Entidades armamentistas estão entre os patrocinadores; advogadas alertam para possível abuso do poder econômico
Laura Scofield, Agência Pública
Levantamento inédito da Agência Pública revela que houve um aumento de 100% no número de congressos conservadores em 2022. Eles aumentaram de 11, em 2021, para 22 apenas no primeiro semestre desse ano eleitoral.
Para a cientista políticaCarolina Botelho, da UERJ, os eventos são parte da estratégia eleitoral da extrema-direita brasileira.
Desde o início do governo Bolsonaro, ocorreram ao menos 43 congressos conservadores em 17 estados — a maior parte foi no Sudeste (19), seguido pelo Centro-Oeste (7). Entre eles está o Brasil Profundo, promovido pelo Instituto Conservador Liberal, fundado pelo deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP).
Já em 2020, Eduardo Bolsonaro afirmou no congresso CPAC nos EUA que pretendia “estruturar” a extrema direita no Brasil. “Temos todos os ingredientes, só precisamos organizar e crescer para construir essas estruturas”, disse. Pouco tempo depois fundaria um ICL para promover eventos semelhantes, além do próprio CPAC, que já teve três edições no Brasil. Como a Pública mostrou, o CPAC tem sido patrocinado pela rede social americana Gettr, do ex-porta voz de Donald Trump, Jason Miller, o que pode violar a lei eleitoral.
Eduardo Bolsonaro (à esq) e Jair Bolsonaro (à dir) no CPAC 2022
Voltado a levar a pauta bolsonarista ao interior, o Brasil Profundo estreou em dezembro, em Várzea Grande (MT). Este ano, já aconteceu em Londrina, no Paraná, em março, e em abril, na cidade de Camaquã, no Rio Grande do Sul. Os eventos promovidos em parceria com o Movimento Brasil Conservador (MBC) reuniram deputados e influenciadores bolsonaristas como Filipe Barros (PL-PR), Carla Zambelli (PL-SP), Daniel Silveira, Aline Sleutjes (PL-PR), além de ministros do governo, como Onyx Lorenzoni.
Em ano eleitoral, a promoção de grandes eventos soa um alerta, aponta a advogada eleitoral Ana Carolina Clève: “Quanto está custando a realização de todos esses congressos em que o presidente é beneficiário direto?”.
“Se eu faço muitos eventos assim e vou movimentando muito dinheiro, mesmo que o conteúdo lá dentro do evento seja lícito, isso pode ensejar um abuso do poder econômico”, diz.
Silvana Batini, professora da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e ex-Procuradora Regional Eleitoral do Rio de Janeiro diz que “se de ficar demonstrado que [um evento] tem vínculo com determinada campanha e houver um dispêndio excessivo de recursos, isso pode gerar no futuro uma discussão em torno de abuso de poder econômico”.
Os congressos também se espalham por cidades com menos de 100 mil habitantes, como Caldas Novas (GO) e São Pedro da Aldeia (RJ), sedes dos congressos 1º Congresso Conservador Caldas Novas e 1º Congresso Conservador da Região dos Lagos/RJ, respectivamente.
Muitos deles são chamados de “primeiro congresso conservador”, o que demonstra a estratégia de expansão para novos municípios. Para Carolina Botelho, cientista política e pesquisadora do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IESP/UERJ), isso reflete as pesquisas eleitorais que apontam que os eleitores de Bolsonaro “se concentram mais em cidades do interior”.
Congressos servem para pedir votos
O tom de grande parte dos congressos conservadores analisados pela Pública é de campanha eleitoral.
“Se nós olharmos aqui e vermos 300 potenciais eleitores ou 300 eleitores do Bolsonaro, dentro do Brasil [isso] é pouco. Agora, se eu olhar aqui, só nessa fileira do meio, e ver 85 bolsonaristas que vão disputar voto a voto, na padaria, no Uber, no mercado, no açougue, casa por casa e gente por gente, a gente muda o Brasil”, discursou o deputado federal Daniel Silveira (PL-RJ) no 1º Congresso Conservador do Alto Paranaíba, Noroeste e Triângulo Mineiro, Marcha pela Família, que ocorreu em Patos de Minas em 5 e 6 de março deste ano.
“Vocês têm que ser, cada um de vocês, o maior cabo eleitoral do presidente Bolsonaro e da base dele”, pediu.
Para a advogada eleitoral Ana Carolina Clève, falas como a de Silveira estão no “campo de risco”, pois poderiam ser consideradas como pedido de voto, proibido pela legislação eleitoral brasileira antes de 15 de agosto.
“O Brasil não vai ter outra oportunidade. Se a esquerda voltar está declarado: seremos eternos escravos em uma terra rica. Esse é o jogo. Ou é Jair, ou já era”, afirmou o blogueiro Fernando Lisboa, do canal Vlog do Lisboa, no mesmo congresso. Ele, que foi alvo do inquérito dos atos antidemocráticos, pediu que os presentes ajudassem o evento a se tornar “uma explosão no Brasil inteiro”. Lisboa tem quase 800 mil inscritos em seu canal no Youtube.
