Em carta, indígenas pedem aos ministros do STF que deem celeridade ao julgamento do marco temporal

Documento foi protocolado nesta última quinta-feira (7), no STF, em Brasília; lideranças solicitam que votação se inicie no dia 23 de junho e termine ainda no primeiro semestre

Cimi

O povo Xokleng, da Terra Indígena Ibirama La-Klãnõ, do estado de Santa Catarina, presente em Brasília no Acampamento Terra Livre (ATL), aproveitaram a vinda até a capital federal para cobrar, mais uma vez, celeridade aos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 1.017.365, que pode definir o futuro das demarcações das terras indígenas.

Na quinta-feira (7), as lideranças Xokleng protocolaram uma carta junto aos gabinetes dos ministros que solicita a conclusão do julgamento. Nela, as lideranças pedem à Corte que garanta o direito à terra e assegure os direitos previstos na Constituição Federal, julgando inconstitucional a tese do marco temporal e, no mesmo sentido, garantindo o direito de ocupação tradicional e originária, para que a tese do indigenato se faça efetiva, como quis o constituinte de 1988.

“Lideranças pedem à Corte que garanta o direito à terra e assegure os direitos previstos na Constituição”

Participaram da entrega da carta: Brasilio Pripra, liderança do povo Xokleng; Karina Paté Xokleng; Cleber Buzatto, do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) Regional Sul; Paloma Gomes, advogada e assessora jurídica do Cimi; e Rafael Modesto, um dos advogados do povo Xokleng no caso e assessor jurídico do Cimi.

A carta solicita que o direito de demarcação sirva de reparação histórica, garantindo plena efetividade dos direitos constitucionais dos povos originários. “Nos enche de esperança o fato de saber que podemos ter nossa terra de ocupação tradicional devolvida, caso o Supremo Tribunal Federal dê efetividade ao art. 231 da Constituição. A forma como a imensa maioria de nós foi expulsa das terras ainda nos assombra. Foi com muita violência que nossas terras nos foram tomadas, quando por meios vis e fraudulentos, como é de conhecimento de todos, fomos esbulhados (…) nenhum povo, nenhuma comunidade abandonou suas terras, mas sim fomos expulsos com muita dor e violência”, relembra o documento.

“O julgamento do processo RE 1.017.365 se faz necessário, já que a falta de definição quanto a intepretação da Constituição Federal, nos artigos 231 e 232, traz muita insegurança, não só para o povo Xokleng, mas para todos os povos indígenas do Brasil, sejam aqueles com terra já demarcada, sejam aqueles ainda sem esse direito garantido”, frisa o documento.

Brasilio Pripra, liderança do povo Xokleng, falou sobre a insegurança jurídica causada pela falta de demarcação, destacou que se o marco temporal for aprovado será o fim dos povos indígenas do Brasil e frisou ainda sobre a relação dos povos originários com a terra. “O marco temporal não traz benefícios nem para os povos indígenas do Brasil e nem para a sociedade brasileira. Sem o meio ambiente nós não podemos vivem em lugar nenhum do mundo. O trabalho do povo originário é preservar o meio ambiente para que todos vivam bem nesse país. Nossa obrigação enquanto indígenas, defensores da natureza, é sempre estar à frente nessa luta, mesmo diante do medo que temos do não indígena, pelo motivo da terra: devastação das florestas, mineração desenfreada e contaminação das águas por mercúrio do garimpo”, frisou.

“O marco temporal não traz benefícios nem para os povos indígenas do Brasil e nem para a sociedade brasileira”

Gemerita Ya.Oi, vice cacica do povo Xokleng, falou sobre a luta pelo território e o histórico de medo sofrido por sua família há anos.  “Queremos o que é nosso, o nosso território. Quantas vezes o meu avô, e todas as lideranças passadas, veio até Brasília para lutar pela demarcação e faleceu sem ver resultado. Não quero que meus netos sofram o que estou sofrendo e o que minha família passou. Queremos a demarcação! Nós temos medo das ameaças, dos que não gostam de indígenas, do racismo”, lembrou.

“O povo Xokleng aproveitou a vinda a Brasília e fizeram questão de ir até o Supremo conversar com os ministros, ministras e assessores para falar da preocupação em relação ao julgamento do marco temporal, sobretudo do desejo que esse julgamento aconteça logo, tendo em vista que essa situação de incerteza acaba colocando a população indígena em muita insegurança, com medo permanente de serem expulsos de suas terras”, destacou Paloma Gomes, advogada e assessora jurídica do Cimi.

Marco temporal

No julgamento do marco temporal, a Corte vai analisar a ação de reintegração de posse movida pelo governo de Santa Catarina contra o povo Xokleng, referente à Terra Indígena (TI) Ibirama-Laklanõ, onde também vivem indígenas Guarani e Kaingang.

