Há quase dois anos que, semanalmente, publico algo aqui. Digo algo porque não sei ao certo se crônica ou conto. Ou só texto mesmo. Para ser franco, nem sei ao certo a diferença entre uma crônica ou conto. E para cada um a quem perguntei, as respostas, sempre inéditas, se sucederam em tal volume que deixou de ser importante. Passei a escrever e só. Sem me importar com o nome do que escrevo.
Mas hoje é diferente porque é Natal. Sim, eu sei que para muitos é apenas um dia com nome próprio no calendário. Que, talvez, Jesus sequer tenha realmente nascido neste dia ou mesmo no ano em que o calendário diz que nasceu. Ou mesmo que tenha nascido. Ou, ainda, nascido, não era o khristós das escrituras. Mas, creio, pouco importam os fatos. Como tudo do passado real ou imaginário, torna-se história. É ela que resta e nos anima com verdades ou mentiras, alegorias, exageros ou a mais pura verdade. Numa história tudo isso se mistura com um único propósito: afetar espíritos a ela sensíveis.
Há tempos, acalentamos em nossas histórias como cidadãos vícios morais. Um deles, a violência, estruturante de tantas das nossas relações, tornou-se sufocante nos últimos anos. A violência está presente no Novo Testamento e dela Jesus é vítima. O sensato para qualquer um que se diz cristão seria rejeitá-la e praticar o amor cristão. Aquele que em grego se diz ágape e em latim, caritas. E na linguagem das ações quotidianas se fala através de abraços, respeito e perdão. Jamais em ofensas, ameaças, agressões ou, pior, tortura ou morte.
As histórias que o dia de hoje deveriam inspirar, sejam quais forem as narrativas, deveriam ser histórias de amor. O dia marcado em vermelho no calendário deveria nos unir amorosamente, ainda que pelo momento efêmero de um jantar em família ou do almoço com o pessoal da firma. Deveríamos nos esquecer de tantas tristezas e festejarmos o fato de estarmos vivos. Deveríamos, de alguma maneira, não sei por contos, crônicas, fábulas, narrativas ou rezas, sermos capazes de, pelo menos por um tempinho, não crer que a violência seja capaz de mudar para melhor qualquer coisa em nossas vidas. Deveríamos, só por um tiquinho de tempo, tentar encontrar em nós o melhor de nós mesmos. Deveríamos não porque o calendário determina, mas porque precisamos de um tempinho para tanto.
É pelo calendário que hoje não tenho história para contar. A que faria sentido no dia de hoje já foi contada há muito tempo. E por tanto tempo recontada por gente melhor, mais digna e talentosa do que eu. Não tenho que lhes contar, mas tenho a sugerir: não importa como seja a sua história de hoje, apenas aproveite para que seja capaz de despertar bons sentimentos como união, paz e amor. E não de golpe militar, guerra civil e apelos caricatos a Deus ou a Jesus para que gente armada faça o que foi ensinada a fazer.
Então, hoje, este texto é mais dispensável que em outros dias. Troque-o por um abraço. Agora mesmo. Procure quem você ama e abrace, sem falar nada. Se há amor, não precisa falar. Se estiver longe, ligue. Diga que queria abraçar. E se olhar em volta e, neste dia, perceber que não há a quem abraçar, não se desespere. Há, por certo, amor em você. Ainda que escondido por ressentimentos – escombros de enganos e ilusões frustradas – ele está aí. Este é o momento de buscá-lo e, com ele, preocupar-se em encontrar mais alguém a abraçar que alguém a punir pelos males do mundo.
Feliz Natal!
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Ilustração: Mihai Cauli