista” ou “neonazista” dado aos paramilitares ucranianos é considerado propaganda russa. Pode ser; mas essa não é a opinião de The Times of Israel, do Simon Wiesenthal Center ou até mesmo do Centro de Contra-Terrorismo da Academia de West Point (do exército norte-americano). Pode ser que tudo isso seja discutível, afinal em 2014, a revista norte-americana Newsweek preferia associá-los ao… Estado Islâmico! Fica à escolha de cada um.

E assim, o Ocidente continua apoiando e armando milícias culpadas por inúmeros crimes contra a população civil desde 2014: estupro, tortura e massacres, todos apurados pela OSCE [já que a ONU foi obstruída pelo governo ucraniano de tentar fazê-lo]. E ainda que o governo suíço tenha sido muito rápido em impor sanções contra a Rússia, não adotou nenhuma contra a Ucrânia, que vem massacrando sua própria população desde 2014. De fato, aqueles que defendem os direitos humanos na Ucrânia há muito condenam as ações desses grupos, mas não foram ouvidos por nossos governos. Porque, na realidade, não estamos tentando ajudar a Ucrânia, mas sim combater a Rússia.

A integração dessas forças paramilitares à Guarda Nacional ucraniana não foi de forma alguma acompanhada por uma “desnazificação”, como alguns ainda buscam argumentar. Entre os muitos exemplos, o da insígnia do Regimento Azov é muito ilustrativo:

Em 2022, muito esquematicamente, as forças armadas ucranianas que combatem a ofensiva russa estão estruturadas em dois grandes grupos:

– Exército, dependente do Ministério da Defesa, dividido em 3 corpos de exército e constituído por formações de manobra (tanques, artilharia pesada, mísseis etc.).

– Guarda Nacional, dependente do Ministério do Interior e dividida em 5 comandos territoriais.

Assim, a Guarda Nacional é uma força de defesa territorial que não faz parte do exército ucraniano. Inclui milícias paramilitares, chamadas de “batalhões de voluntários” (добровольчі батальйоні), também conhecidas pelo evocativo nome de “batalhões de represália”, configurando tropas de infantaria. São treinados principalmente para o combate urbano, e agora se engajam na defesa de cidades como Kharkov, Mariupol, Odessa e Kiev.

A guerra

Como ex-chefe das forças do Pacto de Varsóvia no serviço de inteligência estratégico suíço [N. do T.: apesar de não fazer parte da OTAN, a Suíça, mantém com a Aliança relações de cooperação], noto com tristeza, mas não com surpresa, que nossos serviços não estão mais em condições de entender a situação militar na Ucrânia. Os autoproclamados “especialistas”, desfilando em nossas telas incansavelmente, transmitem a mesma informação modulada pela afirmação de que a Rússia ― e/ou Vladimir Putin ― é irracional. É preciso dar um passo para trás.

O desencadeamento da guerra

Desde novembro de 2021, os americanos acionaram reiteradamente a ameaça de uma invasão russa da Ucrânia. Os ucranianos, no entanto, pareciam não concordar. Por quê?

É preciso voltar a 24 de março de 2021. Nesse dia, Volodymyr Zelensky promulgou um decreto para a reconquista da Crimeia, e começou a deslocar suas forças para o sul do país. Simultaneamente, são realizados vários exercícios da OTAN entre o Mar Negro e o Mar Báltico, acompanhados por um aumento significativo dos voos de reconhecimento ao longo da fronteira russa. A Rússia então realiza alguns exercícios para testar a prontidão operacional de suas tropas e mostrar que está acompanhando a evolução da situação.

As coisas se acalmam até outubro-novembro com o fim dos exercícios russos ZAPAD 21, cujos movimentos de tropas são interpretados como reforço para uma ofensiva contra a Ucrânia. No entanto, mesmo as autoridades ucranianas refutam a ideia de preparativos russos para uma guerra e Oleksiy Reznikov, ministro da Defesa ucraniano, diz que não houve grandes movimentos em sua fronteira desde a primavera.

