A Amazônia que conta. Por Lúcio Flávio Pinto

Na Amazônia Real

A 11ª abertura nacional da colheita de soja do Brasil foi realizada pela primeira vez no Pará, na semana passada. A escolha do Estado, que é apenas o 13º do país na produção desse grão, com 1,5% do total, parece ter tido a intenção de aproveitar a ocasião para destacar o acontecimento.
É esperada, na safra 2022/23, uma produção de 153,5 milhões de toneladas, 30 milhões de toneladas a mais do que na safra anterior, 20% superior aos 123,8 milhões de 2022 – e a maior do mundo. A área plantada é de 43,4 milhões de hectares. O território da soja, se formasse um Estado, seria o 6º maior do Brasil, atrás da Bahia.

A festa dos sojeiros foi no distrito de Tipizal, a menos de 30 quilômetros de Santarém, a principal cidade do Médio Amazonas Paraense e a terceira em população do Estado, localizada a quase mil quilômetros do litoral, num dos mais famosos encontros de grandes rios da Amazônia, o azul Tapajós e o barrento Amazonas.

Em Tpizal, com uns mil habitantes, funciona uma Associação dos Moradores e Produtores Rurais da Comunidade, fundada há poucos anos. Seu principal produto é o tomate, vendido no próprio local. Evidentemente, não foram esses pequenos produtores que atraíram o evento nacional em torno da soja.

A sede da festa foi a Fazenda Modelo. Não é, como pode sugerir a designação, uma unidade experimental do governo. É uma propriedade particular de uma família de sulistas, que, em 2013, comprou uma área de 750 hectares em Tipizal e a usa integralmente para a produção de soja, valendo-se de alta tecnologia.

A família produziu soja durante 26 anos em Nova Mutum, em Mato Grosso, o líder do ranking brasileiro. Nos seis anos em Santarém, ainda produz pouco, 150 mil toneladas, mas a produtividade, que começou com 52 sacos por hectare, já atingiu a média nacional, de 60 sacos por hectare. Os Neumann acreditam que chegarão a 70 sacos logo.

A razão: a produtividade do solo no Pará e, em particular, no Tapajós, em função de sol e umidade, é maior do que no restante do Brasil. Fatores que existiam em Mato Grosso, mas, em algumas partes do Estado, começaram a declinar com a expansão do desmatamento. Os Neumann dizem que em Tipizal não desmataram, mas a floresta ao fundo do plantio uniforme de soja não deixam esconder que onde está o grão havia árvores. E não há mais.

Por enquanto, a produção do Pará é proporcionalmente pequena, embora já seja o produtor agrícola mais exportado. Sua função maior no momento é servir de passagem para a exportação de soja. Mas espera-se que os 4,5 milhões de toneladas de hoje se tornem 30 milhões, escoados por três portos: Miritituba, Santarém e Vila do Conde. A multiplicação deverá ser maior quanto à produção, ainda em um milhão de toneladas.

Presente à abertura da safra, o governador Helder Barbalho proclamou que o Pará é um Estado agrícola, que já está entre os 10 maiores exportadores do país, vendo passar um mundo de soja pelos seus rios e estradas (logo deverá ser também por ferrovia). Da festa, porém, não participaram os agricultores de Tizipal. Dela foram esquecidos os milhares de moradores das beiras dos abundantes rios da região, que ocupam as áreas mais férteis da Amazônia. São os 150 mil quilômetros quadrados de várzeas, inundadas e fertilizadas todos os anos pelo rio Amazonas, gratuitamente, sem precisar de adubos químicos, garantindo culturas de ciclo curto, como os alimentos, que garant em a vida dos habitantes da Amazônia há milênios. Mas esta Amazônia não cabe nos projetos da soja. É como se não existisse.

Foto de Arthur Massuda / Cimi: desmatamento e soja avançam na TI Munduruku do Planalto Santareno

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