Volks abandona negociação sobre conduta na ditadura. ‘Contraria o próprio discurso’, afirma MPT

Empresa se beneficiou de incentivos na região amazônica e, segundo investigação, submeteu trabalhadores a condições degradantes, com violência

Por Vitor Nuzzi, da RBA

Na terceira rodada de negociação com o Ministério Público do Trabalho (MPT), nesta quarta-feira (29), os representantes da Volkswagen do Brasil abandonaram a mesa, afirmando não ter interesse em firmar acordo. As partes discutiam uma possível reparação pela prática de trabalho escravo na Fazenda Vale do Rio Cristalino (também conhecida como Fazenda Volkswagen), no Pará, durante a ditadura. Dessa forma, a questão deve parar no Judiciário.

“O MPT lamenta a postura da Volkswagen, que contraria seu discurso de compromisso com o país e com os direitos humanos, pois se trata de uma gravíssima violação que ocorreu durante mais de 10 anos com a sua participação direta”, afirmam os procuradores. Para eles, os trabalhadores “que tiveram sua dignidade agredida, sua liberdade cerceada, e a própria sociedade brasileira mereciam tratamento mais respeitoso. Além de reparação pelos danos causados, “com consequências até os dias de hoje”.

Precariedade e violência

Pelos relatos colhidos durante a investigação, os trabalhadores viviam em situação considerada degradante, sob violência. “De acordo com as investigações, essas violações incluiriam falta de tratamento médico nos casos de malária, impedimento de saída da fazenda, em razão de vigilância armada ou de dívidas contraídas (servidão por dívidas), alojamentos instalados em locais insalubres, sem acesso à água potável e com alimentação precária”, relata ainda o MPT. A fazenda da Volks tinha 140 mil hectares, área equivalente ao município de São Paulo.

“Nos anos em que aconteceram os fatos, entre as décadas de 1970 e 1980, o empreendimento contou com recursos públicos e benefícios fiscais que ajudaram a alavancar seu negócio de criação de gado fazendo com que se tornasse um dos maiores polos do setor”, afirma o Ministério Público. Assim, para a Procuradoria, esses fatos reforçam “a necessidade de reparação à sociedade brasileira”.

Subsídios do governo

Em artigo, o padre e professor Ricardo Rezende e o procurador do MPT Rafael Garcia Rodrigues observam que a Volks investiu em um ramo não ligado ao seu negócio principal – no caso, a criação de gado – para ampliar a margem de lucro. Com isso, “vislumbrou essa possibilidade na oferta de terras em Santana do Araguaia, no Pará, que seriam da Companhia de Desenvolvimento do Sul do Pará (Codespar) e nos subsídios oferecidos pelo governo brasileiro, por intermédio da Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (Sudam)”.

Eles citam pesquisa do professor e historiador alemão Christopher Kopper, contratado pela própria Volks em 2016, durante a discussão sobre outro processo, relativo à participação da montadora no apoio à ditadura brasileira. Naquele caso, a empresa aceitou um acordo de reparação.

Agora, no caso do Pará, o MPT propunha indenização para trabalhadores já identificados e também para financiar “um programa de levantamento histórico, identificação e busca de outros trabalhadores que também foram submetidos ao mesmo tratamento naquela fazenda”. Assim, com a recusa da Volks, o Ministério Público “adotará todas as medidas judiciais e extrajudiciais necessárias para a efetiva reparação”.

Imagem: Propaganda da época mostra presença da montadora na região, com apoio do Estado

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