De acordo com a pesquisa, o dano referente a perda da renda do trabalho é o mais frequente nos relatos das pessoas atingidas.
Instituto Guaicuy
Aquicultura, pesca, agricultura familiar, turismo, comércio, construção civil: são diversas as profssões diretamente afetadas, até hoje, pelo rompimento da Vale em Brumadinho, ao longo dos 26 municípios atingidos na Bacia do Paraopeba e da represa de Três Marias. Levantamentos feitos pelo Instituto Guaicuy identifcaram como a vida profssional dos moradores e moradoras destas comunidades mudou desde o dia 25 de janeiro de 2019. As pesquisas apontaram que 64% dos entrevistados residentes de Curvelo e Pompéu afrmam ter tido redução de renda de ao menos uma das pessoas que compõem o domicílio em função do rompimento. Já na região do Lago de Três Marias, isso aconteceu com 43% dos residentes entrevistados.
“Até hoje eu não tenho condições de pescar como profssional, e a gente faz um pouco de tudo no dia a dia. Cria umas galinhas, antes criava e vendia, hoje não tem mais o pessoal que comprava as galinhas. Depois do desastre, o pessoal fcou com medo de vim por causa da água e teve um distanciamento”, diz durante acolhimento do Guaicuy uma pessoa atingida de Porto Novo, uma das comunidades assessoradas pelo Instituto.
As pesquisas foram aplicadas em Pompéu e Curvelo, que integram a região 4, e nos municípios de Abaeté, Biquinhas, Felixlândia, Martinho Campos, Morada Nova de Minas, Paineiras, São Gonçalo do Abaeté e Três Marias, territórios que compõem a região 5. O levantamento faz parte da construção da Matriz de Danos, um documento elaborado pelas assessorias técnicas independentes da bacia do Paraopeba (Nacab, Aedas e Guaicuy) que vai permitir a construção de um cálculo justo dos danos sofridos para que as pessoas atingidas possam lutar pelo direito a uma indenização individual.
Gráfico 1 – Problemas relacionados ao trabalho e renda em decorrência do rompimento, dados domiciliares dos residentes, R4 e R5
Fonte: Instituto Guaicuy, 2022
A coleta dos dados sistematizados por parte do Guaicuy se deu em tempos diferentes. Na região 4, o chamado Diagnóstico Familiar sobre Perdas das Pessoas Atingidas abarcou 12 localidades, onde entrevistou 442 domicílios de pessoas que residem na região, entre outubro e novembro de 2020. Por sua vez, a Pesquisa Domiciliar, decorrida entre novembro de 2021 e janeiro de 2022, entrevistou 1.845 domicílios de residentes da região 5 distribuídos nas 48 localidades-alvo. As pesquisas permitem uma análise dos aspectos socioeconômicos das regiões, incluindo aspectos laborais.
De acordo com a pesquisa, o dano referente a perda da renda do trabalho é o mais frequente nos relatos das pessoas atingidas. Camila Alvarenga, integrante da equipe de valoração de danos do Guaicuy, explica que eles são, em sua maioria, danos materiais, por se tratarem diretamente de questões como endividamento e aumento de despesas de saúde. “O dano ao trabalho tem repercussão muito grande na vida das pessoas. Essa preocupação com a renda pode gerar sofrimento mental, emocional, e desencadear questões de saúde mental em quem vivencia essa situação. A pessoa pode ser obrigada a mudar de ocupação ou fcar em situação de desemprego ou subemprego e também afetar a saúde física. A gente também tem a questão da soberania e segurança alimentar e nutricional que muitas vezes tem uma relação muito forte com o trabalho, seja o que gera renda ou o que não gera, pois parte do princípio do direito de todos e todas terem acesso de forma regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade sufciente, sem comprometer o acesso a outras necessidades básicas essenciais, como moradia, educação, saúde e lazer, etc. Como isso é possível se a pessoa teve seu direito ao trabalho violado?”, questiona.
O rompimento trouxe diversos impactos que puderam ser constatados pelas pesquisas, como alterações nas condições de trabalho e horário de trabalho, mudança no tipo de trabalho exercido, assim como a perda de renda ou perda de oportunidades profssionais que já era garantido antes do rompimento. O conjunto de dados indica que em 6% dos lares entrevistados localizados nas regiões ocorreu a demissão de pelo menos um trabalhador em função do rompimento. A mudança no tipo de trabalho afetou ao menos uma pessoa em um a cada três lares da região 4, e um a cada quatro lares da região 5.
As condições de trabalho também apresentaram alterações negativas. Com as perturbações no trabalho e com a perda de renda, os domicílios localizados nas regiões 4 e 5 passaram a contar menos com o trabalho para prover seu sustento. Isso, de acordo com a equipe responsável pelo levantamento, indica uma perda das economias locais, acompanhado por uma redução das oportunidades de ganhos por meio do trabalho.
Em ambas as áreas, foi observado que a principal fonte de renda dos lares entrevistados sofreu alterações, ao se comparar qual era antes do rompimento e no momento da pesquisa. Houve uma redução da participação do trabalho como fonte principal da renda do lar. As famílias passaram a ter que confar mais em aposentadorias e pensões, assim como em políticas e programas de transferência de renda para viabilizar o seu sustento.
Gráfico 2 – Principal fonte de renda dos domicílios dos residentes da R4, antes e após o rompimento
Fonte: Instituto Guaicuy, 2022
A dependência de fontes de renda que não advém diretamente do trabalho reforça o cenário de restrição de oportunidades profssionais, associado a um risco agravado de pobreza das famílias após o rompimento.
Para Camila Alvarenga, a coleta desse tipo de dado é uma contribuição essencial para a construção de uma Matriz de Danos participativa. “A indenização pelo que o rompimento da barragem causou ao trabalho das pessoas atingidas, faz parte de uma reparação integral justa e só é possível de ser feita com o apoio das pessoas que vivenciaram isso, somada a um trabalho técnico de pesquisa e qualifcação daquilo que coletamos nos nossos levantamentos, para chegarmos ao valor mais justo possível”.
Confra o Dossiê de Danos Identifcados nas regiões 4 e 5 aqui.
Sobre o Instituto Guaicuy
Criado no ano 2000 por pesquisadores, professores e ativistas sociais que atuavam no projeto Manuelzão (UFMG), o Instituto Guaicuy é uma entidade não governamental associativa, cultural e técnico-científca sem fns lucrativos. Seu trabalho é desenvolver ações socioambientais, culturais e educativas voltadas para a preservação e recuperação ambiental, à promoção da saúde e à cidadania. Atualmente o Guaicuy conduz o Cultivando Águas, projeto que tem objetivo de divulgar tecnologias sociais de captação de água de chuva (construção de cisternas de uso coletivo), além de dois projetos de Assessorias Técnicas Independentes (ATI). Na bacia do Paraopeba, o Instituto acompanha o processo de reparação das regiões 4 (Curvelo e Pompéu) e 5 (região do Lago de Três Marias), afetadas pelo rompimento da barragem da Vale em Brumadinho. Já em Antônio Pereira, distrito de Ouro Preto, o Instituto presta assessoria técnica para a comunidade que convive nos últimos anos com o risco de rompimento da barragem de Doutor, também pertencente à Vale.
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Foto: Henrique Fornazin