O fascismo está aqui, mas será derrotado!

Ele já é um movimento: articula-se à ultradireita global, promove o caos e vai além da liderança de Bolsonaro. Aplicar a Constituição para desmantelá-lo não é “revanchismo”, mas defender a democracia de hordas criminosas

Por Graça Druck e Luiz Filgueiras, em Outras Palavras

A diferença de 1,8 ponto percentual a favor de Lula, que lhe deu a vitória sobre Bolsonaro, embora estatisticamente pequena, expressa na verdade uma vitória gigante de Lula e da esquerda; mas, sobretudo, uma vitória extraordinária das forças democráticas do país sobre o neofascismo. Como todos sabem, essa não foi simplesmente mais uma eleição na história do Brasil.

As forças democráticas derrotaram Bolsonaro, sua família e suas milícias digitais e físicas, entranhadas nas redes sociais e presentes em algumas localidades do país, que atuaram espalhando milhares de mensagens absurdamente mentirosas, constrangendo fisicamente eleitores e promovendo todo tipo de violência simbólica e física, inclusive assassinatos.

As forças democráticas derrotaram o Estado brasileiro instrumentalizado despudoradamente pela campanha de Bolsonaro: mudanças na Constituição (com a compra de voto de parlamentares através do “orçamento secreto”) em ano eleitoral (ilegal), para permitir os gastos astronômicos que foram feitos às vésperas da eleição; uso criminoso da Polícia Rodoviária Federal no dia da eleição para dificultar e impedir que eleitores chegassem aos locais de votação (sobretudo no Nordeste); prefeituras pró-Bolsonaro reunindo pessoas do Auxílio Brasil para chantageá-las e ameaça-las de não conseguirem acessar o benefício se não votassem no 22, como ocorreu no município de Coronel Sapucaia, em Mato Grosso do Sul, demonstrado in loco (com imagens e testemunhos) por reportagem realizada pelo repórter Caco Barcellos (ameaçado quando trabalhava).

As forças democráticas derrotaram o uso político generalizado da religião por parte, sobretudo, das principais igrejas neopentecostais, transformadas em verdadeiros partidos políticos fascistas. Comandadas por conhecidos pastores bolsonaristas e com fortes interesses econômicos e políticos, praticaram assédio religioso às claras: afastamento dos divergentes da Igreja, satanização de Lula e ameaça com o fogo do inferno para os seus eleitores, uso do púlpito como palanque político, distribuição de panfletos mentirosos etc.

Por isso, a vitória de Lula, da esquerda e de todas as forças políticas democráticas foi gigantesca e inapelável. No entanto, estamos assistindo desde a decretação pelo Superior Tribunal Eleitoral (STE) da vitória de Lula, ações antidemocráticas de não reconhecimento do resultado das urnas – claramente estimuladas pelo comportamento do ainda Presidente da República: total silêncio durante quase 48 horas após o anúncio da vitória de Lula e, em seguida, um discurso pífio de dois minutos dirigido aos seus eleitores – no qual não reconheceu explicitamente a sua derrota e a lisura das urnas eletrônicas.

Organizadas e dirigidas politicamente, a partir de um centro ainda não identificável (embora previsível), essas manifestações (bloqueios de estradas, estimulados e financiados por empresas, e aglomerações à frente de unidades militares pedindo a execução de um golpe de Estado) contaram com a leniência da Polícia Rodoviária Federal (até com cenas de confraternização entre bolsonaristas e as forças de segurança). E, na sequência, se desdobraram explicitamente em apologia ao nazifascismo, cujas células políticas organizadas se encontram, sobretudo, no sul do país. Para ficarmos apenas em dois exemplos:

Primeira cena: uma massa de pessoas bolsonaristas, reunidas em São Miguel do Oeste, uma cidade de Santa Catarina, cantou o hino nacional com o braço direito estendido para frente durante toda a sua execução, uma saudação política característica do nazismo, tal como ocorreu na Alemanha de Hitler.

Segunda cena: estudantes de uma escola particular na cidade de Valinhos (interior do estado de São Paulo), reunidos em um grupo de WhatsApp, postaram mensagens nazistas com a saudação característica já mencionada, elogios à Hitler com fotos e ataques racistas aos nordestinos.

De uma vez por todas, temos que reconhecer que o fenômeno que estamos assistindo no Brasil, desde pelo menos 2013, e principalmente após a eleição de Bolsonaro em 2018, não é simplesmente um “populismo de direita” que, supostamente, se oporia a um “populismo de esquerda”. O nome tem que ser dado aos “bois”: trata-se de um movimento social de massa neofascista organizado, que não se confunde com a maioria dos eleitores de Bolsonaro, mas que conseguiu se entranhar na sociedade brasileira, e que vai muito além de Jair Bolsonaro. Mais do que implantar uma ditadura, o seu objetivo é implantar um regime fascista, no qual se controla a totalidade da vida do cidadão, em suas várias dimensões: política, social, cultural e religiosa.

