Tatiana Roque: neoliberalismo transforma ciência em arma da direita

Professora defendeu que negacionismo serve certas camadas da sociedade, mas enfatizou que a ciência, por si só, busca a universalidade; veja vídeo na íntegra

Por Camila Alvarenga, no Opera Mundi

No programa 20 MINUTOS ENTREVISTA desta sexta-feira (15/04), o jornalista Breno Altman entrevistou a professora titular do Instituto de Matemática da UFRJ e especialista em história da ciência Tatiana Roque, que discorreu sobre negacionismo, ciência e política.

Com relação ao cenário que se desdobrou durante a pandemia da covid-19, no mundo todo, de negacionismo da vacina e do próprio coronavírus em certos momentos, Roque argumentou ser resultado de um momento em que tanto a ciência quanto a política estão passando por uma nova avaliação.

“Se trata de uma hesitação porque você perde legitimidade se as pessoas não enxergam os benefícios da ciência e da tecnologia em suas vidas. A ciência não entregou aquilo que prometeu de melhorar a vida de todos, a tecnologia é vista por muitos como algo que fez pessoas perderem seus empregos. E a resposta dos cientistas foi defender a verdade da ciência, sendo que ela não deve merecer o respeito da população só porque produz verdades, isso só reproduz um pensamento elitista. A confiança se constrói, temos que provar que a ciência contribui para uma vida melhor”, disse.

Por isso, para a professora, o negacionismo atual não é o mesmo que existiu no passado e que nunca desapareceu, simplesmente ficou dormente. Ela acredita que o fenômeno atual é resultado desta época.

“O que está em crise é a política baseada em evidências técnicas. No fim da Segunda Guerra Mundial, se firmou uma maneira de tomar decisões e influenciar políticas públicas baseada na ciência. Então se criou uma classe intermediária de profissionais especialistas cuja produção influenciaria as tomadas de decisões, o que é até importante em certas áreas, como saúde”, discorreu.

Isso, porém, se tornou um problema ainda mais grave com o neoliberalismo, que incorporou esse modo de tomada de decisão plenamente e o levou a outras áreas, como a economia, “como se a tomada de decisões políticas pudesse ser feita em cima de modelos cuja cientificidade não é estrita, esvaziando a política de fato”.

Assim, ela concluiu que, “quando empregada pelo neoliberalismo, a ciência é e serve à direita”, ainda que esse modelo tenha entrado em crise, segundo a professora, a partir de 2008, quando se viu que as escolhas eram essencialmente políticas, e não científicas.

Isso não significa, contudo, que, empregada de outra forma, a ciência é neutra, “mas ela aspira à universalidade”.

“O objetivo é enunciar verdades que sejam universais. Então, por exemplo, a entrada das classes populares no fazer científico, como ocorreu nos governos PT que as pessoas entraram nas universidades, muda a ciência para melhor, faz com que ela se torne mais universal”, agregou.

Ciência, política e os novos desafios

Roque ainda ponderou que ciência e política não são coisas antagônicas, mas devem existir por separado, encontrando, em momentos e temas específicos, pontos em comum. Ela mesma, enquanto professora, foi presidente do sindicato de professores da UFRJ em 2015 e se envolveu com a política institucional.

“As decisões políticas, as questões sociais, elas podem ser auxiliadas pela ciência, mas não é a ciência que vai resolver esses problemas. A ciência vem do consenso, a política é da ordem do conflito, dos embates, antagonismos, da luta de classes”, defendeu.

A professora também destacou a importância de matérias consideradas ciências menores, ou nem isso, como é o caso das chamadas ciências humanas. Para ela, estas são igualmente imprescindíveis e, em certos casos, até mais relevantes do que as ciências chamadas “duras”.

“Por exemplo a crise climática, que vejo hoje como o grande desafio da humanidade e da ciência. Isso envolve também as humanidades e tentar buscar alternativas sem ela nos levará ao negacionismo, como se a solução pudesse estar em intervenções tecnológicas, tirando o foco das soluções verdadeiras, que é uma mudança radical da economia e superação do capitalismo”, destacou.

Deixe um comentário

O comentário deve ter seu nome e sobrenome. O e-mail é necessário, mas não será publicado.

3 × três =