A mobilização indígena e a luta – também – pela Saúde

Mais de sete mil manifestantes, pertencentes a 176 povos, protestam em Brasília contra ameaças do governo e seus aliados. Na eleição, querem “ocupar cargos no Executivo, Legislativo e Judiciário”. Qual o espaço dedicado a eles na saúde pública?

Por Flávio Dieguez, em Outra Saúde

Com o tema “Retomando o Brasil: demarcar territórios e aldear a política”, eles realizam desde o dia 4, durante dez dias, a maior mobilização dos habitantes originários brasileiros. Em 2022, o Acampamento Terra Livre (ATL) acontece no Complexo Cultural Funarte, em Brasília, para “continuar a luta contra os retrocessos na agenda socioambiental”, declaram seus líderes. Não são poucas as ameaças que essas populações enfrentam, inclusive contra sua saúde.

Desde o início da manifestação os indígenas assinalaram que concentram suas preocupações nos projetos de lei prioritários para o poder executivo, que, segundo eles, afrontam diretamente os direitos indígenas. O chamado PL do Marco Temporal (PL 490/2007), por exemplo, permitiria, se instituído, a exploração hídrica, energética, mineração e garimpo em terras, que poderiam incluir territórios de ocupação nativa. Como outros projetos, o PL 490 alerta para o malefício sinistro do roubo de terras associado ao uso do mercúrio, que implica em doenças, alcoolismo e prostituição.

O movimento indígena, depois de muito apanhar, afirma estar atento. “Agora também entendemos que precisamos ocupar cargos estratégicos, principalmente dentro do Executivo, do Legislativo e do Judiciário”, disse em Brasília Dinamam Tuxá, coordenador executivo da APIB (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil). Como esse é um ano eleitoral, explica, os indígenas vão apoiar as candidaturas próprias, “incentivando as lideranças a concorrer”, afirma Dinamam. Imagine-se o absurdo: a Câmara hoje nega acesso aos povos originários: “Somos, inclusive, cerceados de adentrar nessa Casa, que se diz do povo. Queremos entrar pela porta da frente”, diz o coordenador.

Não é uma luta fácil, como se observou, por exemplo, nos momentos iniciais da covid, em 2020, quando a vulnerabilidade dessas populações era evidente. Mesmo com o Supremo Tribunal Federal determinando que tinham prioridade no atendimento, precisaram exercer muita pressão para fazer valer esse direito. E afinal, tiveram muitos doentes e mortes. No balanço mais recente, verificou-se 70.663 casos até ontem (12/4) e 1.299 mortes em um total de 162 povos afetados.

Esses dados, levantados pela APIB e divulgados pelo Instituto Sócio-Ambiental, contrastam com os 64.766 casos oficiais e 903 mortes – verificados com menos cuidado. A Apib teve a colaboração das secretarias municipais e estaduais de Saúde e do Ministério Público Federal. Vê-se a amplitude da luta indígena – vai do direito a não perderem a terra e a casa ao direito, menos trivial, à saúde. Já será um sucesso quando seus líderes puderem se concentrar nesse último. Mas não será fácil. Estudos mostram que povos indígenas são mais vulneráveis a epidemias em função das suas condições sociais, econômicas e de saúde, piores do que as dos não-indígenas.

Essas condições são graves porque amplificam a disseminação de doenças e implicam na carência de médicos, de atendimento e de hospitais. Desde 1999, o SUS (Sistema Único de Saúde) tem um subsistema de saúde indígena, organizado, no país, em 34 Distritos sanitários especiais indígenas (DSEIs). Em 2010, por pressão do movimento indígena, criou-se a Secretaria especial de Saúde Indígena (Sesai), no Ministério da Saúde. Nos DSEIs são realizados apenas atendimentos de baixa complexidade. A alta complexidade restringe-se aos hospitais regionais, em geral muito distantes. Há unidades menores, 528 unidades básicas de saúde indígena, dando suporte às Equipes multidisciplinares de saúde indígena.

Uma interessante exposição recente das complexidades da saúde indígena pode-se assistir no webinário Desafios da Promoção da Saúde no século XXI, organizado pela Fiocruz. Os muito interessados não podem deixar de ler a pesquisa, também da Fiocruz, Os Trabalhadores da Saúde Indígena: Condições de Trabalho e Saúde Mental no Contexto da Covid-19 no Brasil, sobre as condições de trabalho e saúde mental dos aproximadamente 20 mil trabalhadores que atuam na assistência à saúde indígena em todo o território brasileiro.

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