Escritório que acompanhou licenciamento na Serra do Curral tem líder do PL e ex-servidor

O Santana de Vasconcellos foi contratado por R$ 5 milhões para acompanhar o projeto de mineração. Deputado denunciou contrato ao MPF e sugere pagamento de propina para aprovação

Por Alice Maciel, em Agência Pública

O ex-funcionário da Secretaria de Meio Ambiente, Leonardo Tadeu Dallariva Rocha, o ex-deputado federal, Bernardo Santana e o presidente do Partido Liberal (PL) em Minas, José Santana, são sócios do escritório de advocacia contratado por R$ 5 milhões pela Taquaril Mineração S/A (Tamisa), em 2017, para acompanhar o processo de licenciamento ambiental do projeto de exploração da Serra do Curral, cartão-postal de Belo Horizonte (MG) e patrimônio histórico local. O empreendimento foi liberado pelo Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam) de Minas no mês passado e está sofrendo pressão da sociedade civil. O Ministério Público e a prefeitura da capital mineira entraram com ações para tentar reverter a decisão.   

O contrato firmado entre a Tamisa e o escritório Santana de Vasconcellos consta em uma ação judicial, ao qual a Agência Pública teve acesso, movida no ano passado por três acionistas minoritários da empresa – Marcelo, Silvane e Synval Filgueiras de Moraes – contra Bruno e Saulo Wanderley, representantes da construtora Cowan, donos de 83% da mineradora. Eles questionam, entre outros pontos, o alto valor do negócio fechado em decisão unilateral pelos diretores. 

A remuneração aos advogados, destacam no processo, “é absurda e incogitável” e equivaleria a 30% do capital social da Tamisa, de R$ 15,5 milhões. “Tal serviço, caso contratado em condições comuns, teria um valor significativamente menor do que o contratado pela Diretoria”, acrescentam. 

O deputado federal Rogério Correia (PT/MG) entregou o contrato firmado entre a Tamisa e o escritório de advocacia ao Ministério Público Federal (MPF) no último dia 06. O parlamentar sugere que pode ter havido pagamento de propina para aprovação do licenciamento ambiental para mineração na Serra do Curral. “O Ministério Público vai, portanto, também abrir um processo de investigação criminal. Isso significa, inclusive, que essa Tamisa pode perder o direito minerário na Agência Nacional de Mineração, se isso for comprovado ”, disse em vídeo gravado após sair da reunião com o procurador Carlos Bruno. O MPF informou à Pública que está ainda analisando o caso. 

De acordo com o contrato, a Taquaril pagaria aos advogados R$ 300 mil em três parcelas, a partir de fevereiro de 2017, e um total de R$ 4,7 milhões a medida que eles fossem conseguindo as licenças ambientais que permitiriam tirar a obra do papel, sendo que cada uma foi descrita com um valor: Licença Prévia R$ 700 mil; Licença de Instalação R$ 1 milhão; Licença de Operação R$ 3 milhões. Em caso de rescisão, o escritório receberia R$ 5 milhões. 

O documento foi assinado pelo empresário Saulo Wanderley e pelo advogado e sócio do Santana de Vasconcellos, o ex-deputado federal e ex-secretário de Defesa Social de Minas, Bernardo de Vasconcellos Moreira. Conhecido como Bernardo Santana, o advogado também representa a mineradora Vale S/A em ações na Justiça, como no caso envolvendo a tragédia de Brumadinho.     

Na ação, os sócios minoritários da Tamisa acusam os diretores da empresa de terem forjado a ata da assembleia que teria ocorrido em 2016, para supostamente alterar a forma de representação da companhia – que passaria a poder ser representada por somente um de seus diretores, ao invés de dois, conforme previsto no Estatuto Social. Segundo eles, essa alteração teria possibilitado o acordo com o escritório de advocacia. “Ante tal mudança, a assinatura do aludido Contrato com o referido Escritório de Advocacia seria, pretensamente, válida”, afirmam.  

Eles ainda levantam a suspeita, em janeiro de 2021, de que o negócio entre os empresários e os advogados estaria em vigor. “Cumpre ressaltar que, ao que tudo indica, o referido contrato continua válido”, destacam na ação. O advogado Bernardo de Vasconcellos afirmou à Pública, no entanto, que o acordo firmado entre seu escritório e a Tamisa foi encerrado “no final de 2019”. “E desde então, restou encerrada a atuação do nosso escritório, e por óbvio, de nossos advogados, representando a Tamisa”, reforçou. “O escritório não atuou no atual processo de licenciamento da Tamisa”, acrescentou. 

Em resposta às acusações feitas por Rogério Correia, Bernardo Santana defendeu que “o escritório e seus profissionais são nacionalmente reconhecidos pela seriedade, comportamento ilibado, exercício da profissão na estrita e inafastável observância da legalidade, e na excelência na prestação de serviços advocatícios”. Ele destacou ainda que o escritório “repudia veementemente a leviana acusação, provocada pelo Deputado Rogério Correia, sobre as quais, reitere-se, serão tratadas nas medidas judiciais cabíveis, que serão contra ele oferecidas” (veja na íntegra a resposta do advogado).

A mineradora foi contactada, mas não retornou aos questionamentos da reportagem. Procurado, o advogado dos três acionistas minoritários, Marcello Vieira de Mello, informou que não poderia se manifestar “por tratar-se de Contencioso Societário em curso”. 

