Entrevista: PL 1501/22 defende o fim dos despejos de pessoas em situação de vulnerabilidade no país

Parlamentar Natália Bonavides (PT-RN) explica que o projeto cria procedimentos para garantir o respeito aos direitos das populações em áreas ameaçadas de despejo

Por Solange Engelmann, na Página do MST

A partir das mobilizações e pressões dos movimentos e organizações populares, e partidos de oposição ao governo federal, no último dia 30 de junho o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso prorrogou a ADPF 828, que proíbe despejos e remoções forçadas de pessoas em áreas urbanas de rurais no país, até 31 de outubro deste ano.

A medida tem sido fundamental para garantir o direito das populações em permanecer nos territórios e moradias ocupadas pelo país, mas conforme os movimentos e organizações da Campanha Despejo Zero, permanece a insegurança sobre o destino das pessoas que vivem em áreas de ocupação, e sobre como essa questão dos despejos e remoções forçadas no país serão tratadas assim que a ADPF 828 perder a efetividade.

Para estabelecer mecanismos legais de garantia de um conjunto de direitos a essas populações, em situação de vulnerabilidade, a deputada federal Natália Bonavides (PT-RN), propõe o Projeto de Lei 1501/2022, em tramitação na Câmara dos Deputados. Ela explica que o PL cria um conjunto de procedimentos específicos para garantir o respeito aos direitos das populações que vivem em locais ameaçados de despejo. E acredita que para aprovação do projeto no Congresso será preciso aumentar a pressão popular.

“A ideia é priorizar a permanência das pessoas nos locais que atualmente residem, com a adoção de providências para a regularização de sua situação jurídica no local e de garantia de acesso aos serviços essenciais”, explica.

Confira a íntegra da entrevista exclusiva com a deputada para entender a importância desse projeto e de que forma será viabilizado pelo país, se for aprovado pelo Congresso Nacional:

O que é o Projeto de Lei 1501/2022, de autoria da deputada federal Natália Bonavides (PT-RN)?

Trata-se de um projeto que busca criar procedimentos específicos que garantam o respeito aos direitos da populações em situações de cumprimento dos despejos.

Os despejos hoje estão suspensos em virtude da lei de nossa autoria (Lei 14.216/2021) e da decisão do ministro do STF, Barroso, na ADPF 828. Essa lei busca criar uma espécie de regime de transição para quando a lei anterior perder a validade.

Por que esse PL está sendo proposto e qual sua função nesse momento?

A suspensão dos despejos se tornou lei em razão da situação de pandemia e de suas consequências na piora das condições de vida de grandes parcelas da classe trabalhadora. Essa situação não está resolvida, mesmo com o arrefecimento da pandemia, pois as condições de vida da classe trabalhadora seguem piorando a cada dia, com a desvalorização do salário, desemprego e o aumento da fome e da insegurança alimentar.

Nesse contexto, a proposta visa evitar que pessoas que já estão em situação de vulnerabilidade, consequência direta do governo negacionista e que ataca os direitos do povo, tenham piora significativa, perdendo suas moradias.

Vale lembrar que o governo Bolsonaro é inimigo das Reformas Agrária e Urbana. Ele e seus ministros acabaram com o maior programa de habitação social do país, o Minha Casa, Minha Vida, e, por meio de cortes orçamentários, inviabilizaram uma política de moradia no país, o que reforça ainda mais a necessidade de garantir moradias e impedir despejos.

Quais medidas o PL prevê para evitar os despejos e como isso seria efetivado a partir das esferas federais, estadias e locais – nos territórios e espaços ocupados?

O projeto incorpora diversas diretrizes da Resolução 10, de 2018, do CNDH (Comissão Nacional de Direitos Humanos), que dispõe sobre soluções garantidoras de direitos humanos e medidas preventivas de conflitos fundiários coletivos rurais e urbanos.

Há a vedação ao cumprimento de atos e decisões que impliquem em despejos ou remoções forçadas de forma automática, cabendo aos Tribunais, de Justiça e Regionais Federais, adotarem as medidas administrativas necessárias para isso.

Também se determina que os entes federativos – União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios – implementem programas que assegurem o direito à moradia para as pessoas que estão sofrendo com remoção ou despejo forçado, com garantia de acesso aos serviços essenciais.

Os atos ou decisões judiciais que acarretem despejo e que estejam suspensos devem ser submetidos a uma nova análise, para que sejam avaliados o cumprimento da função social da propriedade, o exercício da posse e a existência de título válido, por exemplo.

Além disso, o projeto prevê a necessidade de criação de núcleos especializados para a resolução de conflitos fundiários urbanos e rurais pelos entes federativos, com diretrizes como a preservação do direito à vida e à dignidade da pessoa humana; a observância dos direitos sociais e da função social da propriedade, por exemplo.

