No Uol
Senhor presidente,
Em janeiro de 2019, poucos líderes internacionais imaginavam que a destruição que o senhor promoveria seria tão profunda, perversa e dolorosa no Brasil. Mas, curiosamente, já sabiam que não deveriam compartilhar a mesa ao seu lado. Naquele mês, no Fórum Econômico Mundial de Davos, o senhor teria um almoço com os anfitriões, que também convidavam todos os líderes presentes para um encontro fechado.
Quando duas dessas lideranças mundiais se deram conta com o senhor também tinha sido convidado, uma delas combinou que fariam de tudo para encontrar um local bem distante do senhor. Mesmo que tivesse de trocar a plaquinha com os nomes que o protocolo havia posto para a disposição dos convidados. “Deus me livre sentar ao lado dele”, confessou uma delas.
Quando entraram, as duas descobriram que não eram as únicas que tinham pensado nisso e, como num jogo, parte da cúpula mundial se divertia com o pavor de ter de passar uma refeição ao seu lado.
Naquele mesmo dia, o senhor esbarrou com Tony Blair, num dos corredores de Davos. Sem saber o que fazer, ele aceitou uma foto ao seu lado. Mas assim que ela foi divulgada, a assessoria do ex-primeiro-ministro do Reino Unido teve de dar explicações diante do constrangimento e das críticas que ele recebeu.
Horas depois, o senhor seria entrevistado por um grande jornal americano. Ao sair do encontro, a experiente jornalista estava em choque diante dos absurdos que ela ouviu.
Anos depois, numa outra cúpula, ouvi uma conversa entre Angela Merkel e um grupo de líderes europeus. Ao debater uma proposta, a alemã advertiu ao grupo que “os brasileiros teriam problemas” com tal ideia que seria submetida à consideração da comunidade internacional. Ela, porém, foi interrompida por outro chefe de governo que brincou: “os brasileiros têm um problema ainda maior”. Todos riram.
Vou contar aqui um segredo: eles se referiam ao senhor.
Ninguém me contou. Eu vi com meus próprios olhos como no G20 em Roma, em 2021, o senhor sequer sabia quem eram os líderes ao seu lado. E eles faziam questão de virar as costas. Basta perguntar a Olaf Scholz.
Ninguém me contou. Eu vi como embaixadores estrangeiros na ONU debochavam das decisões que o senhor mandava aos diplomatas brasileiros.
Ninguém me contou. Eu vi como, no auge da pandemia, a cúpula da OMS chamava o senhor de “louco”.
Ninguém me contou. Eu vi como diplomatas brasileiros pediram licença médica, afastamento ou foram para países insignificantes para não ter de servir à destruição que o senhor promoveu.
Com a mais alta liderança palestina, numa certa ocasião, um dos principais nomes de Ramallah me explicou que jamais imaginaria que um país com tal ativo de simpatia no mundo poderia passar por uma transformação tão profunda.
Pelos serviços de mensagens no celular, chanceleres estrangeiros debocham do senhor ao me escrever e torcem para um final de seu mandato.
No Parlamento Europeu, o senhor é tratado abertamente como “irresponsável” e “neofascista”. No Senado americano, seu nome é sinônimo de ameaça à democracia.
Na França, o governo deu ordens para dificultar ao máximo qualquer acesso de seus representantes aos canais de diálogo com uma das maiores economias da Europa.
O senhor e seus apoiadores podem achar que diplomacia é ir a coquetéis e sair na foto ao lado de gente importante. Mas não é nada disso. Política externa é política pública e instrumento de desenvolvimento social. Destruir essa arma é prejudicar a parcela mais pobre da população, não os ricos.
O último grande constrangimento que o senhor promoveu foi usar um funeral de estado para fazer campanha eleitoral, para o espanto de todos. Mas esse não foi o único caso. Com o falecido Shinzo Abe, o senhor ensaiou uma piada fora de lugar. A sala ficou em silêncio por alguns segundos. Até que o japonês, politicamente, decidiu rir. E todos respiraram aliviados.
Desprezado pelas grandes democracias, o senhor apenas foi recebido por pessoas que foram obrigadas a fechar o nariz para conseguir atingir algum objetivo estratégico com o Brasil.
Sim, o Brasil conta no mundo. E por isso a eleição neste domingo também conta.
Escrevo essa carta ao senhor com uma mensagem que o senhor já ouviu da CIA e de governos estrangeiros: respeite os resultados das urnas.
Não existe outra alternativa. Ridicularizado, o senhor apenas tem o apoio —interessado— de líderes de extrema direita, de governos autoritários ou daqueles que querem justamente o enfraquecimento da democracia ocidental.
Se o senhor optar por contestar o voto, a urna, o TSE e o sistema eleitoral brasileiro, estará jogando o Brasil num de seus momentos mais perigosos e aprofundando o isolamento do país no mundo. Para grande parte do mundo, o senhor é um bufão. Mas um bufão perigoso.
O senhor armou milhares de pessoas em três anos, com mentiras e balas. O senhor destruiu pontes e criou inimizades com alguns dos nossos principais parceiros comerciais. Há um consenso na opinião pública internacional de que o senhor faz parte de uma das aberrações do século 21 e reflexo do colapso moral de nossa geração.
A história não poupará o senhor. Isso já é um fato. Mas se a opção for por um golpe, ganharemos um capítulo ainda mais trágico e a certeza mundial de que o futuro foi uma vez mais adiado para o Brasil.
Algumas de suas decisões jamais serão reparáveis. Como trazer de volta milhares de brasileiros que foram assassinados por uma gestão criminosa da pandemia? Como restabelecer o isolamento de indígenas que viram suas terras roubadas?
Agora, ao bombardear a eleição, o senhor está também minando a confiança da sociedade em um sistema que tantos morreram para que fosse estabelecido na América Latina: a democracia.
Não ouse. Somos muitos e não aceitaremos. O mundo, que o despreza, tampouco aceitará.
Viva a democracia,
Jamil.
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Imagem: Christopher Ulrich, O Tolo