Governador seguiu cartilha bolsonarista na gestão levando MG a se tornar o estado que mais destruiu a Mata Atlântica
Por Alice Maciel, em Agência Pública
O governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), se vangloria de estar “avançando na pauta verde” e de ter sido o primeiro da América Latina a assinar um acordo para zerar a emissão líquida de gases de efeito estufa até 2050, mas na prática, tem seguido à risca a cartilha bolsonarista na gestão do meio ambiente. Desde seu primeiro mandato, ele vem promovendo um desmonte na fiscalização ambiental, que atualmente está sob o comando do coronel aposentado da Polícia Militar Alexandre Leal após 11 trocas em quatro anos.
Nomeações políticas em cargos estratégicos, historicamente ocupados por técnicos, afrouxamento da legislação, alterações na estrutura administrativa da Secretaria de Meio Ambiente (Semad) que enfraqueceram o combate aos infratores, e a perseguição a servidores, têm beneficiado os desmatadores, o agronegócio e as mineradoras.
O resultado: um avanço alarmante no desmatamento do estado, que perdeu 166,7 mil hectares de florestas naturais entre 2019 a 2022. Ao longo do primeiro mandato de Zema, o desmatamento avançou 82,2%, se comparados os números de 2019 (26,2 mil hectares) a 2022 (46,6 mil hectares). Os dados são do MapBiomas.
Nesse período, Minas foi o estado brasileiro que mais destruiu a Mata Atlântica, ficando em primeiro na lista de desmatamento, alcançando 29,7 mil hectares. Em 2022, a área desmatada chegou a 11,8 mil hectares, valor quase cinco vezes maior do que o de 2019.
Servidores da Semad relataram à Agência Pública que a área de fiscalização do órgão, comandada pelo ex-coronel Leal, está passando por um processo de militarização, com o aval da Secretária de Meio Ambiente, Marília Carvalho de Melo. De acordo com eles, além de circular internamente a informação de que outras unidades regionais serão ocupadas por PMs, Leal tem feito reuniões extensivas aos moldes das exigências militares, “para falar sobre lealdade institucional” e já providenciou uniformes à equipe, “semelhantes aos dos policiais”. “A Semad nunca teve antes subsecretário proveniente da PMMG, sempre foram servidores efetivos de carreira antes da gestão Zema”, observou um fiscal veterano. Temendo represálias e perseguição, os servidores ouvidos pela reportagem pediram anonimato.
Leal foi nomeado ao cargo em fevereiro de 2022, por influência do deputado estadual Noraldino Júnior (PSC), denunciado por ONGs ambientalistas e parlamentares da oposição por fazer lobby para mineradoras – fato que ele nega. O ex-coronel é o 11º a ocupar a vaga ao longo de quatro anos. Além de Leal, até agora apenas um deles havia passado mais de um ano na Subsecretaria.
“Quando se pensava em progredir com um projeto, chegava alguém sem qualquer vínculo com as rotinas da fiscalização ambiental, de forma que era necessário paralisar tudo para dar conhecimento ao novo titular da pasta sobre a matéria. Quando este começava a ter o mínimo entendimento sobre a pauta, era trocado novamente por outro indicado e tudo era paralisado novamente. Desde o início do Governo Zema, este cargo se tornou uma espécie de leilão para apadrinhados políticos”, desabafou um servidor da área.
Em 9 de março, Zema enviou um Projeto de Lei à Assembleia Legislativa de reforma administrativa que retira das Superintendências Regionais de Meio Ambiente a atribuição, prevista atualmente, de planejamento da fiscalização e de decisão sobre as multas, concentrando o poder da fiscalização na Subsecretaria de Leal. De acordo com o texto, o ex-coronel terá a palavra final ao fim do processo administrativo, após a defesa do autuado, sobre a manutenção e valor das penalidades, o que hoje é feito pelas regionais.
Essa, no entanto, não é a primeira tentativa de mudança administrativa na área realizada pelo governador. Em 2019, também por meio de uma reforma administrativa (Lei 23.304, de 30 de maio de 2019) ele alterou a estrutura do setor, extinguindo a Superintendência que tratava de emergências ambientais e as diretorias que exerciam atividades de fiscalização in loco. Com isso, perdeu-se 20 servidores e fiscais, passando de 46 para 26.
