O desastre causado pelas fortes chuvas em Pernambuco na última semana deixou evidente que a agenda de adaptação climática não pode mais ser ignorada pelo poder público. Ao invés de culpar São Pedro pelas desgraças, está na hora dos governantes assumirem a responsabilidade de preparar as cidades brasileiras para os eventos climáticos extremos.
“A principal questão aqui é que a vulnerabilidade desses sistemas urbanos, e particularmente das áreas mais pobres, é uma vulnerabilidade que tem aumentado”, observou Maria Fernanda Lemos (PUC-Rio) no podcast O Assunto (g1). “Ao invés de ter reduzido, a gente tem aumentado [a vulnerabilidade] por conta tanto das condições físicas estruturais e naturais e as condições socioeconômicas das populações, que também uma condição de vulnerabilidade muito grande”.
O descaso do poder público com adaptação climática não se reflete apenas em danos materiais e financeiros: somente nos últimos seis meses, mais de 500 pessoas morreram em virtude dos efeitos de fortes temporais no Nordeste e no Sudeste, o pior índice em mais de uma década. “Recife é um dos muitos capítulos de uma crônica da tragédia anunciada literalmente pelos ventos”, escreveu Matheus Pichonelli no UOL Tab. Essa tragédia começa no aumento silencioso da temperatura das águas do oceano, passa pelo negacionismo climático e pela quase total incapacidade das autoridades de entenderem e se prepararem para lidar com as mudanças em curso”.
No podcast Ao Ponto (O Globo), a pesquisadora Silvia Santo (CEMADEN) ressaltou a importância de avançar na preparação dos governos municipais e estaduais para lidar com os efeitos imediatos de eventos desse tipo, especialmente por meio de simulações de desastre e uma política habitacional eficiente que garanta condições dignas e seguras para as famílias mais humildes.
Em tempo: Adaptar é necessário, mas é remediar somente, não evita as piores consequências das mudanças climáticas. O alerta é da cientista Katharine Hayhoe, da Texas Tech University (EUA) e um dos principais nomes internacionais da pesquisa sobre clima. “Se continuarmos com as emissões de gases de efeito estufa como de costume, não há adaptação possível”, observou ao Guardian. “Nossa infraestrutura, no valor de trilhões de dólares, construída ao longo de décadas, foi feita para um planeta que não existe mais”. O problema não é apenas tecnológico: um clima mais adverso também resultará em necessidades de adaptação que serão cada vez mais financeiramente desafiadoras.