Violando os Acordos de Minsk, a Ucrânia realiza operações aéreas no Donbass usando drones, incluindo pelo menos um ataque contra um depósito de combustível em Donetsk em outubro de 2021. A imprensa norte-americana observa isso, mas nem os europeus nem quaisquer outros condenam as violações.

Em fevereiro de 2022 os eventos se precipitam. No dia 7, durante sua visita a Moscou, Emmanuel Macron reafirma a Vladimir Putin sua fidelidade aos Acordos de Minsk, compromisso que reiterará em sua entrevista com Volodymyr Zelensky no dia seguinte. Mas em 11 de fevereiro, em Berlim, após 9 horas de trabalho, a reunião dos conselheiros políticos dos líderes do “formato da Normandia” termina sem nenhum resultado concreto: os ucranianos ainda e sempre se recusam a aplicar os Acordos de Minsk, aparentemente sob pressão dos Estados Unidos. Vladimir Putin percebe então que Macron fez a ele promessas vazias, e que o Ocidente não está disposto a cumprir os Acordos, tal qual vinha fazendo há oito anos.

Os preparativos ucranianos continuam na zona de contato. O Parlamento russo fica alarmado, e em 15 de fevereiro pede a Vladimir Putin que reconheça a independência das repúblicas do Donbass, o que ele recusa.

Em 17 de fevereiro, o presidente Joe Biden anuncia que a Rússia atacará a Ucrânia nos próximos dias. Como ele sabe? Mistério… Mas desde o dia 16, os bombardeios da artilharia ucraniana contra as populações do Donbass aumentaram dramaticamente, como mostram os relatórios diários dos monitores da OSCE. Naturalmente, nem a mídia, nem a União Europeia, nem a OTAN, nem qualquer governo ocidental reage e intervém. Diriam mais tarde que isso não seria mais que desinformação russa. De fato, parece que a União Europeia e vários outros países encobriram deliberadamente o massacre da população de Donbass, sabendo que isso provocaria a intervenção russa.

Simultaneamente, registram-se atos de sabotagem no Donbass. Em 18 de janeiro, combatentes de Donietsk e Lugansk interceptam sabotadores equipados com equipamentos ocidentais e que falavam polonês, tentando criar incidentes químicos em Gorlivka. Poderia tratar-se de mercenários da CIA, em grupos mistos de europeus e ucranianos, liderados ou “aconselhados” por norte-americanos, para realizar ações de sabotagem nas Repúblicas do Donbass.

De fato, já em 16 de fevereiro, Joe Biden sabe que os ucranianos começaram a bombardear intensamente a população civil do Donbass, colocando Vladimir Putin diante de uma escolha difícil: ajudar militarmente o Donbass e criar um problema internacional, ou ficar de braços cruzados e ver os russo-falantes do Donbass serem aniquilados.

Se decide intervir, Vladimir Putin pode invocar a obrigação internacional da “Responsabilidade de Proteger” (R2P). Mas ele sabe que qualquer que seja sua natureza ou escala, a intervenção desencadeará uma enxurrada de sanções. Assim, se sua intervenção se limita ao Donbass ou se vai mais longe para pressionar os ocidentais sobre o status militar da Ucrânia, o preço a ser pago será o mesmo. É o que ele explicita no seu discurso de 21 de fevereiro.

Nesse dia ele finalmente concorda com o pedido da Duma russa e reconhece a independência das duas repúblicas do Donbass e, no mesmo ímpeto, assina tratados de amizade e assistência com elas.

O bombardeio da artilharia ucraniana continua e em 23 de fevereiro as duas repúblicas solicitam ajuda militar da Rússia. No dia 24, Vladimir Putin invoca o artigo 51 da Carta das Nações Unidas, que prevê a assistência militar mútua no contexto de uma aliança defensiva.

No entanto, para fazer passar aos olhos do público a intervenção russa como algo inteiramente ilegal, obscureceu-se deliberadamente o fato de que a guerra, na realidade, começou em 16 de fevereiro. O exército ucraniano estava se preparando para atacar o Donbass já em 2021, como certos serviços de inteligência russos e europeus estavam bem cientes. Com a palavra, os juristas.

