Por Nicoly Ambrosio, Amazônia Real
O Amazonas registrou um aumento de 546% de internações de pacientes com Covid-19 em um período de 15 dias no mês de fevereiro. No dia 1° deste mês haviam 13 pessoas internadas nas unidades de saúde do estado. No último dia 15, o número de doentes internados chegou a 84 pessoas – 13 no interior e 71 na capital. Os casos de Covid-19 passaram de 16 para 211 (1.218,75%) no mesmo período no estado. Os dados são do Boletim Diário da Fundação de Vigilância em Saúde (FVS) divulgado nesta quarta-feira (15). O boletim desta quinta-feira (16) ainda não foi finalizado.
De acordo com o boletim da FVS, entre os pacientes internados em Manaus, 22 não tomaram nenhuma dose da vacina contra a doença e 25 estão com o esquema vacinal incompleto. No interior do estado, são 4 pacientes internados sem nenhuma dose e 8 que não possuem esquema vacinal completo, sem as doses complementares.
A explosão de casos preocupa em um cenário onde apenas 69,7% da população amazonense tomou a terceira dose e 16%, a quarta dose, de acordo com o levantamento da FVS.
Dados parciais do Programa Nacional de Imunização apontam que 8.699.836 doses foram aplicadas em todo o estado até esta quarta-feira (15), sendo 3.372.836 de primeira dose, 2.857.378 de segunda dose, 75.736 com dose única, 1.717.877 de 1ª dose de reforço, 672.870 de 2ª dose de reforço e 3.139 de dose adicional para os imunossuprimidos. Nesta quarta-feira, começou na capital e em 15 cidades do interior a vacinação da dose bivalente, também conhecida como quinta dose.
O epidemiologista Jesem Orellana, da Fiocruz Amazônia, afirmou em entrevista à Amazônia Real que o aumento de casos se deve ao cenário desfavorável de “pico do período chuvoso, massivo retorno escolar, subnotificação de casos resultante de uma vigilância epidemiológica e laboratorial ineficaz e a proximidade do carnaval, com toda a aglomeração que naturalmente a festa provoca”.
Para o pesquisador, esses fatores devem contribuir à uma elevação ainda maior no número de casos positivos e o consequente aumento de internações e óbitos evitáveis já que, segundo ele, o processo de vacinação com as doses da vacina bivalente é lento e foi negligenciado pela gestão anterior do Ministério da Saúde.
“Essas vacinas foram aprovadas pela Anvisa desde novembro de 2022. Como a gestão anterior do Ministério da Saúde [do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro] foi totalmente negligente e irresponsável com essa pandemia, incluindo as vacinas, esse cronograma de vacinação de 2023 atrasou. É por isso que essa campanha com a vacina bivalente só está iniciando agora, e infelizmente este atraso vai custar muitas vidas, internações e adoecimentos desnecessários”, explicou.
Na capital do Amazonas, para incentivar a população a se vacinar contra a covid-19, a Prefeitura disse à a Amazônia Real que está fazendo campanhas publicitárias, divulgação diária dos locais de vacinação nas redes sociais, divulgação rotineira de informações sobre a vacinação na mídia e acesso ampliado aos pontos de vacinação, que são cerca de 70 durante a semana, alguns com horário de atendimento ampliado e aos sábados.
Dose bivalente
O Ministério da Saúde divulgou no dia 26 de janeiro o plano de vacinação contra Covid-19 para 2023. Na primeira etapa, que começará em 27 de fevereiro, as pessoas serão vacinadas com o reforço do imunizante bivalente da Pfizer. Esta vacina é uma atualização em relação aos primeiros imunizantes fabricados contra a doença, e protege contra a cepa original do coronavírus e as subvariantes ômicron.
No Amazonas, a campanha de vacinação bivalente foi antecipada para esta quarta-feira (15), com doses disponíveis em Manaus e em outros 15 municípios do interior, sendo eles Atalaia do Norte, Autazes, Benjamin Constant, Careiro, Careiro da Várzea, Iranduba, Itacoatiara, Manacapuru, Manaquiri, Novo Airão, Parintins, Presidente Figueiredo, Rio Preto da Eva, São Gabriel da Cachoeira e Tabatinga.