Devido a pressão popular e a continuidade da pandemia o ministro do STF, Luís Roberto Barroso prorrogou a ADPF 828, que proíbe despejos no país até 31 de outubro. Caso essa medida não seja novamente prorrogada, o que irá acontecer com as famílias ameaçadas de despejo no país?

Nas decisões do ministro [Barroso], ao longo do processo, ele faz um apelo para que os legisladores busquem uma solução. Nessa última decisão, ele deixou muito nítido que, caso o Congresso continue omisso nesse sentido, nada impede que o próprio Supremo adote as medidas cabíveis.

Mas, se o PL não for aprovado e o STF não adotar essas medidas, milhares de pessoas serão colocadas em situação ainda maior de insegurança sobre suas moradias.

Por isto, é fundamental seguirmos com a mobilização popular e no parlamento pela aprovação do projeto.

Quantas famílias em situação de vulnerabilidade estão ameaçadas de despejo no país?

De acordo com a Campanha Despejo Zero, mais de 132 mil famílias, algo em torno de meio milhão de pessoas, estão protegidas pela ADPF 828 e pela Lei do Despejo Zero.

Um levantamento feito pelo Núcleo de Questões Urbanas do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper), apurou que, somente por meio de Reclamações Constitucionais, aproximadamente 25 mil pessoas deixaram de ser despejadas.

Em que fase o PL se encontra em tramitação na Câmara dos Deputados? Quais os próximos passos para sua aprovação?

O projeto está aguardando designação de relator na Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural. Depois deve passar pelas Comissões de Desenvolvimento Urbano, de Finanças e Tributação e de Constituição e Justiça e Cidadania.

Visando agilizar a sua tramitação, apresentamos um requerimento para a criação de uma Comissão Especial para analisar a proposta. Essa Comissão substituiria todas as demais, permitindo uma tramitação mais rápida.

Como os movimentos, organizações populares e partidos de esquerda estão se mobilização e pressionando para aprovação desse PL no Congresso Nacional?

É importante destacar que o projeto é fruto de uma construção coletiva, com diálogo com partidos de oposição à Bolsonaro e com diversos movimentos sociais, entre os quais o MST, que estão construindo a Campanha Despejo Zero.

Nos últimos meses ocorreram por todo o país diversas manifestações em defesa da manutenção da suspensão dos despejos e por luta por moradia digna e acesso à terra. Diversas entidades, como, por exemplo, a CNBB [Conferência Nacional dos Bispos do Brasil], têm se manifestado contra a realização de despejos. Também temos tido apoio, de vários artistas, como Chico Buarque e Gregório Duvivier.

Certamente precisamos aumentar a pressão popular para que possamos conseguir mais uma vitória no Congresso.

Quais ações e medidas o PL 1501 propõe para garantir que pessoas em condições de vulnerabilidade social não sofram mais despejos ou remoções forçadas no Brasil?

A ideia é priorizar a permanência das pessoas nos locais que atualmente residem, com a adoção de providências para a regularização de sua situação jurídica no local e de garantia de acesso aos serviços essenciais. Buscamos condicionar o cumprimento de medidas que acarretem despejos ou remoções forçadas ao reassentamento das pessoas a serem desalojadas, em locais adequados para moradia e com garantia ao mínimo existencial: no acesso à educação, saúde, trabalho, transporte, energia e água potável.

A necessidade de reanálise das decisões judiciais e administrativas que estão suspensas também é importante, já que vai permitir, por exemplo, uma nova avaliação acerca do cumprimento da função social da propriedade e da própria existência de titulação por parte de quem se diz proprietário. Inclusive, se houver indícios de apropriação indevida de terras públicas por quem se diz proprietário, por meio do processo de grilagem, uma cópia do processo deverá ser encaminhada ao Ministério Público, para que sejam tomadas as medidas cabíveis.

Uma de nossas preocupações é que, passado o prazo de suspensão dos despejos, as decisões não sejam cumpridas todas ao mesmo tempo, o que acarretaria um grande número de pessoas desalojadas. Por isso, um dos itens da proposta determina que os Tribunais adotem medidas administrativas, com o objetivo de evitar a ocorrência de despejos simultâneos em suas respectivas áreas.

Qual a expectativa para a aprovação do projeto?

Sabemos que não será fácil, ainda mais com o perfil conservador do Congresso e com a proximidade das eleições. Na tramitação do projeto que virou a Lei do Despejo Zero, o Senado aprovou uma emenda retirando a suspensão dos despejos nas áreas rurais, por meio da bancada ruralista.

Dedicaremos todos os esforços para que a proposta seja aprovada, e para que isto se viabilize vai ser necessário muita mobilização popular.

Editado por Maiara Rauber

Mais de 132 mil famílias, em torno de meio milhão de pessoas, estão protegidas pela ADPF 828 e pela Lei do Despejo Zero. Foto: Barbara Vida/MST

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