Em seu discurso de 24 de fevereiro, Vladimir Putin anunciou os dois objetivos de sua operação: “desmilitarizar” e “desnazificar” a Ucrânia. Portanto, não se trata de dominar a Ucrânia, ou mesmo, muito provavelmente, de ocupá-la ou mesmo de destruí-la.

A partir daí, nossa visibilidade do curso da operação é limitada: os russos têm excelente segurança operacional (OPSEC) e os detalhes de seu planejamento não são conhecidos. Mas com bastante rapidez, o curso das operações permite entender como os objetivos estratégicos foram traduzidos no plano operacional.

(1) “Desmilitarização”: destruição terrestre da aviação ucraniana, sistemas de defesa aérea e meios de reconhecimento; neutralização das estruturas de comando e inteligência (C3I), bem como das principais rotas logísticas dentro do território; cerco do grosso do exército ucraniano concentrado no sudeste do país.

(2) “Desnazificação”: destruição ou neutralização de batalhões de voluntários que operam nas cidades de Odessa, Kharkov e Mariupol, bem como suas diversas instalações no território.

A “desmilitarização”

A ofensiva russa começa de forma muito “clássica”. No início – como os israelenses haviam feito em 1967 –, com a destruição em solo das forças aéreas nas primeiras horas. Assim, vemos uma progressão simultânea em vários eixos segundo o princípio da “água que flui”: avança-se por onde a resistência é fraca e deixam-se as cidades (que requer muitas tropas) para depois. Ao norte, a usina de Chernobyl é imediatamente ocupada para evitar atos de sabotagem. Naturalmente, as imagens dos soldados ucranianos e russos patrulhando conjuntamente a área não são mostradas pela mídia ocidental.

A ideia de que a Rússia está tentando tomar Kiev, a capital, para eliminar Volodymyr Zelensky, é uma ideia típica dos ocidentais: é o que eles fizeram no Afeganistão, Iraque, Líbia e o que eles queriam fazer na Síria com a ajuda do Estado Islâmico. Mas Vladimir Putin nunca parece ter tido a intenção de abater ou derrubar Zelensky. Pelo contrário, a Rússia procura mantê-lo no poder, empurrando-o para negociar enquanto cerca Kiev. Putin havia se recusado a fazê-lo até agora na esperança de implementar os Acordos de Minsk, e agora busca a neutralidade da Ucrânia.

Muitos comentaristas ocidentais ficaram aparvalhados com o fato de que os russos continuam a buscar uma solução negociada enquanto realizam operações militares. A explicação está na concepção estratégica russa, desde a época soviética. Para os ocidentais, a guerra começa quando a política acaba. No entanto, a abordagem russa segue uma inspiração clausewitziana: a guerra é a continuidade da política e pode-se passar de modo fluido de uma para outra, mesmo durante o combate. Ela permite criar pressão sobre o oponente e o empurrar para a negociação.

Do ponto de vista operacional, a ofensiva russa foi um exemplo dessa postura: em seis dias, os russos tomaram um território tão vasto quanto o Reino Unido, com uma velocidade de avanço maior do que a Wehrmacht (o exército regular alemão) havia feito em 1940.

A maior parte do exército ucraniano foi deslocado para o sul do país, para a grande operação contra Donbass. É por isso que as forças russas conseguiram cercá-lo desde o início de março em um bolsão entre Slavyansk, Kramatorsk e Sievierodonietsk, com um ataque vindo do leste, cruzando Kharkov, e outro vindo do sul, da Crimeia. As tropas das Repúblicas de Donietsk (DPR) e Lugansk (RPL) completam a ação das forças russas com uma pressão a partir do Oriente.

No estágio atual, as forças russas estão lentamente apertando o laço, mas já não mais sob a pressão do tempo. Seu objetivo de desmilitarização foi amplamente alcançado e as forças ucranianas residuais não têm mais uma estrutura de comando operacional e estratégica.

O “freio” que os nossos “experts” de televisão atribuem à má logística é apenas consequência do cumprimento dos objetivos estabelecidos. A Rússia não parece querer se engajar em uma ocupação de todo o território ucraniano. Na verdade, parece antes que a Rússia está tentando limitar seu avanço à fronteira linguística do país.

