Em 2019, foram extintas as varas federais de Tefé e Tabatinga, e em 2022, o MPF Tefé que atendia em Manaus, foi extinto; procuradores foram às regiões para ouvir as lideranças
“Esse momento é de grande importância para conversar com ele [procurador da República], porque ele está ouvindo as lideranças que estão vindo das aldeias de base, das organizações, trazendo essa grande dificuldade que a gente vem enfrentando aqui na nossa região. São coisas que estamos vendo com a dificuldade que existe de não ter o Ministério Público Federal [MPF], em Tefé, na nossa região do Médio Solimões”.
Essa foi a declaração do líder indígena Arivaldo Pacaio Kambeba, da aldeia Kanata-Ayetu, sobre a reunião promovida pela Procuradoria da República no Amazonas, 5º Oficio do Ministério Público Federal (MPF), realizada no dia 20 de março, no Salão Padre Liberman, em Tefé. Na ocasião, também estiveram presentes 60 lideranças representando os povos Kambeba, Tikuna, Kaixana, Kokama e Apurinã.
O objetivo do encontro foi promover um amplo diálogo com os povos e movimentos indígenas, bem como instituições públicas da região do médio rio Solimões, para tratar das demandas, reivindicações e outras pautas de interesse dos povos indígenas e, assim, buscar soluções para os problemas que enfrentam.
Em 2018, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), atendendo o parecer da Corregedoria Nacional de Justiça, determinou a extinção das varas federais de Tefé e Tabatinga. Em 2019, o MPF fecha sua sede em Tefé e transfere o local de trabalho para Manaus, com atuação remota. Apesar da sede fechada, procuradores ainda atendiam as demandas da região do Médio Solimões. Em 2022, ano passado, o MPF Tefé que estava residindo em Manaus, foi extinto.
Chantelle Teixeira, da assessoria jurídica do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) – Regional Norte I, explica que “deixando de existir essa seccional do MPF para a região do Médio Solimões, os procedimentos são redistribuídos no MPF Amazonas, em Manaus, de acordo com a temática que eles acompanham”.
A advogada lamenta a extinção da sede pelo “acúmulo de demandas e pela pouca capacidade do órgão para o atendimento de todas” decorridos da decisão, e aponta a discrepância geográfica e populacional com o estado do Rio Grande do Sul, que “é bem menor [que o Amazonas] e tem menor população indígena e tradicional. Mas tem muito mais procuradorias da República ligadas à 6ª Câmara do MPF”, que tem as funções de coordenar, integrar e revisar as ações institucionais destinadas à proteção da população indígena e comunidades tradicionais.
Chantelle completa o argumento afirmando que “o acúmulo de demandas e casos de violação de direitos gera morosidade nos procedimentos que, quando tratam de violação de direitos humanos, pode gerar prejuízos irreparáveis”.
“O acúmulo de demandas e casos de violação de direitos gera morosidade nos procedimentos”
Na tentativa de minimizar a situação, o MPF vem promovendo encontros com lideranças e organizações indígenas e indigenistas. A reunião de Tefé é uma das que acontecem na região do Médio Solimões nesse mês de março. Convocada pelo MPF, a reunião contou com a participação de lideranças indígenas e com o procurador Fernando Merloto Soave. Além disso, o momento foi apoiado e organizado pela equipe do Cimi na Prelazia de Tefé, Regional Norte I, que contribuiu com a mobilização das lideranças do movimento indígena. O Cimi entende que são nesses espaços de diálogo que os indígenas promovem as incidências necessárias na busca de resolutividade dos casos de violação de seus direitos.
Para Ivanildo Ticuna, Coordenador da Articulação dos Povos Indígenas do Distrito de Caiambé (APIDC), Amazonas, o encontro foi importante, porque nele teve a oportunidade de apresentar as reivindicações de políticas públicas de seu povo. Ele está à frente da luta há mais de três anos, e essa é a primeira vez que participou de uma reunião com MPF.
“Hoje estamos reunidos junto ao Ministério Público, trazendo as nossas demandas, reivindicando saúde, educação. Essa é a importância para o nosso povo que reside hoje no distrito de Cambé. Então, a gente está feliz de participar, aprender e junto com as lideranças indígenas ter o fortalecimento e união para lutarmos pelos nossos direitos”, declara, emocionado.
“A gente está feliz de participar, aprender e junto com as lideranças indígenas ter o fortalecimento e união para lutarmos pelos nossos direitos”
Nazide Kokama, Presidente da Associação da Mulheres Indígenas do Médio Solimões e Afluentes (AMIMSA), falou da satisfação de participar do diálogo e de estar apresentando as violências e negações de direitos que sofrem, porque entende que o procurador vai levar adiante as reivindicações.
“A gente está aqui junto com o procurador Dr. Fernando Merloto e é gratificante dialogar com ele, porque está recebendo nossas reivindicações como população indígena, que a gente vem sofrendo no descaso com a saúde, educação e nossos territórios. E ele vai levar ao poder público nossa necessidade. O desrespeito que a gente enfrenta no dia a dia da nossa caminhada. É isso que a gente esperava há muito tempo e não tinha oportunidade”, celebra.
“É isso que a gente esperava há muito tempo e não tinha oportunidade”
Representantes da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), da Secretaria Municipal de Educação, da Coordenação Municipal de Educação Escolar Indígena e da Coordenação Municipal de Assuntos Indígenas de Tefé também participaram.
O Coordenador de Assuntos Indígenas e morador da aldeia Boarazinho, Valtunino Kambeba, por estar em um posto do poder executivo do município, sabe a importância que tem o diálogo com a sociedade e diz que é assim que se encontram os caminhos para a garantia de direitos.
“No diálogo entre Ministério Público Federal e o poder público municipal, junto com as instituições indígenas, com certeza encontrarão caminhos para melhorar o atendimento na área da saúde, da educação e segurança social para as aldeias que vêm reivindicando há muito tempo. E com certeza esse diálogo ajudará”, afirma.
“Com certeza esse diálogo ajudará”
O Procurador da República, Fernando Merloto, falou da realização da reunião, dos encaminhamentos que foram definidos e sua programação. Disse que as demandas serão levadas para os órgãos competentes, especialmente para a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) e Secretaria Municipal de Educação, Esporte e Cultura de Tefé (Semeec), e espera avanços na resolução dos problemas.
”A reunião começou em Tefé, ouvindo as lideranças indígenas, depois com a Semeec e depois a gente foi para a Casai [Casa da Saúde Indígena], debater os temas da saúde indígena, situação bem complicada no Médio Solimões. A Semeec vai realizar reuniões com o movimento até o fim do mês e estabelecer um cronograma para a chamada pública indígena, ribeirinha e extrativista, para comprar produção para alimentação escolar e discutir com os professores indígenas o PCCR [Plano de Cargos, Carreiras e Remuneração de Professores Indígenas]”, anunciou, satisfeito com o resultado do encontro e contando que fará os mesmos debates em outros municípios da região
Para as lideranças indígenas presentes na reunião, o diálogo mostrou uma forma democrática e participativa do MPF atuar e, apesar da distância geográfica, ouvir as reivindicações dos povos indígenas. Uma importante contribuição para que as demandas de âmbito federal sejam apresentadas, discutidas e encaminhadas para as resoluções.
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Lideranças indígenas de Tefé (AM) apresentam demandas e reinvindicações ao MPF. Foto: Fábio Pereira/Cimi Regional Norte I