Em seu último pronunciamento, esse candidato a Mussolini tropical, solicitou explicitamente que seus apoiadores levantassem os bloqueios das rodovias para que não perdessem “legitimidade” – tendo em vista os prejuízos e as dificuldades que estavam impondo à sociedade. A reação, exemplar, por parte de um dos líderes que estava à frente imediata das manifestações em Santa Catarina, foi a de negar a liderança de Bolsonaro e de continuar com as manifestações e o questionamento do resultado das eleições. Segundo ele: “Temos que ter noção de uma coisa: nós não temos mais presidente, não queremos mais o Jair Messias Bolsonaro como presidente. Queremos, sim, uma intervenção militar, queremos o Exército para vim (sic) botar ordem no nosso país”.

Em suma, o movimento neofascista dá mostras que tem uma dinâmica própria, que vai muito além da liderança momentânea de Bolsonaro; tem direção própria, para além de Bolsonaro, está articulado internacionalmente com as várias facções da extrema direita (no poder ou não) existentes hoje no mundo. Inclusive com financiamento internacional. Não se pode mais aceitar esse estado de coisas, com a normalização de um suposto “direito de expressão”, que é utilizado para destruir a democracia e desmoralizar as instituições democráticas.

A resposta a esses acontecimentos deve ser, por parte das instituições da justiça, a imediata criminalização desses atos e manifestações, tal como prescreve a Constituição e as leis do país – conforme pronunciamento do Presidente do TSE. Não se pode ser leniente e “passar a mão na cabeça”, como se fossem meros arroubos emocionais passageiros ou brincadeiras imaturas. E, mais do que isso, as células neonazistas devem ser desarticuladas e colocadas na ilegalidade, com os seus integrantes enquadrados, acusados e punidos nos termos da lei. Não se pode cogitar nenhum tipo de anistia. Isso é urgente; o próximo governo não pode tergiversar com isso: não se trata mais da existência do “ovo da serpente”, mas está-se diante da própria serpente, que cresceu e se tornou robusta nos últimos quatro anos de governo Bolsonaro. Para isso, a mobilização permanente da esquerda e demais forças democráticas é essencial; é isso que expressará a vontade inegociável da sociedade em não conciliar com os crimes da extrema-direita neofascista.

A médio e longo prazo é inadiável atacar o problema através da educação, que forma os jovens que dirigirão o país futuramente. Tem-se que tratar com competência e absoluta clareza o fenômeno nazifascista que infelicitou o mundo na primeira metade do século XX, de forma a possibilitar o aprendizado dessa tragédia, cuja repetição é sempre uma possibilidade presente nas sociedades capitalistas – potencializada, nas últimas quatro décadas, pelas consequência sociais e econômicas derivadas da forma assumida pelo capitalismo financeirizado contemporâneo. Adicionalmente, é urgente a necessidade de expansão da presença organizada das forças democráticas nas áreas populares que tem forte presença das milícias e das igrejas (neo)pentecostais.

Por fim, fica cada vez mais evidente que essa tentativa de promover um golpe já nasceu derrotada; até três de novembro, quarto dia após o início dos movimentos antidemocráticos, quase todos os bloqueios das rodovias já haviam sido suspensos, várias pessoas presas, dois mil motoristas autuados e multas aplicadas por obstrução de via que atingiam a cifra de R$ 18 milhões. Contudo, o movimento neofascista continuará existindo e tentará, sistematicamente, tumultuar a ordem democrática, mas, com persistência, coragem e dentro da lei será derrotado pelas forças políticas democráticas e a grande maioria da sociedade brasileira.

Por todas as razões aqui elencadas, e pela ação de Bolsonaro e suas milícias nesses últimos quatro anos, o futuro governo Lula não poderá negociar ou aceitar qualquer acerto que implique a anistia de seus crimes e de seus cúmplices: existem atualmente 58 denúncias de crimes comuns contra ele no Supremo Tribunal Federal – que deverão ser remetidas para a 1ª instância. O bordão “não deve haver revanchismo”, sempre utilizado na história política brasileira, para justificar o perdão a criminosos, não será aceito por quem derrotou nessas eleições, com grande sacrifício, o fascismo no Brasil. Convém lembrar as consequências políticas nefastas da anistia que foi concedida a torturadores e outros criminosos da Ditadura Militar.

O novo governo, inexoravelmente, será diplomado dia 19 de dezembro e tomará posse em 1º de janeiro de 2023. Esse será um dia muito especial, de comemoração da democracia e que deve ser marcado por uma grande festa cívica, nunca antes vista, por todo o país e principalmente na capital da República.

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