Nossa mídia fala de bombardeios indiscriminados contra a população civil, particularmente em Kharkov, e imagens dantescas são transmitidas à exaustão. No entanto, Gonzalo Lira, um latino-americano que lá se encontra, nos brindou, em 10 de março e em 11 de março, com as imagens de uma cidade calma. É verdade que é uma cidade grande e não vemos tudo o que se passa, mas isso parece indicar que não estamos na guerra total apresentada em nossas telas.

Quanto às Repúblicas de Donbass, elas “libertaram” seus próprios territórios, e estão lutando na cidade de Mariupol.

A “desnazificação”

Em cidades como Kharkov, Mariupol e Odessa, a defesa é feita por milícias paramilitares. Eles sabem que o objetivo da “desnazificação” visa a eles, antes de mais nada.

Para quem ataca uma área urbanizada, os civis são um problema. É por essa razão que a Rússia procura criar corredores humanitários para esvaziar as cidades de civis e deixar apenas as milícias nacionalistas, para poder combatê-las mais facilmente.

No sentido contrário, essas milícias procuram manter os civis nas cidades, na tentativa de dissuadir as forças russas a darem combate. É por isso que os nacionalistas relutam em implementar os corredores e fazem tudo para que os esforços russos sejam em vão. O que eles fazem é usar a população civil como “escudos humanos”. Os vídeos mostrando civis tentando deixar Mariupol e sendo agredidos por combatentes do regimento Azov são, claro, cuidadosamente censurados no Ocidente.

No Facebook, o grupo Azov foi considerado na mesma categoria que o Estado Islâmico e sujeito à “política de pessoas e organizações perigosas” da plataforma. Assim, era proibido glorificá-lo e as postagens que lhe eram favoráveis foram sistematicamente eliminadas. No entanto, em 24 de fevereiro, o Facebook mudou sua política e permitiu postagens favoráveis à milícia neonazista. No mesmo espírito, em março, a plataforma passou a autorizar, nos países do Leste Europeu, os apelos ao assassinato de soldados e líderes russos. O que será dos valores que antes presumivelmente inspiravam nossos dirigentes ocidentais?

Nossa mídia difunde uma imagem romântica de resistência popular. É esta imagem que levou a União Europeia a financiar a distribuição de armas à população civil. É um ato criminoso. Em minha função de condutor da doutrina para operações de manutenção da paz na ONU, trabalhei com o problema da proteção de civis. Constatamos que a violência contra civis tinha lugar em condições bastante precisas, em especial quando as armas são abundantes e não há estruturas de comando.

Ora, essas estruturas de comando são a essência dos exércitos: sua função é canalizar o uso da força, em conformidade com um objetivo. Ao armar os cidadãos de forma desordenada, como é o caso atualmente na Ucrânia, a União Europeia os transforma em combatentes, com as consequências daí decorrentes: tornam-se também alvos potenciais. Além disso, sem comando e sem objetivos operacionais, a distribuição de armas conduz inevitavelmente ao acerto de contas, ao banditismo e a ações mais mortíferas do que efetivas. A guerra torna-se uma questão de emoções. A força torna-se violência. Foi o que aconteceu em Tawarga (Líbia) de 11 a 13 de agosto de 2011, onde 30.000 africanos negros foram massacrados com armas lançadas (ilegalmente) de paraquedas pela França. Além do mais, o Instituto Real Britânico de Estudos Estratégicos (RUSI) não vê qualquer valor agregado nesse tipo de entrega de armas.

E como se tudo isso não bastasse, quem entregar armas a um país em guerra se expõe a ser considerado como beligerante. Os ataques russos de 13 de março de 2022 contra a base aérea de Mykolaiv se seguiram às advertências que os mesmos russos haviam feito sobre o fato de que os transportadores de armas seriam tratados como alvos hostis.

