Dinheiro. Por Julio Pompeu

No Terapia Política

No princípio era o caos. Não havia dia nem noite. Sol e lua se misturavam num acinzentado disforme. Só havia o espaço, sem Terra a rodopiar. Até que O Criador fez em si o nada e no nada fez o cosmos e no cosmos fez a Terra. Azul, bruta e generosa. A vida não demorou a aparecer e com ela, o homem, que a trouxe de volta ao caos.

De corpo longilíneo e milagrosamente equilibrado sobre pés pequenos, o homem era risível. Frágil, lento e desengonçado. Compensava com uma inteligência que, no começo, não parecia grande coisa. Com o tempo, percebeu que havia nele um nada. Um nada vazio de si mesmo. Foi quando se tornou criativo.

Inventou estratagemas e armas para evitar a morte e a fome. Caçou e comeu bichos maiores e mais fortes. Aprendeu a retirar da terra, com o suor do rosto, comida que não sai correndo. Fez abrigos, cidades, depois impérios. Mudou, conquistou, dominou. Maravilhou-se com suas próprias construções. Atribuiu a si mesmo a grandeza de suas obras.

Nas belas cidades, fez seu inferno nos outros. E dos outros. Desejou outros corpos que não o seu. Corpos que não queriam língua estranha lhes invadindo a boca. E lhes tomou as forças, fazendo deles soldados ou empregados. Para morrerem violentamente em guerras ou aos poucos, de lida, raiva ou fome.

Inventaram coisas sobre eles mesmos. Que uns são mais do que os outros. Melhores. Mais dignos. Inventaram armas e artimanhas. Usaram tudo isso para dominar uns aos outros. Para garantir sua felicidade com a tristeza dos outros. Mas nenhuma destas invenções foi mais genial, cruel e eficiente que o dinheiro.

Com a força, capturaram corpos. Com as hierarquias, os egos. Com as narrativas, as ideias. Mas com o dinheiro, capturam os sonhos e as almas.

Dinheiro não é nada. Conchas, papéis ou rodelas de metal inúteis. Não se comem, vestem ou bebem. Mas com ele, come-se, veste-se e bebe-se qualquer coisa. Dinheiro é prazer em potência. Que se conta até em centavos. Prazer pelo qual nos vendemos. Apesar de nada ser, virou tudo. Preenche o vazio de uma existência vazia. Faz brilhar os olhos de gente oca, que só enxerga dinheiro e nada mais.

O dinheiro dividiu os homens entre os que o têm e os que não o têm. A maioria não o tem mesmo quando tem. São endividados. Devem o abrigo. Devem o futuro dos filhos. Devem o que os leva para o trabalho. Devem a comida. Ganham e devem o do mês seguinte. Dívidas são correntes cujos elos são feitos de dinheiro.

Até mesmo os que têm e não devem são acorrentados. Presos às necessidades de viver para o dinheiro. Para continuarem livres. Para comprar por cinco e vender por dez. Para comprarem alegrias. Para comprarem a força e o prazer dos outros.

Só os sujeitos que vivem nas ruas sem vícios, os loucos e os poetas são realmente livres. Sem dinheiro. Sem expectativa. Sem comida. Vistos como de vida indigna por gente que vendeu sua dignidade por uns trocados no fim do mês. Não esperam nada de ninguém. Quando vem, veio. Se não vier, paciência. E fome. É o preço da liberdade.

E no espaço criado no vazio, o mundo ainda gira. Faz ciranda indiferente ao caos que o habita. Só os verdadeiramente livres, que não se distraem com o dinheiro e suas correntes, conseguem sentir a vertigem de seu balé.

Ilustração: Mihai Cauli

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