O verme capitão e seus customizados em série. Por Tarso Genro

em Terapia Política

Em 21 de abril, no aniversário da fundação de Roma, Giovane Gentile, uma espécie de Ives Gandra de Mussolini – filósofo conhecido da elite europeia – publica no “Il Poppolo d’Itália” um “Manifesto dos Intelectuais Fascistas”, que defendiam uma fé fascista, uma religião fascista, um ódio fascista à decadência do ocidente. Este Manifesto corresponderia aqui, na era dos Tik-Toks, dos Whatsapps, à declaração de voto de Bolsonaro no impeachment de Dilma, com as suas mensagens infames, contra a grandeza de uma mulher que era deposta e enfrentava de cabeça alta os seus verdugos. Num só gesto Bolsonaro inaugurava uma era do “nada”: o vazio de perspectivas da história da democracia seria um substitutivo da crise da democracia liberal.

Adorno lembra, nos seus estudos sobre o radicalismo de direita, que é nos períodos modernos, mais narcísicos, que a dissolução das utopias se transforma em “eras de expectativas decrescentes”. Neles emerge a desesperança social numa “franja de lunáticos” que, em condições sociais dadas, tende a se ampliar. Em estudos posteriores, como aqueles apresentados numa Palestra de 1967, o filósofo constata que estes grupos não são somente compostos por “lunáticos”, mas igualmente por antecipadores de um “estado de alma generalizado”, que toma forma num “desejo coletivo do apocalipse. ”

Retiro estas constatações do texto de Adorno “Aspectos do novo radicalismo de direita”, no qual o radicalismo – sempre mutante – carrega não só os germens de uma renovação essencial do fascismo, como também um projeto específico do sistema do capital. E também novas formas de luta e novas políticas de brutalidade, material e moral, que são aceitas ou assessoradas, por partes significativas da imprensa tradicional, depois pelas redes do crime político organizado e, igualmente, pelos militares com pretensão política, aliados com as religiões do dinheiro.

Enzo Traverso (“Las nuevas caras de la derecha”, Siglo Veinteuno, 2018) vai no mesmo sentido, ao observar outras experiências depois do fim do “pós-fordismo” (em 1980), quando constata que, neste contextos, já se “desagregaram os marcos sociais da memória”: a dissolução da força política do proletariado clássico, como sujeito de um parto histórico fundado no socialismo e no comunismo, esvaziou-se. Neste vazio de sujeitos organizadores ou referenciais da sociedade de classes, é que surgem figuras-síntese do “cansaço da democracia liberal”. Elas são originárias das suas formas tortuosas de dominação e da eficácia da deseducação programada pelo sistema político, sempre avesso às formas mais diretas de participação política.

As campanhas criminosas nas redes não são somente formas novas de comunicação, são sobretudo formas científicas de subsunção mental, de uma grande parte da população, para aceitarem – nos novos tempos de deságio da esperança – a destruição dos laços sociais do cotidiano comum. Mas, atenção: trocando-os, não pela esperança num futuro melhor a ser construído em sociedade pela ação política, mas sim pela tentativa de fazer reviver os laços de um passado que só existe na imaginação romantizada pela alienação.

Veio Bolsonaro – por exemplo – por dentro desta decadência irreversível do modo de vida agregador da vida industrial, bloqueando a memória que seria transmitida para as gerações atuais. Forma, com sua verve de ódio, um oceano de “nadas” (Ernst Bloch) que, na ausência dos trabalhadores formais na resistência, dá relevo às narrativas parciais de cada grupo social oprimido – cultural, étnico, de gênero, sexual – que ora se ergue com dignidade no cenário político.

A contundência da mensagem destes grupos vem do fato que, posto que a esquerda tradicional não soube – em nenhum momento das suas estratégias políticas – antecipar-se à mudança dos tempos, quando o cansaço liberal-democrático ficou claro. Nestes novos tempos se sucederam classes em confronto sucedido por acordos de classe vazios de compromisso, nos quais parte majoritária do capital conseguiu se impor ao “nada” de esperança (“ao fim das ideologias”) e a esquerda emplacou políticas de transferência de renda, não como transição socialdemocrata, mas como finalidade estratégica compensatória. A ideologia do empreendedorismo utópico, que combinava o fascismo com o neoliberalismo, neste cenário, torna-se a nova utopia dos pobres e dos desempregados.

A sinceridade da desesperança em qualquer solução democrática, foi o que deu legitimidade a Bolsonaro para dizer que defendia a tortura, que voltaríamos ao tempo em que a empregada voltaria a tomar café da manhã conosco, que os pobres deveriam ser justiçados pelos esquadrões dos bandidos a serviço da causa que ele defendia, que os negros deveriam ser pesados por “arrobas” e que é muito melhor trabalhar 16 horas por dia, sendo dono imediato do “meu nariz, do que um empregado onde se conhece o patrão.

Assim o pequeno capitão, sem nenhuma resistência potente dos “grandes operadores da mídia”, com o apoio das classes médias ricas e de grande parte das camadas baixas, foi crescendo numa sociedade já cansada de pagar, proporcionalmente, os impostos mais altos do mundo, comparativamente aos impostos pagos pelos ricos do cassino financeiro global e local. A lenta e planejada morte da democracia (pretendeu Bolsonaro) sucederia o fascismo novo tipo, que unificaria o povo em torno dos mitos do mercado e os trabalhadores, em torno do emprego para poucos e os serviços escassos para muitos.

Política e crime se integraram de forma definitiva no cenário da nação, já que a mensagem central do líder, que ora vai para o lixo, deixou filhotes customizados em série, que ainda vão buscar o poder, com uma base social não menor do que 1\4 da população, para quem a vida humana não vale nada, a terra é plana, Foucault pode ser Secretário do ministro Dino, Lula é um comunista perigoso e Deus pode ajudar em golpes do Estado. A Hidra não foi anulada e vai preparar um novo surto de violência: em nome de Deus, da Pátria e da Família que para eles é apenas um slogan despido de realidade e de humanidade.

Ilustração: Mihai Cauli

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