A União Europeia repete, assim, a experiência desastrosa do Terceiro Reich nas últimas horas da Batalha de Berlim. A guerra deve ser deixada para os militares, e quando um lado perde, isso deve ser admitido. E para que haja resistência, é imperativo que ela seja liderada e estruturada. No entanto, a Ucrânia e o Ocidente estão fazendo exatamente o contrário: estamos forçando os cidadãos a lutar, enquanto, simultaneamente, o Facebook autoriza os pedidos de assassinato de soldados e líderes russos. São esses os valores que nos inspiram?

No âmbito de alguns serviços de inteligência, essa decisão irresponsável é vista como uma forma de usar a população ucraniana como bucha de canhão para combater a Rússia de Vladimir Putin. Esse tipo de decisão assassina deveria ter sido deixada para os colegas do avô de Ursula von der Leyen. Teria sido mais sensato entrar em negociações e, assim, obter garantias para a população civil, do que jogar lenha na fogueira. É fácil ser combativo quando se trata do sangue alheio.

A maternidade de Mariupol

É importante entender de antemão que não é o exército ucraniano que garante a defesa de Mariupol, mas a milícia Azov, composta por mercenários estrangeiros.

Em seu resumo da situação de 7 de março de 2022, a missão russa na ONU, em Nova York, afirma que “os moradores relatam que as forças armadas ucranianas expulsaram funcionários do Hospital Natal nº 1 na cidade de Mariupol e instalaram uma estação de tiro dentro do estabelecimento”. Em 8 de março, a mídia independente russa Lenta publicou o testemunho de civis de Mariupol que diziam que a maternidade foi tomada por milícias do regimento Azov, e que eles perseguiram os ocupantes civis, ameaçando-os com suas armas, o que confirma as declarações do embaixador russo algumas horas antes.

O hospital de Mariupol ocupa uma posição dominante sobre o terreno, exemplarmente adequada para a instalação de armas antitanque e para observação. Em 9 de março, as forças russas atacaram o prédio. Segundo a CNN, houve 17 feridos, mas as imagens não mostram vítimas nas instalações e não há evidências de que quaisquer das vítimas relatadas estejam relacionadas a este ataque. Fala-se de crianças, mas na realidade não vemos nada. Pode ser verdade, mas pode ser falso… Isso não impediu que os líderes da União Europeia vissem nisso um crime de guerra. E isso permitiu que Zelensky, logo em seguida, reivindicasse uma zona de exclusão aérea sobre a Ucrânia.

Na realidade, não sabemos exatamente o que aconteceu. Mas a sequência de eventos tende a confirmar que as forças russas atingiram uma posição do regimento Azov e que a maternidade estava evacuada de todos os civis.

O problema é que as milícias paramilitares que presumivelmente zelam pela defesa das cidades são incitadas pela comunidade internacional a não respeitar as convenções de guerra. Parece que os ucranianos simplesmente recriaram a cena da maternidade da cidade do Kuwait em 1990, inteiramente encenada pela empresa Hill & Knowlton pelo cachê de 10,7 milhões de dólares, para convencer o Conselho de Segurança das Nações Unidas a intervir no Iraque, abrindo caminho para a Operação Escudo/Tempestade do Deserto realizada pelos Estados Unidos.

Os políticos ocidentais também consentiram com os ataques contra civis no Donbass por oito anos, sem adotar nenhuma sanção contra o governo ucraniano. Entramos assim em uma dinâmica na qual os políticos ocidentais concordaram em sacrificar o direito internacional em prol de seu objetivo de enfraquecer a Rússia.

Conclusões

Como ex-profissional de inteligência, a primeira coisa que me impressiona é a completa abstenção dos serviços de inteligência ocidentais em descrever a situação por um ano. Na Suíça, os serviços chegaram a ser criticados por não terem fornecido uma imagem correta da situação. Na verdade, parece que em todo o mundo ocidental, os serviços foram sobrecarregados pelos políticos. O problema é que são os políticos que decidem. O melhor serviço de inteligência do mundo é inútil se as instâncias de decisão não o escutam. Foi o que aconteceu durante esta crise.

