Famílias do acampamento Bota Velha conquistam terra em Murici (AL)

A conquista ocorre após duas décadas de resistência frente aos conflitos na Zona da Mata do estado

Texto e foto: Lata Tapety – CPT NE II

Com alegria, a Comissão Pastoral da Terra (CPT) celebra a conquista das famílias camponesas da comunidade de Bota Velha, situada no município de Murici (AL). Depois de mais de duas décadas de resistência na luta pela terra, no dia 15 de março, a área foi adquirida pelo Governo do Estado de Alagoas, por via de desapropriação, para se transformar num assentamento.

Desde 1999, os camponeses e as camponesas dos acampamentos Bota Velha e Santa Cruz, na mesma fazenda, enfrentavam conflitos no campo na Zona da Mata do estado. Foram muitos anos de perseguição, com a destruição das lavouras, despejos e ameaças de despejo.

As ocupações resistiram a vários mandados de reintegração de posse, sendo o último em 2019, quando o processo de execução foi suspenso. Na época, o governador do estado, Renan Filho (MDB), comprometeu-se com a aquisição da área, já que o governo federal durante 24 anos não garantiu às famílias o direito à terra. O quadro se agravou com o presidente Jair Bolsonaro.

A luta do povo de Bota Velha foi conhecida e reconhecida, porque as aproximadamente cem famílias transformaram a propriedade abandonada por usinas falidas numa “terra que mana leite e mel” (Êxodo 33:3).

As famílias produzem uma variedade de alimentos saudáveis para subsistência, comercializados em feiras livres. Juntas, conseguem preparar ao menos meia tonelada de farinha por semana na casa de farinha do até então acampamento. Na área há energia elétrica, casas de taipa e de alvenaria, escola, capela e um açude.

Memória

Nessa jornada de 24 anos, alguns tombaram no caminho, como o camponês José Maria, conhecido como Seu Azarias. Ele chegou ao acampamento Bota Velha em busca de uma alternativa diante das dificuldades enfrentadas com sua família em 2002, e faleceu no dia 28 de maio de 2022, aos 72 anos de idade.

“A vida de antigamente era uma vida muito espinhosa. Os espinhos furando por todo lado. Ou o camarada ia, ou ia. Ou com fome ou com a barriga cheia, tinha que ir para manter a vontade dos proprietários de cana”, relatou o ex-canavieiro em seu depoimento no livro “Terra e Pastoral em Alagoas: conflito e liberdade”, publicado em 2014.

Seu Azarias encontrou na agricultura familiar camponesa, em Bota Velha, um trabalho digno, e jamais desistiu do sonho da Terra Prometida. Mesmo após perder a visão, seguiu firme na luta pela terra, participando das mobilizações da comunidade em defesa da reforma agrária e foi solidário às lutas urbanas.

A história de persistência do Seu Azarias segue viva na memória do povo camponês como inspiração para nunca desistir de lutar por “mais agricultura camponesa, mais trabalho, mais saúde, muita alegria” – como falava.

Agradecimento

Para a CPT, a aquisição da antiga fazenda Bota Velha, agora em processo de se tornar assentamento, só foi possível graças a muita luta das famílias camponesas e ao apoio de organizações e movimentos sociais, sindicatos, lideranças políticas e coletivos internacionais, a exemplo das associações italianas Pachamama (Terra Mãe) e Amici di Joaquim Gomes.

Destaca-se, ainda, o empenho do diretor-presidente do Instituto de Terras e Reforma Agrária de Alagoas (Iteral), Jaime Silva, em busca de uma solução para o conflito no campo. Por muitas vezes, Jaime recebeu as famílias de Bota Velha quando ocupava o órgão do governo estadual.

Muitas pessoas contribuíram para que o desfecho vitorioso de Bota Velha acontecesse. Entre elas, religiosos e professores universitários. Por fim, a conquista chegou e é motivo de celebração. As famílias de Bota Velha agora podem respirar com a tranquilidade de quem nunca mais sofrerá um despejo e muito menos passará fome. A frase tão pronunciada nesses 24 anos nunca fez tanto sentido: A Bota Velha é nossa!

foto: Lata Tapety – CPT NE II

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