O status de “repercussão geral” dado em 2019 pelo STF ao processo significa que a decisão sobre ele servirá de diretriz para o governo federal e todas as instâncias do Judiciário no que diz respeito à demarcação de terras indígenas, além de servir para balizar propostas legislativas que tratem dos direitos territoriais dos povos originários.

Entre os temas em discussão neste caso está a tese do “marco temporal”, uma interpretação defendida por ruralistas e setores interessados na exploração das terras indígenas, de acordo com a qual os povos originários só teriam direito à terra se estivessem sobre sua posse no dia 5 de outubro de 1988.

Julgamento no fim da fila

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Fux, pautou o julgamento da tese do marco temporal, Recurso Extraordinário (RE) 1.017.365, para o dia 23 de junho de 2022, penúltima semana antes do recesso de julho, trazendo apreensão sobre a possibilidade de um novo adiamento do caso, tendo em vista que, até outubro, outras questões de cunho eleitoral possam surgir no tribunal, jogando a causa indígena para o fim da fila.

O fato é que o governo federal, cada dia mais, tem negligenciado a política indigenista do país e somente a pressão da sociedade civil e de organizações nacionais e internacionais poderá pressionar o STF a concluir o julgamento, cobrando do presidente Fux seu posicionamento de que a matéria indígena teria prioridade no Supremo. Quanto mais o tribunal demora a decidir, maiores são as chances de os parlamentares aprovarem o marco temporal por meio do PL 490/2027, que aguarda votação em plenário.

Quando for reiniciado em junho, o julgamento deve retornar com o voto de Moraes, que será seguido pelos outros oito ministros e ministras, do mais novo na Corte ao decano, Gilmar Mendes. O último a votar é o presidente do STF, Luiz Fux.

ATL 2022

Considerada a maior mobilização indígena do Brasil, o acampamento ocorre no mesmo período em que o Congresso Nacional e o governo brasileiro pautam a votação de projetos que violam os direitos dos povos indígenas. O chamado “Pacote da Destruição” coloca em pauta, além do marco temporal, a legalização de garimpo dentro dos territórios, a flexibilização de leis ambientais e a regularização de terras griladas.

A mobilização é coordenada pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), que volta à Brasília, neste ano, com o tema ‘Retomando o Brasil: Demarcar Territórios e Aldear a Política’. O ATL iniciou no dia 4 de abril eencerra no dia 14 de abril.

Acesse a programação do ATL 2022:  https://apiboficial.org/atl2022/

Leia a carta na íntegra:

À Sua Excelência, Ministra do Supremo Tribunal Federal – STF

Ref. RE-RG 1017365 (Tema 1031/STF)

Pauta de julgamento: 23.06.22

Povo Indígena XOKLENG, da Terra Indígena IBIRAMA LA-KLÃNÕ, do Estado de Santa Catarina, presente em Brasília no Acampamento Terra Livre, vem, muito respeitosamente até Vossa Excelência, requerer, em relação ao processo que está pautado para 23.06.2022 (tema 1031), dizer e requerer o que segue:

Ministro, em primeiro lugar gostaríamos de dizer que o julgamento do processo RE 1.017.365 se faz necessário, já que a falta de definição quanto a intepretação da Constituição Federal, nos artigos 231 e 232, traz muita insegurança, não só para o Povo Xokleng, mas para todos os povos indígenas do Brasil, sejam aqueles com terra já demarcada, sejam aqueles ainda sem esse direito garantido.

Nos enche de esperança o fato de saber que podemos ter nossa terra de ocupação tradicional devolvida, caso o Supremo Tribunal Federal dê efetividade ao art. 231 da Constituição. A forma como a imensa maioria de nós foi expulsa das terras ainda nos assombra. Foi com muita violência que nossas terras nos foram tomadas, quando por meios vis e fraudulentos, como é de conhecimento de todos, fomos esbulhados.

Daí, Ministro, pedimos que se conclua o julgamento do processo e que esta Corte garanta o nosso direito à terra, bem como que se possa assegurar os direitos previstos na Constituição Federal de 1988 e julgar inconstitucional a tese do marco temporal. No mesmo sentido, garantir o direito de ocupação tradicional e originária e que a tese do indigenato se faça efetiva, como quis o constituinte de 1988.

Por fim, pedimos que o direito de demarcação nos sirva de reparação, além de garantir plena efetividade à nossa Carta Política de 1988, pois nenhum povo, nenhuma comunidade abandonou suas terras, mas sim fomos expulsos com muita dor e violência.

Brasília-DF, 07 de abril de 2022.

Respeitosamente.

Povo Xokleng – Terra Indígena Ibirama La-Klãnõ

Povo Xokleng no Acampamento Terra Livre 2022. Foto: Hellen Loures

Deixe um comentário

O comentário deve ter seu nome e sobrenome. O e-mail é necessário, mas não será publicado.

1 + dezenove =