Dito isto, enquanto alguns serviços de inteligência tinham uma imagem muito precisa e racional da situação, outros claramente tinham a mesma imagem disseminada por nossos meios de comunicação. Nesta crise, os serviços dos países da “nova Europa” desempenharam um papel importante. O problema é que, por experiência, descobri que eles eram extremamente ruins no plano analítico: doutrinários, não têm a independência intelectual e política necessária para apreciar uma situação com a devida “qualidade” militar. É melhor tê-los como inimigos do que como amigos.

Assim, o que parece é que em alguns países europeus, os políticos ignoraram deliberadamente seus serviços para responder ideologicamente à situação. É por isso que esta crise foi irracional desde o início. Observe-se que todos os documentos que foram apresentados ao público durante esta crise foram apresentados por políticos com base em fontes comerciais.

Alguns políticos ocidentais desejavam manifestamente que houvesse um conflito. Nos Estados Unidos, os cenários de ataque apresentados por Anthony Blinken ao Conselho de Segurança foram apenas o produto da imaginação de um Tiger Team que trabalha para ele. Ele atua do mesmo modo que Donald Rumsfeld em 2002, que “ignorou” a CIA e outros serviços de inteligência muito menos assertivos a respeito das supostas armas químicas iraquianas.

Os desenvolvimentos dramáticos que estamos testemunhando hoje têm causas que já conhecíamos, mas nos recusamos a ver: no plano estratégico, a expansão da OTAN (de que não tratamos aqui); no plano político, a recusa do Ocidente em implementar os Acordos de Minsk; no plano operacional, os ataques contínuos e repetidos à população civil do Donbass durante anos e seu dramático incremento no final de fevereiro de 2022.

Em outras palavras, poderíamos naturalmente deplorar e condenar o ataque russo se não fôssemos nós (isto é: Estados Unidos, França e União Europeia na liderança) que criamos as condições para o surgimento de um conflito. Mostramos compaixão pelo povo ucraniano e pelos dois milhões de refugiados. Está bem. Mas se tivéssemos um mínimo de compaixão pelo mesmo número de refugiados das populações ucranianas do Donbass, massacrados por seu próprio governo, e que se amontoam na Rússia há oito anos, nada disso provavelmente teria acontecido.

Se o termo “genocídio” se aplica ou não aos abusos sofridos pela população de Donbass é ainda uma questão em aberto. Geralmente se reserva tal termo aos casos de grande envergadura (Holocausto etc). No entanto, a definição dada pela Convenção sobre o Genocídio é talvez ampla o bastante para ser aplicada. Que os juristas o apreciem.

Esse conflito nos levou, claramente, à histeria. As sanções parecem ter se tornado a ferramenta privilegiada de nossa política externa. Se tivéssemos insistido para que a Ucrânia respeitasse os Acordos de Minsk, que negociamos e apoiamos, nada disso teria acontecido. A condenação de Vladimir Putin é também coisa nossa. Não adianta reclamar depois dos fatos consumados. Deveríamos ter agido antes. No entanto, nem Emmanuel Macron (como fiador e como membro do Conselho de Segurança da ONU), nem Olaf Scholz, nem Volodymyr Zelensky respeitaram seus compromissos. Em último termo, a verdadeira derrota é daqueles que não têm voz.

A União Europeia foi incapaz de promover a implementação dos acordos de Minsk. Pelo contrário, não reagiu quando a Ucrânia bombardeou a sua própria população no Donbass. Se a UE tivesse feito a sua parte, Vladimir Putin não precisaria reagir. Ausente da fase diplomática, a União Europeia destacou-se, na verdade, por alimentar o conflito. Em 27 de fevereiro, o governo ucraniano concordou em iniciar negociações com a Rússia. Algumas horas depois, no entanto, a União Europeia vota um orçamento de 450 milhões de euros para fornecer armas à Ucrânia, pondo lenha na fogueira. A partir daí, os ucranianos sentiram que não precisariam chegar a acordo algum. A resistência da milícia Azov em Mariupol conduzirá até mesmo a um aumento de 500 milhões de euros para armas.

