Projeto Brasil Sem Veneno mapeia 542 iniciativas de resistência aos agrotóxicos pelo país

Levantamento inédito revela como grupos da sociedade civil se organizam para lutar contra a política do veneno em curso; mapa interativo mostra movimentos sociais, grupos acadêmicos, projetos educativos, campanhas de comunicação e iniciativas legislativas nos 26 estados e no DF

Por Nanci Pittelkow, especial para De Olho nos Ruralistas e O Joio e O Trigo

Levantamento inédito do De Olho nos Ruralistas para o projeto Brasil sem Veneno — realizado em parceria com O Joio e o Trigo — identificou 542 iniciativas de resistência aos agrotóxicos pelo Brasil, incluindo aquelas de movimentos sociais e da sociedade civil, acadêmicas, educativas e comunicacionais, institucionais e legislativas. Esses projetos ocorrem nas 27 Unidades da Federação e incluem iniciativas de âmbito nacional.

Construída ao longo de seis meses de pesquisa, a base de dados levou em conta o histórico de ações realizadas por indivíduos, grupos e organizações, rurais e urbanos, que tenham como eixo central o combate ao uso abusivo de venenos agrícolas e a denúncia de seus impactos sobre o ambiente e a população.

As informações foram organizadas em um mapa interativo e separadas por eixo temático e área de atuação. Na caixa seleção, o leitor pode selecionar entre movimentos sociais e organizações civis, iniciativas legislativas, educativas, acadêmicas e de comunicação. Ao dar zoom, é possível visualizar as iniciativas locais. Um segundo mapa mostra as ações de âmbito estadual.

Há também um botão superior em que o usuário pode acessar a lista de iniciativas nacionais. Organizado como uma base de dados aberta, o mapa será atualizado constantemente para incluir outros grupos que atuem em todo o país. Caso queira enviar uma contribuição, acesse o formulário aqui.

O mapa das iniciativas de resistência ao uso de agrotóxicos integra o projeto Brasil Sem Veneno, uma iniciativa conjunta entre as equipes editoriais do observatório De Olho nos Ruralistas e de O Joio e o Trigo. A primeira etapa da cobertura trouxe um mapa exclusivo sobre os impactos do uso de agrotóxicos na saúde humana: “Contato com agrotóxicos pode levar a dano do DNA, causar câncer, problemas renais e doenças no sangue“. Também foram publicadas reportagens sobre a perseguição sofrida por pesquisadores que trabalham com o tema a partir de uma perspectiva crítica aos venenos.

CIENTISTAS E ATIVISTAS REPERCUTEM OS DADOS DA PESQUISA

“Essa informação desse número de iniciativas contra agrotóxicos no país é muito interessante, pois mostra uma potência que está invisibilizada”, comenta Fernando Carneiro, Pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e membro do GT de Saúde e Ambiente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), ambas igualmente mapeadas no estudo.

“Esse número é impressionante e de fato revela iniciativas que estão invisibilizadas tanto pela grande mídia, como ignoradas por esse governo, que apoia o uso de agrotóxicos em larga escala”, opina Maíra Pereira Santiago, do setor de produção do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), que aparece no mapeamento tanto pelas ações de âmbito nacional quanto em projetos agroecológicos realizados em acampamentos e assentamentos da reforma agrária.

“Toda essa resistência e esses movimentos não são o suficiente, porque a pressão da indústria de veneno é gigantesca”, opina Neice Muller Faria, pesquisadora associada da Universidade Federal de Pelotas. “Por outro lado, há demanda pelos consumidores, principalmente os mais bem informados”.

PRIMEIRAS ARTICULAÇÕES SURGIRAM NOS ANOS 2000

Durante os anos 2000, o avanço acelerado do agronegócio e a utilização de agrotóxicos em larga escala acenderam um sinal de alerta para diversas organizações da sociedade civil. Faltavam ferramentas e fóruns que pudessem agregar as diversas iniciativas de luta contra os agrotóxicos e em defesa da agroecologia. Buscando dar visibilidade para essas questões, foi criada em 2010 a Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, primeiro grupo a articular essas demandas a partir da pauta comum do combate aos venenos agrícolas.

“A Campanha e a Articulação Nacional de Agroecologia (ANA) atuam nesse sentido de fortalecer e comunicar as diversas ações nos campos dos movimentos sociais, da pesquisa e da comunicação”, resume Alan Tygel, integrante das duas organizações. “Claro que essa articulação precisa ser cultivada e ampliada para que a gente consiga aumentar o nosso grau de pressão política”.

