O dilema da produção de orgânicos no Brasil

Apesar de venderem com certificado de comércio justo, pequenos agricultores no interior da Bahia não recebem o suficiente para cobrir despesas e se sustentar.

Kathrin Wesolowski, na Deutsche Welle

Maçãs suculentas, goiabas e laranjas: são somente três dos 45 tipos de frutas que Jairo de Souza Rios cultiva em suas terras no interior da Bahia. Sua fazenda de 3,6 hectares se assemelha a um pequeno paraíso para os amantes de frutas orgânicas.

Mas, para o pequeno produtor rural, sua produção se traduz em trabalho pesado e de baixo rendimento, mesmo possuindo o certificado Fairtrade, que atesta um comércio justo assegurando determinados padrões de produção que respeitam normas sociais, ambientais e econômicas.

Há 13 anos, Rios possui o certificado que promete preços justos para agricultores e uma cadeia produtiva completamente rastreada. “Ultimamente, o preço deixou de ser justo”, diz o agricultor, de 39 anos, que vive com sua esposa Evelyn, com quem deseja ter filhos.

Segundo Rios, sobra pouco dinheiro para viver. No entanto, para ele, a produção orgânica é importante, mas quase não compensa devido ao preço pago pela laranja orgânica, que é minimamente superior ao da fruta produzida de maneira convencional.

Cooperativa quer preços mais justos

Rios e outros 79 agricultores fazem parte da Coopealnor, uma cooperativa de pequeno porte. Eles plantam laranjas, que são processadas em suco concentrado na cooperativa em parceria com a empresa Tropfruit. O produto é vendido, entre outros, para a Europa através da Gepa, a maior organização europeia de comércio alternativo.

Os agricultores decidem se querem cultivar da maneira orgânica ou convencional. A Gepa compra as duas variedades, pagando 2.315 dólares (cerca de R$ 11,9 mil reais) por tonelada de suco de laranja concentrado convencional e 3.900 dólares (cerca de R$ 20,1 mil reais) por tonelada de orgânico. O dinheiro é dividido entre os produtores.

Os agricultores orgânicos ganham mais dinheiro do que os convencionais, mas, segundo Rios, essa diferença não compensa. “O que me custa 20 ou 30 dias de trabalho como produtor orgânico, custaria menos do que um dia de trabalho como produtor convencional”, afirma. Ele possui um trator, mas, para a produção orgânica, a maior parte do trabalho precisa ser feita com as mãos.

Baixa produção orgânica

A fazenda de Nelson Borges da Cruz fica a poucos minutos da propriedade de Rios. O agricultor de 75 anos diz que não consegue viver com o que recebe pela venda de laranjas orgânicas certificadas com o Fairtrade. “O dinheiro que eu recebo dá apenas para manter a fazenda”, afirma. Ele conta que necessita da aposentadoria para sobreviver.

A propriedade de Cruz tem 3,5 hectares, mas sua produção é bastante reduzida, também pelo fato de ser uma fazenda antiga. O cultivo convencional poderia ajudar a aumentar a colheita. Ele, porém, é um entusiasta da produção orgânica e se recusa a usar pesticidas.

“Quando ando pela minha plantação, não tenho medo de contaminação. Posso comer laranjas, jacas e cocos”, relata Cruz. “Ajudamos com nossas frutas a deixar todo mundo mais saudável.”

Aumento de até 80% nos custos de produção

Não muito longe das duas fazendas está a sede da cooperativa, onde milhares de laranjas são selecionadas por pessoas e máquinas. O coordenador administrativo Aldo Souza mantem contato direto com a Gepa, cuja sede fica em Wuppertal, na Alemanha.

A princípio, Souza se diz satisfeito com a certificação, mas passou a exigir que a empresa Fairtrade pague um valor maior aos agricultores. “O preço mínimo é baixo demais para nós, porque os custos de produção aumentaram. Com o preço que recebemos hoje, a renda das nossas famílias diminuiu. Precisamos de uma compensação para melhorar isso.”

Com a guerra na Ucrânia e a inflação, a taxa de câmbio do dólar caiu significativamente. As despesas com as quais os agricultores devem arcar antes da produção efetiva aumentaram em até 80%, relata Souza. Atualmente, os agricultores com propriedades menores não conseguem se sustentar com os preços pagos pelo Fairtrade.

Souza conta que alguns agricultores tiveram que procurar outro trabalho para conseguirem sobreviver. Ele conta ainda que há um êxodo rural entre as crianças em razão das dificuldades de subsistência na região.

Gepa deixará de comprar suco concentrado

A DW entrou em contato com a Gepa para questionar a empresa sobre as alegações dos agricultores. A organização diz que nada impede um reajuste dos preços, e que isso será negociado juntamente com a cooperativa para a partir de 2024.

De acordo a Gepa, não será mais adquirido o suco de laranja concentrado de pequenos produtores em 2023. “Infelizmente, não poderemos comprar da Coopealnor neste ano devido à uma queda nas vendas. O motivo é que, nos últimos anos, devido à pandemia, não pudemos vender tanto suco e refrigerante. O suco de laranja concentrado ainda está nos estoques”, escreveu a empresa.

A cooperativa disse à DW que já havia sido informada pela Gepa sobre a suspensão da compra neste ano em 2022. Justamente por isso, o grupo saiu em busca de novos compradores.

Nesse meio tempo, os agricultores Nelson Borges da Cruz e Jairo de Souza Rios continuarão lutando para sobreviver. Cruz sabe muito bem o deseja para o futuro: “Quero produzir mais e ganhar mais dinheiro. Quero uma vida melhor para mim e para minha família.”

Imagem: agricultura camponesa na Bahia. (Fotos Públicas/Ascom/SDR)

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