Hoje não tem Janio de Freitas

Tania Pacheco

“Jornalista Janio de Freitas deixa de publicar coluna na Folha”. Foi com esse título, em matéria sem assinatura, que a Folha de São Paulo noticiou ontem a demissão (por telefone, consta) do mais importante articulista político do País já há algumas décadas. Como subtítulo, “Referência no jornalismo brasileiro, colunista acumula feitos e textos com impacto na política”. Assim, desinformando e levando, numa leitura superficial, a crermos que Janio voluntariamente decidira não mais escrever.

Mais abaixo, outra desinformação: “O jornalista Janio de Freitas, 90, deixa de publicar sua coluna semanal na Folha a pedido do jornal, por contenção de despesas”. Contenção de despesas, Folha?

Acompanho e aprendo com Janio de Freitas há muito tempo. Bem antes de ele “deixar de publicar” cinco colunas por semana nesse jornal. Bem antes de “deixar de fazer parte” do Conselho Editorial da Folha. Bem antes de ele “deixar de publicar” a coluna das quintas-feiras e ficar restrito (ou deveria eu dizer “se restringir”?) aos domingos.

No dia 6 de dezembro, primeiro domingo após a vitória de Lula, Janio também deixou de publicar sua coluna. Fato muito esquisito, considerando não só a vitória de um e a derrota de outro, na eleição mais fundamental desde o término da ditadura, como a imediata explosão pelas ruas de uma turba que crescentemente vem se comportando como terroristas. Pois é: o maior colunista político do Brasil, crítico arguto da abjeta conjuntura contra a qual lutamos e à qual sobrevivemos terá ido para a praia, talvez?

Desde o início desta semana, fiquei me perguntando qual seria o tema da coluna de hoje. Mas sei que, fosse ele qual fosse, nos traria uma análise que me faria parar e refletir. E que dificilmente deixaria de reservar um parágrafo que fosse para, mesmo que en passant, adjetivar a “PEC da Gastança” da Folha.  Título muito bem escolhido, aliás, pois sintetiza em involuntária autocrítica a posição do jornal ante a meia-dúzia de farialimers, de um lado, e os milhões que lutam para não morrer de fome, de outro.

A matéria da Folha, que anuncia que Janio “deixará de publicar” sua coluna e logo em seguida cita seus 90 anos, segue registrando de forma elogiosa a trajetória profissional do jornalista. Para leitores que acreditaram na motivação financeira, esse reconhecimento seria algo positivo, que tornava ainda mais difícil aceitar a decisão do jornal. Pois bem…

Todas as pessoas que já frequentaram as ‘redações’ sabem que quando pessoas públicas estão gravemente doentes ou chegam a idades que o insigne Mercado passa a considerar “um peso”,  alguém é indicado para pesquisar suas vidas e manter atualizados seus obituários, a serem publicados junto com a notícia das mortes. Foi exatamente isso que recordei, ao ler o registro da elogiada trajetória profissional de Janio de Freitas. E duvido que ele não tenha sentido isso também, se se dignou a ler a ‘notícia’.

Pior: em diversos veículos, os 90 anos tiveram destaque desde o título, e os exemplos de sua importância seguiram o caminho pavimentado pela Folha, lembrando vitórias de décadas passadas. Em alguns, inclusive, a ênfase aos 90 anos de idade parecia sugerir que Janio merecesse o respeito do jornal não pela sua competência e altíssima qualidade profissional, mas por ser um (nada doce) velhinho que lá havia passado seus mais recentes 42 anos.

Os 90 anos de Janio de Freitas não merecem respeito apenas quanto a comemorarem nove décadas de vida. Merecem, principalmente, pelo que nos desafiam em termos de coerência, de acuidade, de honestidade profissional e de amor a este País, ontem e hoje. Coisas que faltam a seres etariamente muitíssimo mais jovens que o jornal (e outros veículos) mantêm em suas folhas de pagamento.

Nem sempre concordei com as opiniões de Janio. Várias vezes discordei enfaticamente e cheguei mesmo a cortar relações com ele, embora tenham sido sempre relações unilaterais e ele sequer tenha sabido disso. Mas repito: Janio, com suas análises, fará uma imensa falta aos meus domingos e à minha vida de ser político. Só espero que rapidamente isso deixe de acontecer.

Adeus, Janio na Folha. Bem-vindo, Janio… onde?

 

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