Uma das diretorias extintas, por exemplo, foi a de fiscalização dos recursos hídricos, atmosféricos e do solo. Para se ter uma ideia, em 2019 a Semad aplicou 719 multas por extração de água subterrânea sem outorga, ou seja, sem autorização do órgão ambiental. Em 2022, após a nova legislação, foram 101 multas.
“Com esta mudança, a fiscalização ambiental do Estado perdeu parte de seu poder coercitivo, haja vista a diminuição do número de fiscais ambientais, que foram removidos para outros setores do órgão com fins ao exercício de outras atividades, que não a fiscalização. Perdeu-se ainda a experiência de fiscais com vivência de campo e conhecimento das práticas fiscalizatórias, referência para os novos servidores. O tempo de resposta aos atendimentos de campo aumentaram, haja vista a transferência de todo o corpo de fiscais do órgão para as unidades regionais. Começava aí o desmonte da fiscalização ambiental promovida pelo Governo Zema, sob a justificativa esdrúxula de enxugamento da máquina pública a qualquer preço”, destacou o servidor do governo.
“Em nota enviada após a publicação da reportagem, a Semad afirmou que “vem desenvolvendo, nos últimos quatro anos, diversas ações de fortalecimento da fiscalização ambiental no Estado, com foco no combate ao desmatamento e atividades ilegais que afetam o meio ambiente” Ainda segundo a Semad, o ex-coronel Leal foi selecionado por critérios exclusivamente técnicos, tendo “experiência de mais de oito anos em fiscalização ambiental na PM de Meio Ambiente e formação em gestão ambiental” e a “fiscalização ambiental é também exercida, com maior efetivo e excelência, pela Polícia Militar de Meio Ambiente”. A nota pode ser lida na íntegra aqui.”
Agronegócio blindado
No primeiro ano de mandato, em 6 de setembro de 2019, data de aniversário da Secretaria de Estado de Meio Ambiente, Zema gravou uma mensagem de vídeo aos servidores dizendo que o órgão precisava “deixar o Estado crescer, especialmente o agronegócio”. Nos anos seguintes, ao longo de sua gestão, o setor foi especialmente beneficiado pelo governador.
Zema blindou os setores agrossilvipastoril e agroindustrial da fiscalização ambiental. Por meio do decreto 47.838/2020, eles passaram a ter infrações com valores 30% menores do que os praticados por outros setores, mesmo depois de o governador ter reduzido o valor das multas gerais, ao transformar várias infrações graves e gravíssimas em leves.
Relatório de fiscalização produzido pela Semad no mesmo ano, no entanto, apontou que a maior quantidade de multas aplicadas estavam relacionadas ao agronegócio e à mineração: “Percebe-se o alinhamento das multas com as principais atividades econômicas do Estado, o agronegócio e a mineração”, diz o documento.
O maior desmatador de Minas, o empresário Walter Santana Arantes, sócio de três das maiores redes de supermercados mineiras, BH, Mineirão e Epa, é do ramo do agronegócio, sendo um dos maiores latifundiários do Norte de Minas, região onde estão as duas cidades com maior índice de desmatamento dos principais biomas do estado nos últimos quatro anos – Buritizeiro (4,48 mil hectares de Cerrado) e São João do Paraíso (3,91 mil de Mata Atlântica). Recentemente, em 9 de março, foi nomeado também um policial aposentado da Polícia Militar do estado, João Geraldo Moreira, para cuidar da gestão desta unidade regional de fiscalização.
Conforme noticiado pela Repórter Brasil, Walter Arantes é acusado de ser o mandante de ameaças na disputa por terras localizadas nas margens do Rio São Francisco. “Entre as estratégias de intimidações estão funcionários armados, abordagens agressivas e o voo constante de drones vigiando os passos dos quilombolas e vazanteiros”, descreve a reportagem.
Ele possui 29 autuações junto ao órgão ambiental mineiro, que somam R$394,2 milhões. Dentre as autuações, a única multa paga por ele ao Estado foi no valor de R$420,94. O restante é questionado pelo infrator, que tem 70% de suas autuações relacionadas a intervenções florestais com desmatamento em grandes áreas de Mata Atlântica e Cerrado, corte de árvores nativas constantes na lista oficial de espécimes da flora brasileira ameaçadas de extinção, supressão de floresta em área de preservação permanente, dentre outras.
