Quando o assunto é tratorar a proteção ambiental, o governo federal não dá ponto sem nó. Na semana passada, depois de muita pressão do Palácio do Planalto, o IBAMA liberou a licença prévia para as obras de reconstrução do trecho do meio da BR-319, mesmo sem consulta pública às Comunidades Indígenas e Tradicionais que vivem no entorno da rodovia.
Agora, o InfoAmazonia revelou que, entre os planos do governo para viabilizar a obra, está a regularização de Terras Públicas Não Destinadas cortadas pela estrada. O problema é que, em algumas delas, existem indícios de ocupação irregular por fazendeiros.
De acordo com a proposta apresentada pelo ministério da economia como parte do Projeto de Governança Territorial da BR-319, propriedades em 29 glebas federais serão tituladas de forma definitiva. Em 17 dessas glebas, a reportagem identificou 440 imóveis privados, sendo que a maioria já está certificada pelo INCRA e, assim, poderá receber títulos de propriedade. Mas na relação de possíveis beneficiados, estão os donos da Fazenda Acará, que controla 20 propriedades registradas pelo INCRA no entorno da BR-319 e que acumula denúncias de crimes ambientais, que vão do desmatamento ilegal até a falsificação de documentos fundiários, além de multas emitidas pelo IBAMA que somam mais de R$ 79 milhões.
“Muitas dessas áreas ocupadas às margens da rodovia são frutos de grilagem e desmatamento ilegal”, observou o biólogo Lucas Ferrante. “Se o ministério da economia der continuidade ao processo de regularização dessa forma, estará entregando terras federais para os mesmos que promovem o desmatamento”. A Folha também publicou a reportagem.
O Observatório da BR-319, rede de organizações sociais que atuam e monitoram a região da rodovia, denunciou irregularidades na liberação da licença prévia para reconstrução do trecho do meio. Além da falta de consulta pública às comunidades locais impactadas, o grupo apontou a omissão do governo federal na destinação de áreas públicas nas margens da BR-319, prejudicando diversos Povos Indígenas que esperam há anos pela demarcação de suas terras no sul do Amazonas.
“A gestão pública não pode cometer os mesmos erros do passado, da década de 1970, e ignorar indígenas e comunidades tradicionais. Isso coloca em risco o bom andamento do processo e abre brechas para judicializações e mais atrasos”, afirmou Fernanda Meirelles, secretária-executiva do Observatório. Amazonas Atual e ((o)) eco repercutiram a posição do grupo.
Já o Observatório do Clima (OC) destacou o atropelo do IBAMA na liberação da licença prévia para a obra. Recomendações técnicas feitas por analistas e servidores do órgão foram ignoradas por seu presidente, Eduardo Bim, quem assim jogou fora mais de uma década de discussão sobre mecanismos de redução do impacto ambiental de uma eventual reconstrução da BR-319.
Por exemplo, uma portaria do ministério do meio ambiente de 2008 definiu uma relação de “pré-condicionantes” para o licenciamento da rodovia, que previa, entre outras ações, a criação de 16 Unidades de Conservação em seu entorno. Nada disso aconteceu. Nem mesmo a instalação de postos de fiscalização ambiental, outra exigência definida pelo IBAMA no passado, foi incluída na decisão assinada por Bim.
“Não há garantia de que haverá o controle do desmatamento na região a partir da construção da estrada. Como o desmatamento é o principal impacto negativo associado ao asfaltamento, a declaração de viabilidade da obra, que é inerente a toda licença prévia, não está devidamente fundamentada. É uma licença que deve ser anulada pela Justiça”, explicou Suely Araújo, especialista em políticas públicas do OC e ex-presidente do IBAMA.