Advogado atuou dos dois lados do balcão 

No último mês, a Câmara de Atividades Minerárias do Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam) aprovou o licenciamento total do Complexo Minerário Serra do Taquaril, na região da Serra do Curral, em Nova Lima, Região Metropolitana de Belo Horizonte. O empreendimento foi aprovado às 3h da madrugada no dia 30 de abril, após uma reunião virtual que durou 18 horas. Na semana seguinte, 04 de maio, a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento (Semad) concedeu à Tamisa as licenças prévia e de instalação para o início das atividades no local. 

Essa foi a segunda tentativa da Tamisa para conseguir a licença. O empreendimento foi inicialmente proposto, em 2014 e, conforme noticiou o Observatório da Imprensa, era 15 vezes maior do que o aprovado recentemente. Ele foi arquivado, a pedido da Tamisa, em 2019. Outro processo administrativo foi formalizado em 20 de janeiro de 2020, perante à Superintendência de Projetos Prioritários (Suppri).

Quando a mineradora contratou o escritório de advocacia Santana de Vasconcellos, em 2017, ainda estava tramitando no órgão ambiental o processo protocolado em 2014 na Superintendência Regional de Meio Ambiente Central Metropolitana (Supram Central Metropolitana). No objeto do contrato, a empresa explicita que o acompanhamento do licenciamento deveria ser feito junto à Supram. 

O superintendente da Supram Central Metropolitana à época era Leonardo Tadeu Dallariva Rocha, que hoje compõe a banca do escritório Santana de Vasconcellos. Ele ficou no cargo de agosto de 2016 a setembro de 2017. Ao longo desse ano, gerenciou e executou as atividades de regularização, fiscalização e controle ambiental na região onde a Tamisa queria explorar. Nessa época, ele já tinha uma relação de confiança com Bernardo Santana, uma vez que foi chefe de gabinete do político, quando este ocupou a Secretaria de Desenvolvimento Social no governo de Fernando Pimentel, entre janeiro de 2015 e 2016.  

Rocha conheceu o processo de licenciamento nos dois lados do balcão. Em janeiro de 2019, ele virou oficialmente um dos sócios da Santana de Vasconcellos, o único sem capital, segundo dados da Receita Federal. Bernardo Santana ressaltou à reportagem que Leonardo “ingressou na sociedade Santana de Vasconcellos após o cumprimento de prazo de quarentena, ou seja, mais uma vez observados os estritos comandos legais”. A Semad, por meio de nota, informou não existir relação do ex-servidor com o projeto aprovado recentemente, uma vez que ele foi apresentado pela Tamisa em 2020 para análise da Suppri. 

Histórico político dos advogados contratados pela Tamisa 

A família Santana de Vasconcellos, que administra o escritório de advocacia contratado pela Tamisa, é tradicionalmente de políticos. José Santana, o patriarca, que também faz parte do quadro societário do escritório, foi deputado estadual em Minas de 1975 a 1978, quando passou a ocupar o cargo de deputado federal, até 2011. Em 2018, ele concorreu novamente para uma vaga na Câmara dos Deputados pelo PR, sem sucesso.  Desde fevereiro deste ano, preside o diretório estadual do PL (partido do presidente Jair Bolsonaro). José Santana substituiu o filho na direção, Bernardo Santana. 

Bernardo foi deputado federal pelo PR de 2011 a 2015, quando tirou licença para assumir o cargo de Secretário de Estado de Defesa Social de Minas Gerais no governo Pimentel, onde ficou até 2016. Quando era deputado, o político participou da discussão sobre o Novo Código da Mineração.  

Ele também foi diretor jurídico de Mineração e Meio Ambiente do Grupo RIMA Industrial. Seu sogro, o presidente da Rima Industrial S/A, Ricardo Antônio Vicintin, foi o segundo maior doador da campanha de Romeu Zema (Novo), com R$ 300 mil  —10,5% do total arrecadado.

Irmão de Bernardo, Gustavo Santana, está no seu segundo mandato na Assembleia Legislativa de Minas. Ele também se elegeu pelo PR, mas mudou para o PL recentemente. Gustavo defendeu o empreendimento da Tamisa na audiência pública que ocorreu no Legislativo mineiro, no dia 05, para discutir a exploração na Serra do Curral. Segundo ele, os estudos de impactos foram desenvolvidos por sete anos e o projeto pode gerar mais de 2 mil empregos. 

“As atividades do Parlamentar, Deputado Gustavo Santana, não têm qualquer relação e em nada se confundem com a atuação do escritório, bem como o parlamentar,que não é advogado, jamais teve, e não tem, qualquer relação societária, ou profissional de qualquer natureza com o escritório”, destacou Bernardo Santana. 

O projeto de exploração minerária na Serra do Curral gerou uma grande mobilização da sociedade civil, de ambientalistas e da classe artística. “Virando realidade, esse megaprojeto de mineração gerará lucros financeiros milionários às custas de grandes riscos e graves impactos para o patrimônio cultural, para a saúde, a qualidade de vida, o meio ambiente e a segurança hídrica de toda a população de Belo Horizonte e região”, denunciam no manifesto Eu defendo a Serra do Curral, assinado até esta quinta-feira por mais de 60 mil pessoas. A Prefeitura de Belo Horizonte entrou com uma ação na Justiça alegando que não foi consultada no processo, o Ministério Público de Minas Gerais e o MPF estão pedindo a anulação da licença.

Parlamentares e sociedade civil durante ação na Serra do Curral na última segunda-feira (9) (Luiz Santana/ALMG)

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