Após STJ, disputa sobre taxatividade do rol da ANS vai ao STF e ao Congresso

Por Danilo Vital, na Conjur

Depois de o Superior Tribunal de Justiça dar a última palavra na interpretação da legislação federal ao definir que o rol de procedimentos da ANS é taxativo, a disputa de consumidores e beneficiários com as operadoras de plano de saúde avança para outras duas frentes: constitucional e legislativa.

No Supremo Tribunal Federal, a discussão será a constitucionalidade dos trechos da Lei dos Planos de Saúde (Lei 9.656/1998) que permitem a interpretação pela taxatividade do rol. No Congresso, há a possibilidade de positivar na legislação o caráter exemplificativo da lista de referência básica preparada pela ANS.

Na quarta-feira (8/6), a 2ª Seção do STJ decidiu que a lista de referência mínima preparada pela ANS para os planos de saúde tem caráter taxativo. Ou seja, as operadoras não têm a obrigação de custear procedimentos que não estejam listados. Em casos excepcionais, no entanto, essa taxatividade pode ser superada.

O tema é de extrema relevância porque trata-se de um mercado com quase 50 milhões de beneficiários, extremamente judicializado e cujo impacto, ao fim e ao cabo, recai não apenas sobre o direito constitucional à saúde, mas também na pressão sobre o Sistema Único de Saúde. A posição dividiu opiniões e dificilmente pacificará as disputas judiciais.

No STF

O Supremo Tribunal Federal já tem ao menos uma ação para tratar do tema. A ADI 7.088 foi ajuizada em março pela Associação Brasileira de Proteção aos Consumidores de Planos e Sistema de Saúde (Saúde Brasil) e distribuída ao ministro Luís Roberto Barroso.

A entidade aponta a inconstitucionalidade dos artigos parágrafos 4º, 7º e 8º do artigo 10 da Lei 9.656/1998, que foram recentemente alterados pela Lei 14.307/22.

São as normas que definem que a amplitude das coberturas no âmbito da saúde suplementar será estabelecida em norma editada pela ANS, por meio de rol a ser atualizado em processo administrativo com duração máxima de 180 dias, prorrogáveis por outros 90 dias.

Essa alteração diminuiu o intervalo em que a agência deve rever os procedimentos mínimos. Antes, a atualização acontecia a cada dois anos. Esse fator foi levado em conta no julgamento do STJ e, de acordo com a associação, é o que permite que o rol seja interpretado como taxativo.

A petição inicial aponta ofensa à Constituição, na garantia de saúde a todos e na proteção conferida ao consumidor. “É límpida a inconstitucionalidade de qualquer norma que imponha prévia e genericamente a limitação de atendimentos em tantos ou quantos dias por ano ou excluindo estes ou aqueles procedimentos”, segundo a entidade.

O Partido Solidariedade também anunciou a intenção de ajuizar ação de descumprimento de preceito fundamental (ADPF) no Supremo, por entender que a interpretação do STJ sobre a taxatividade do rol transfere todo o risco e incerteza sobre os possíveis tratamentos para o consumidor, que é a parte vulnerável da relação.

Há, ainda, a hipótese de as partes envolvidas nos julgamentos dos embargos de divergência no STJ interporem recurso extraordinário ao STF. Nesse caso, será preciso esperar a publicação do acórdão e passar pelo crivo de admissibilidade feito pela vice-presidência do STJ.

No Congresso
A discussão sobre o rol da ANS no Congresso não é nova e ganhou bastante relevância. A Câmara dos Deputados tem 20 projetos de leis apresentados apenas em 2022, absolutamente todos propondo a alteração da Lei dos Planos de Saúde para considerar a lista de referência como meramente exemplificativa.

Segundo o deputado federal Eduardo da Fonte (PP-PE), autor de uma das propostas (PL 1.556/2022), há na casa uma mobilização para impedir que o atendimento fique restrito ao que está no rol, como querem as operadoras de planos de saúde.

“Segurados com novas doenças, como a Covid-19, por exemplo, podem simplesmente ter o atendimento negado porque não está na lista. É um atentado contra o consumidor e, sobretudo, contra o cidadão que fica desprotegido em nome de um entendimento que parece desprezar o direito à saúde”, avalia.

Há, ainda, projetos de lei que, ao menos, visam tutelar a situação dos que serão os maiores atingidos pelas negativas. O PL 1584/2022 prevê que as operadoras não podem negar cobertura a pessoas com deficiência, os PLs 852/2022 e 457/2022 trazem a mesma previsão em relação às pessoas com autismo, e o PL 1179/2022 trata dos casos de doença rara.

A Câmara dos Deputados tem, ainda, propostas de Decreto Legislativo com o objetivo de sustar o artigo 2º da Resolução Normativa 465/2021 da ANS, segundo a qual “para fins de cobertura, considera-se taxativo o Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde”.

No PDL 45/2022, o deputado federal Juninho do Pneu (União-RJ) justifica a proposta pelo fato de a taxatividade do rol não acompanhar os avanços diários da medicina, o que pode colocar em risco a saúde dos beneficiários dos planos de saúde.

E no PDL 187/2022, dos deputados Jandira Feghali (PCdoB/RJ), Lídice da Mata (PSB/BA) e Alice Portugal (PCdoB/BA), a norma da ANS é definida como responsável por “validar um retrocesso social” já praticado pelas operadoras de plano de saúde.

“Diante desse cenário funesto, o Congresso Nacional é o último recurso com o qual podem contar cerca de 49 milhões de segurados, que serão impedidos de realizar determinados procedimentos médicos às custas das operadoras de planos de saúde, mesmo arcando com uma mensalidade excessivamente onerosa”, apontam, na justificativa.

Clique aqui para ler a petição inicial da ADI 7.088
EREsp 1.886.929

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