Entre os desdobramentos da Campanha, houve o lançamento de documentários como “O veneno está na mesa“, de Sílvio Tendler, e diversas peças de comunicação e educação que tiveram grande repercussão. Houve também uma articulação junto aos poderes públicos municipais, com a inserção do debates sobe os agrotóxicos nas escolas. “O desafio é para quebrar, para furar essa bolha da mídia convencional que apoia o agronegócio”, diz Maíra, do MST. “E fazer com que essa mentira de que eles são pop caia por terra, porque na verdade eles são tóxicos”.

PROJETO BUSCA FACILITAR INTEGRAÇÃO ENTRE INICIATIVAS DE TODO O PAÍS

Além de iniciativas que denunciam o impacto do uso de agrotóxicos no Brasil, o levantamento de resistências realizado pelo projeto Brasil Sem Veneno inclui grupos que trabalham em alternativas à política do veneno a partir da agroecologia e do conhecimento tradicional, buscando espalhar experiências bem-sucedidas e facilitar a articulação entre esses coletivos.

“As ações agroecológicas são constantemente invisibilizadas, se pensarmos na formação do país a partir da forma da colonização e da colonialidade”, pondera Marina Tauil, da Associação Brasileira de Agroecologia (ABA). “São ações excluídas do ideário dos agricultores por uma disseminação ideológica de que com o agrotóxico se consegue mais produtividade”. Ela observa que essas iniciativas estão distribuídas em todas as instâncias, do local ao regional, até nacional e mundial. “Falta uma propagação maior desse ‘reconhecer e fortalecer’”.

A falta de comunicação e articulação entre os movimentos é um ponto de preocupação, uma vez que facilita sua cooptação por atores do agronegócio, diz Edivagno Rios, militante do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA). “Muitas famílias, especialmente no Sul, acabam fechando contratos de produção integrada com as grandes produções seguindo o mesmo modelo”, descreve. “É um ‘agronegocinho’. Assim, além do discurso, temos de oferecer alternativas, principalmente nas questões de adubação e controle de pragas. O povo tem que ver para crer”.

PULVERIZAÇÃO AÉREA É DISCUTIDA EM 27 MUNICÍPIOS; 12 FIZERAM LEIS

Os movimentos de âmbito local são maioria no levantamento. Das 542 iniciativas incluídas no mapa, 298 ocorrem em municípios — com destaque para a área rural onde, na maioria das vezes, ocorre o enfrentamento direto com o agronegócio.

“A gente tenta resistir a esse avanço da soja e do eucalipto”, conta Ana Cláudia Rauber, do Movimento das Mulheres Camponesas (MMC) de Canta Galo (PR). “A gente tem produção orgânica e tenta fazer as barreiras, com árvores, para evitar a deriva. Mas o avanço das monoculturas isola os povos do campo, social e geograficamente, e cada vez mais pessoas desistem. Faz muita falta ter mais pessoas, até para trocar sementes”.

A região Sul, onde Ana Cláudia atua, concentra 52 iniciativas locais e regionais contra os agrotóxicos. Ela aparece em último em relação ao número de resistências identificadas, empatada com a região Norte. O ranking é liderado pelo Sudeste, com 108 iniciativas. Em seguida aparecem o Nordeste, com 99, e Centro-Oeste, com 69. Os dados regionais não incluem mobilizações e ações de incidência realizadas exclusivamente no eixo político de Brasília, no Distrito Federal.

Em relação aos temas abordados nas esferas locais, o destaque vai para as iniciativas legislativas. Ao todo, as Câmaras de 27 municípios propuseram projetos de lei ou realizaram audiências públicas com o intuito de regular o uso de agrotóxicos, com destaque para 15 iniciativas de proibição ou restrição da pulverização aérea. Destas, 12 foram aprovadas e viraram lei nos municípios de Elias Fausto, Pratânia e Uchoa (SP), Itamarandiba, Lagoa da Prata e Luz (MG), Boa Esperança e Vila Valério (ES), Campo Magro, Cianorte e São Manoel do Paraná (PR), e Glória de Dourados (MS).

Destacam-se também as iniciativas de grupos acadêmicos em 22 municípios, além de ações de educação e comunicação social sobre agrotóxicos em outras 19 localidades. O levantamento do projeto Brasil Sem Veneno é o primeiro do gênero a englobar ações nessas três esferas. Ao longo da próxima semana, cada um desses eixos será detalhado em reportagens específicas.

Imagem em destaque (Denise Matsumoto): projeto Brasil Sem Veneno mapeia resistências contra os agrotóxicos em todo o país

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