Em Manaus, as autoridades instalaram 70 pontos de vacinação com a dose bivalente, para dar continuidade à ampliação da cobertura vacinal na cidade. A vacinação é feita de segunda a sábado e a população apta a imunização nesta primeira etapa são idosos com 60 anos ou mais, gestantes e puérperas, pessoas imunossuprimidas, pessoas vivendo em instituições de longa permanência e seus trabalhadores, indígenas aldeados, ribeirinhos e quilombolas.
Em nota, Ministério da Saúde antecipou também a vacinação bivalente na Terra Indígena Yanomami. Cerca de 20 mil doses das vacinas serão enviadas nos próximos dias para dar início à campanha.
Segundo o Ministério da Saúde, a vacinação dos Yanomami estava prevista para se iniciar na primeira etapa da campanha 2023, que começa a partir de 27 de fevereiro. No entanto, devido à grave crise sanitária e humanitária encontrada no território, a campanha foi antecipada.
“A ação de vacinação será operacionalizada junto à Secretaria Estadual de Saúde de Roraima, com o apoio dos profissionais de saúde e da Força Nacional do SUS, que está na região para reforçar o atendimento aos Yanomami”, disse o governo na nota oficial.
Jesem Orellana afirmou que, apesar do atraso e considerando o forte período chuvoso e as massivas festas de carnaval, por exemplo, as vacinas bivalentes vão “certamente, aumentar a proteção desses grupos prioritários, em especial dos pacientes imunocomprometidos”.
Para o epidemiologista, é difícil reverter a descrença nas vacinas por parte da população devido ao efeito negativo das fake news que segundo ele, intoxicaram a mente de leigos e até de profissionais de saúde.
“Não há outro caminho, temos que reforçar as campanhas em variados meios de comunicação e plataformas, investir mais em atenção básica ou equipes de saúde da família na comunidade e não apenas dentro de postos de saúde, na qualificação e treinamento contínuo de trabalhadores de saúde, bem como a penalizar as pessoas/entidades que insistem em difundir inverdades sobre o inegável efeito protetor das vacinas, em especial das vacinas que evitam doença grave e morte por Covid-19, por exemplo”, disse.
Jesem Orellana alerta para a necessidade de cuidados preventivos, tais como uso de máscara em ambientes fechados e com aglomeração, como em eventos, transporte coletivo, manutenção do distanciamento social, higienização das mãos e atualização do esquema vacinal, para quem ainda não tomou todas as doses indicadas para sua faixa etária. “É crucial a intensificação dos cuidados preventivos, para que se evitem novos casos”, conclui o epidemiologista, que é um dos cinco pesquisadores retratados na série “Ciência na Amazônia”.
A Amazônia Real enviou perguntas complementares para a Secretaria de Estado de Saúde do Amazonas (SES), tais como a previsão da aplicação da vacina bivalente para outras faixas etárias, a que a Secretaria e o Governo do Amazonas atribuem o aumento de internações e casos de Covid-19 e as ações para incentivar a população a se vacinar, mas órgão não respondeu.
A Secretaria Municipal de Saúde (Semsa) se limitou a enviar informes oficiais e links que direcionam a dados de covid, vacina e óbitos. A assessoria não respondeu se as autoridades de saúde do município atribuem este aumento de casos e internações. A assessoria da Semsa disse que ainda não há previsão de vacina ambivalente para outros grupos ou faixa etária além dos acima de 60 anos.
Em outubro de 2022 o Amazonas chegou a retornar para a fase amarela (baixo risco) da Covid-19, mas no mesmo mês registrou um aumento de 190% nos casos da doença, sem óbitos. Em novembro do mesmo ano, os casos de Covid-19 no Amazonas aumentaram seis vezes nos primeiros dias em comparação com o mesmo período em outubro. A causa da explosão naquele período foi a subvariante denominada BE.9, surgida no Amazonas e identificada pela equipe da Fiocruz-Amazônia.
A capital amazonense ficou marcada como o epicentro da Covid-19 no Brasil, com registros de ao menos três grandes ondas. A mais trágica aconteceu em janeiro de 2021, quando pacientes morreram por falta de oxigênio nos hospitais.
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Foto: Liam Cavalcante/Amazônia Real