Pochmann: “É a política, estúpido!”

Brasil é um país em busca de reconstrução: pessoas em busca de trabalho, terras sem utilização e infraestrutura a restabelecer. Em vez de soluções tecnocratas, é hora do que importa: formar maiorias políticas para reverter a tragédia nacional

Por Marcio Pochmann, no Outras Palavras

A hegemonia neoliberal nos últimos tempos apequenou e submeteu a política aos interesses maiores dos negócios econômicos. A confirmação disso transpareceu pela difusão interna no uso do slogan “É a economia, estúpido!”, apresentada pelo marqueteiro do Partido Democrata no contexto da campanha eleitoral dos Estados Unidos, no ano de 1992.

No caso brasileiro, contraditoriamente, o espaço ocupado pelos economistas e professores universitários (das universidades públicas) foi reduzido. Ao longo dos últimos anos, o tema econômico foi sendo reduzido aos seus aspectos técnicos pelos analistas do mercado financeiro e pelos especialistas de consultorias e escolas empresariais, que impuseram um determinado saber sobre a realidade.

Mesmo que a realidade teimasse em negar a retórica econômica, prevalecia, em geral, a aparência travestida de essência. No livro A Dialética do Esclarecimento de Adorno e Horkheimer, lançado em 1947, o papel da indústria cultural foi destacado e substituiu a espontaneidade da cultura de massa. A cultura foi mercantilizada.

Após anos de hegemonia neoliberal, o fracasso passou a ser  admitido, mesmo  por instituições  internacionais vinculadas ao antigo Consenso de Washington (1989). O  Brasil também deveria  refletir sobre o equívoco teórico-ideológico de centrar na economia a responsabilidade pelos  problemas  vividos pelo país.

Atualmente a economia nacional dispõe de enorme liquidez de capital estocada em plataformas de uma fictícia valorização financeira, internas e externas. Somente pendurado em títulos públicos, há cerca de sete trilhões de reais, o que equivale a 80% do Produto Interno Bruto. Recursos que poderiam ser direcionado à  atividade produtiva geradora de riqueza , emprego e renda .

Oportunidades existem, pois o Brasil segue sendo um país em construção, com escassa infraestrutura, um elevado déficit habitacional, entre outras situações que pioram  o padrão de vida do brasileiro e comprometem a competitividade  produtiva. O  problema no Brasil não é econômico. Existe capital disponível, pessoas em busca de trabalho, terras sem utilização e infraestrutura a construir.

O problema central da nação é de natureza política. A gigantesca dificuldade de formar uma maioria política  não  neoliberal tem impedido a convergência dos elementos constitutivos principais de sustentação de uma economia produtiva que utilize mais intensamente os recursos: capital, trabalho e terra.

Se for considerada a utilização das terras em um país de dimensão continental, percebe-se que menos de 10% do território nacional disponível para a agropecuária. Enquanto isso, em termos relativos, os Estados Unidos e a China utilizam a terra produtivamente quase duas vezes mais que o Brasil, ao passo que o Reino Unido utiliza 64% do seu território, seguido da Índia por 61% e da Alemanha por 57%.

Por todo lado, o Brasil mostra existirem pessoas  disponíveis para trabalhar, na verdade, um a cada três brasileiros procura um trabalho e não encontra. Sem trabalho, eles não têm acesso aos salários e tão pouco ao mercado consumidor.

Em 2022, o Brasil deve completar nove anos sem crescimento econômico, algo desconhecido em todo o período republicano. O país condenado a ser um fazendão  coloca algo em torno de 70 milhões de brasileiros tentando viver numa economia de subsistência em atividades  legais ou não.

A  solução dos problemas do Brasil requer compreender que a economia é apenas o meio para atingir o fim, já previamente definido  politicamente. Ou seja, o que realmente importa é alcançar uma maioria política que de fato esteja interessada em mudar este quadro.

Criança ao lado de valão a céu aberto no Complexo da Maré, no Rio de Janeiro; violação do saneamento é quesito que afeta o maior número de meninos e meninas no país. Foto: Fernando Frazão /Agência Brasil

Comments (1)

  1. Gostei do texto do Pochmann porque trouxe novos pensares. Gostei dos outros textos que tratam da desglobalização também. Mas fiquei com uma dúvida: A globalização e a desglobalização não é a troca de países hegemônicos no mundo?

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