Um vídeo de seu filho, Frederico Arantes, reclamando dos órgãos ambientais, foi exibido pela secretária Marília Melo aos servidores, durante evento institucional, em 26 de outubro de 2021, com foco em mudança de valores e práticas, a fim de que os servidores avaliassem a ótica de quem está do outro lado. “Meu nome é Frederico, sou produtor rural aqui do Norte de Minas, a região que eu tenho laços, raízes, eu vim aqui fazer esse vídeo, falar da dificuldade que nós temos com os órgãos ambientais no norte de Minas. A fiscalização muitas vezes, ou na maioria das vezes é arbitrária”, disse na gravação.
O decreto 47.838/2020 assinado por Zema criou ainda a autodenúncia ou “denúncia espontânea”, que isenta os produtores de pequeno porte dos setores agrossilvipastoril e agroindustrial de penalidade, mesmo após a fiscalização, caso ele próprio se denuncie. Por meio da denúncia espontânea, a responsabilidade administrativa do infrator poderá ser excluída, nos casos de instalação ou operação de atividades potencialmente poluidoras ou degradadoras do meio ambiente sem a devida licença ambiental ou outorga de recursos hídricos.
Além disso, o agricultor que comete infrações consideradas leves, primeiro é notificado e tem um mês para retificar a situação antes de ser autuado. E a norma ainda ampliou a possibilidade de aplicação da notificação de uma para três vezes. Só depois, se ele não regularizar a situação, que recebe a multa.
Projetos de mineração predatórias também avançaram durante o governo Zema, conforme destacou a ambientalista do projeto Manuelzão da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Jeanine Oliveira. “A gente nunca teve uma gestão verdadeiramente comprometida com a área ambiental, mas hoje existem muitos projetos, que estão conseguindo licenças, via Executivo, que outros mandatos não tiveram disposição”, observou.
“Por exemplo, mineração da Serra do Curral, estamos enfrentando há décadas, o primeiro projeto que a Tamisa apresentou é de 2012, só que ninguém tinha coragem de fato de licenciar, o governo Zema licenciou; Retomada das atividades da Samarco, o governo Zema autorizou; a ampliação da mina da Anglo American, em Conceição do Mato Dentro, também ganhou licenciamento durante o governo Zema”, disse, acrescentando: “bom nunca foi, mas igual é agora, também nunca foi”.
Raposa no galinheiro
Para além do afrouxamento de normas que favorecem o agronegócio, o novo projeto capitaneado pela secretária de Meio Ambiente de “Otimização da Regularização Ambiental” coloca a Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (FIEMG), que atua na defesa do setor produtivo, no centro do debate sobre a legislação de regularização ambiental do estado.
O projeto, que está sendo implementado desde agosto do ano passado, consiste na contratação de prestadores de serviço técnico especializado “para avaliar e sugerir melhorias nas leis referentes à regularização ambiental”.
“Reconhecemos haver gargalos que devem ser melhorados. Com esses estudos, teremos um panorama desse cenário e mais subsídios para discutir os pontos de melhorias. Todo o levantamento feito será analisado por nós e debatido com a sociedade. Para as mudanças sugeridas, faremos consultas públicas. Se aprovadas, serão implementadas. Pretendemos, juntos, melhorar esse serviço, trazendo mais celeridade para os processos”, defendeu a secretária Marília Melo.
O projeto, no entanto, está sendo financiado pela FIEMG, que desembolsou mais de R$ 700 mil para a contratação de quatro consultorias ambientais. São elas: Engenho Nove Engenharia Ambiental Ltda; Gaia Consultoria Ambiental; Amplo Engenharia e Gestão de Projetos e FW&C – Figueiredo, Werkema & Coimbra Advogados Associados.
Ao ser questionada pela deputada estadual Beatriz Cerqueira (PT-MG), sobre possível conflito de interesses, durante audiência pública realizada na Assembleia Legislativa em dezembro, a secretária justificou que há um modelo de governança estabelecido para não haver conflito de interesses. Segundo Melo, houve um decreto que possibilita a captação de recursos externos para pagar a consultoria. “Mas toda a gestão é feita pelo governo estadual”, ressaltou.
“A Fiemg disputar a pauta dela está certo. Errado está é o governo de não ver isso como um problema e não zelar pelo nosso meio ambiente”, contrapôs Cerqueira.
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Entre 2019 e 2022, Minas Gerais foi o estado brasileiro que mais destruiu a Mata Atlântica (Divulgação MPMG)