A cientista política Carolina Botelho diz que os eventos são uma estratégia eleitoral para ir além das bolhas das redes sociais. “Estão segmentando os eleitores e pegando os que mais os apoiam”, aponta.
O tom de eleição se repetiu no Brasil Profundo em Londrina, no Paraná. A deputada federal Aline Sleutjes (PL-PR) disse se preocupar com rachas internas da extrema-direita. “A gente só vai ganhar esse jogo se nós estivermos unidos (…) Talvez o nome dos nossos grupos nos divida, mas os motivos nos unem”, acrescentou a deputada, que aproveitou o espaço para divulgar sua pré-candidatura ao Senado.
Eduardo Bolsonaro no evento Brasil Profundo, promovido pelo Instituto Conservador Liberal (Reprodução YouTube/Eduardo Bolsonaro)
Daniel Silveira se referiu a Sleutjes como “minha candidata ao Senado” e promoveu outro nome: “Quem vai votar no Filipe Barros?”, perguntou ao público. Barros (PL-PR) foi um dos organizadores do evento e é atualmente cotado como pré-candidato ao governo do Paraná com o apoio bolsonarista.
Clève considera que a fala de Silveira “pode ser enquadrada como propaganda antecipada”, já que cita o nome do candidato e fala em votar nele. “O contexto deixa claro”.
No 1º Congresso Conservador de Goiás, em 4 de junho, também houve pedidos de voto. “Ajudem nesse ano tão importante o nosso presidente Jair Bolsonaro, e figuras como o Major Vitor Hugo, o senador Wilder [Morais], o Gustavo Gayer e outros pré-candidatos”, pediu a deputada federal Carla Zambelli (PL-SP) em vídeo-resumo do evento, divulgado nas redes.
Gustavo Gayer, pré-candidato a deputado federal por Goiás, foi um dos organizadores do evento. À Pública, Gayer confirmou a pré-candidatura e afirmou que foi o anfitrião do evento em Goiás. Disse que os congressos conservadores seriam “importantes para resgatar a democracia, a liberdade de expressão, o respeito à constituição, os valores cristãos e principalmente resgatar o respeito às famílias brasileiras”. Leia a resposta na íntegra.
Já Zambelli disse que “não tenho feito manifestação na condição de pré-candidata, e tenho total disciplina e respeito às normas da legislação eleitoral”. Leia a resposta completa.
Entidades armamentistas patrocinaram congressos
O 1º Congresso Conservador de Goiás se destacou pela exposição de armas promovida pela empresa International Weapons Sale (IWS), que apoiou o congresso ao lado de outras entidades como o Pró-Armas e o clube de tiro Alvo. Voltado aos chamados CAC’s, colecionadores, atiradores e caçadores, o evento foi organizado pela Calibre da Liberdade, que se define como uma “empresa de eventos, cursos e consultoria armamentista, airsoft, militar e de CACs”.
A Calibre da Liberdade está inscrita sob o nome de Rodrigo da Silva Nunes, conhecido como “Capelão Rodrigo”, coordenador regional de Goiânia do Pró-Armas.
Em Patos de Minas (MG), o Águia Clube de Tiro, empresa local, foi um dos apoiadores. Já na cidade de Caldas Novas (GO), um dos patrocinadores foi o Clube de Tiro Pararafal.
Houve também o 1º Congresso Conservador Pró-Armas e Agronegócio de Sergipe. Este foi realizado pela empresa de venda de acessórios armamentistas, Mercadogun.com com apoio do Pró-Armas.
Clève aponta que em casos de patrocínio em eventos em que há “um apoio muito explícito ao presidente”, “é possível dizer que há um financiamento de pessoas jurídicas já na pré-campanha, o que pode ser muito problemático para as candidaturas” e gerar um “desequilíbrio entre candidatos”. O financiamento de pessoas jurídicas nas campanhas eleitorais está proibido desde as eleições nacionais de 2018.
“Se são eventos que de alguma forma vão veicular conteúdo eleitoral que traga benefício para uma candidatura, e que estejam financiados por pessoas jurídicas, isso pode configurar eventualmente um abuso de poder econômico futuro, que é uma irregularidade eleitoral séria”.
A Pública entrou em contato com todas as entidades citadas, mas não obteve retorno.
Este conteúdo faz parte do Sentinela Eleitoral, projeto da Agência Pública que investiga e analisa as redes de manipulação do debate público (fake news) nas eleições em parceria com o Berkman Klein Center for Internet & Society da Universidade de Harvard. https://apublica.org/sentinela/
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Imagem: Carolina Antunes/PR