Na Ucrânia, com a bênção dos países ocidentais, aqueles que são a favor de uma negociação são eliminados. É o caso de Denis Kireyev, um dos negociadores ucranianos, assassinado em 5 de março pelo serviço secreto ucraniano (SBU) por ser muito favorável à Rússia e ser, assim, considerado um traidor. O mesmo destino foi reservado para Dmitry Demyanenko, ex-vice-chefe da principal direção da SBU para Kiev e sua região, assassinado em 10 de março, por ser excessivamente favorável a um acordo com a Rússia. Ele foi abatido pela milícia Mirotvorets (“Pacificador”), associada ao site Mirotvorets, responsável por listar os “inimigos da Ucrânia”, tornando públicos seus dados pessoais, endereço e telefones, para que possam ser assediados ou até mesmo eliminados; uma prática punível em muitos países, mas não na Ucrânia. A ONU e alguns países europeus chegaram a exigir seu fechamento, mas isso foi rejeitado pelo parlamento ucraniano, a Rada.

Por fim, o preço pode até ser alto, mas Vladimir Putin provavelmente alcançará as metas que estabeleceu para si mesmo. Seus laços com Pequim se solidificaram. A China surge como mediadora do conflito, enquanto a Suíça entra na lista de inimigos da Rússia. Os americanos começam a pedir petróleo da Venezuela e do Irã para sair do impasse energético em que entraram. Juan Guaidó sai definitivamente de cena e os Estados Unidos devem, com tristeza, reverter as sanções impostas a seus inimigos.

Os ministros ocidentais que tentaram afundar a economia russa e fazer o povo russo sofrer, até mesmo pedindo o assassinato de Putin, mostram (mesmo que tenham invertido parcialmente a forma de suas declarações, mas não o fundo) que nossos líderes não são melhores do que aqueles que odiamos. Simplesmente porque sancionar atletas paralímpicos ou artistas russos não tem absolutamente nada a ver com lutar contra Putin.

Assim, admitimos que a Rússia é uma democracia, uma vez que consideramos que o povo russo é o responsável pela guerra. Se assim não o for, por que nos dedicaríamos a punir toda uma população pela culpa de apenas um? Não custa lembrar que a punição coletiva é proibida pela Convenção de Genebra.

A lição a a se tirar desse conflito é nosso senso de humanidade de geometria variável: se nos importássemos tanto com a paz e com a Ucrânia, por que não a encorajamos a respeitar os acordos que ela própria assinou e que os membros do Conselho de Segurança da ONU aprovaram?

A integridade da imprensa pode ser medida por sua vontade de trabalhar nos termos da Carta de Munique. Ela conseguiu disseminar o ódio aos chineses durante a crise do Covid, e sua mensagem polarizada conduz agora aos mesmos efeitos no que respeita aos russos. O jornalismo está se despojando cada vez mais do profissionalismo para se tornar meramente militante.

Como disse Goethe, “quanto maior a luz, mais escura a sombra”. Quanto mais desmedidas as sanções contra a Rússia, mais nosso racismo e nosso servilismo tornam-se evidentes pelos casos em que não fizemos nada. Em suma: por que nenhum político ocidental reagiu aos ataques contra as populações civis de Donbass por oito anos?

Afinal, o que tornaria o conflito na Ucrânia mais censurável do que a guerra no Iraque, Afeganistão ou Líbia? Que sanções adotamos contra aqueles que deliberadamente mentiram perante a comunidade internacional, para travar guerras injustas, injustificadas, injustificáveis e assassinas? Tentamos “fazer sofrer” o povo americano que mentiu para nós (porque é uma democracia!) antes da guerra no Iraque? Teríamos adotado uma única sanção contra os países, empresas ou políticos que alimentaram o conflito no Iêmen, considerado o “pior desastre humanitário do mundo”? Sancionamos os países da União Europeia que praticam a tortura mais abjeta em seu território em benefício dos Estados Unidos?

Fazer a pergunta é respondê-la. E não há glória alguma nessa resposta.

*Jacques Baud é ex-coronel do Estado Maior Geral e ex-membro da Inteligência Estratégica da Suíça.

Tradução: Ricardo Cavalcanti-Schiel.

Deixe um comentário

O comentário deve ter seu nome e sobrenome. O e-mail é necessário, mas não será publicado.

oito + dezessete =