Na Câmara, lideranças indígenas de todo o país pedem derrubada urgente do marco temporal

Mais de cem indígenas participaram da reunião; na ocasião, lideranças pediram a derrubada de proposições contrárias aos direitos originários, como a tese do marco temporal e o PL 490/2007

POR MARINA OLIVEIRA, DA ASSESSORIA DE COMUNICAÇÃO DO CIMI

A Câmara Federal é também conhecida como a Casa do Povo. Em teoria, o local é aberto para acolher todas as pessoas – possibilitando o acompanhamento da sociedade às tramitações legislativas, bem como o contato direto com parlamentares. Apesar de, na prática, não funcionar bem assim, a Casa cumpriu com o seu papel na tarde da última quarta-feira (29) e abriu o microfone para escutar lideranças de povos indígenas de todo o país.

Ao longo desta semana, cerca de 200 indígenas – de mais de 20 povos – desembarcaram na capital federal com objetivos em comum: reivindicar a demarcação de seus territórios e a proteção de direitos, assegurados pela Constituição Federal de 1988. As delegações estão participando, desde o dia 27 de março, de uma série de agendas nos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. A iniciativa conta com o apoio do Conselho Indigenista Missionário (Cimi).

A convite da presidenta da Comissão da Amazônia e dos Povos Originários e Tradicionais, a deputada Célia Xakriabá (Psol/MG), mais de cem lideranças indígenas – do Pantanal, Cerrado, Amazônia, Pampa e Caatinga – ocuparam o Auditório Nereu Ramos, da Câmara Federal, na tarde do dia 29 de março. Na ocasião, foram partilhadas as principais lutas enfrentadas nos territórios. Mas houve também pedidos para que proposições contrárias aos direitos originários que tramitam nos Três Poderes sejam, definitivamente, derrubadas.

A reunião também contou com a presença dos deputados federais Aírton Faleiros (PT/PA) e Chico Alencar (Psol/RJ) e da deputada Alice Portugal (PCDoB/BA).

As falas dos povos foram marcadas pelo descontentamento com o marco temporal, tese ruralista que inviabiliza a demarcação dos territórios indígenas de todo o país. O julgamento da tese está paralisado no Supremo Tribunal Federal (STF) desde setembro de 2021, quando o ministro Alexandre de Moraes pediu vista. Recentemente, Rosa Weber, ministra e presidenta do STF, prometeu pautá-lo ainda no primeiro semestre deste ano.

Apesar de estar em julgamento na Suprema Corte, o marco temporal também aparece em outras esferas de Poder: no Executivo – por meio do Parecer 001/2017 da Advocacia-Geral da União (AGU), ainda não revogado – e no Legislativo – através do Projeto de Lei (PL) 490/2007.

Não ao marco temporal

Ao abrir o microfone para os indígenas, Cássio Júnio, liderança do povo Xukuru-Kariri, do estado de Alagoas, falou sobre a importância de se atentar ao trâmite dessas proposições.

“O inimigo dos povos indígenas não dorme. O marco temporal vem sendo colocado por mais de uma via: pelo STF e também pelo projeto de lei [490/2007], na Câmara. Precisamos estar sempre atentos, sempre vigilantes. Pedimos aos deputados que se unam a nós”.

“O inimigo dos povos indígenas não dorme”

Em coro, Maria Gabriela Pinheiro, indígena Kariri-Xocó – povo localizado também em Alagoas – reforçou o pedido de fortalecimento do diálogo entre as bases e o parlamento.

“São muitos projetos de lei que temos que enfrentar e vencer. Precisamos fortalecer a nossas bases e levar o diálogo daqui para lá. O dinheiro pesa muito nesse país, mas a força da nossa ancestralidade segue presente. Nossos estados precisam sentir a força da potência indígena que temos. Nossos prefeitos e deputados precisam reconhecer a força que temos em nossas bases. Tem muita coisa em jogo, mas o segredo é fazer da base até o topo”, afirmou Maria Gabriela.

“Nossos estados precisam sentir a força da potência indígena que temos”

Em outros estados do país, a situação não é diferente: de norte a sul, povos indígenas enfrentam uma luta diária para garantir a sobrevivência dentro dos territórios. Dessa forma, também partilham a angústia para derrubar, o quanto antes, a tese do marco temporal.

“Estamos em uma situação extremamente difícil, pois estamos sem território. Em breve, vocês receberão a notícia da retomada de nossa terra, porque um indígena sem território é um indígena sem a sua identidade. O nome marco temporal marca a nossa vida. E, se for aprovado, não vai só marcar, mas vai acabar coma nossa vida. Pedimos que haja uma resolução o quanto antes do marco temporal. Esperamos que os deputados se unam a nós e digam não a essa tese”, pediu Lu Dias Guimarães, indígena do povo Xerente do Araguaia (MT).

“O nome marco temporal marca a nossa vida”

Lurdelice Moreira Nelson, do povo Guarani Kaiowá, também teve a oportunidade de apresentar o crítico cenário de violência enfrentado pelos Guarani Kaiowá, em Mato Grosso do Sul (MS)

“A terra é nossa, é dos povos indígenas. Deveria realmente ser a nossa casa. Mas hoje é uma disputa, somos massacrados. Deputados do próprio estado [MS] estão dizendo que, ao solicitarmos o nosso espaço, podemos ser levados à Justiça. A nossa lei tem sido violada, não é respeitada. Temos que morrer para buscar a nossa terra de volta. Precisa mesmo que o parente morra para que só assim nos escutem?”, questionou, em lamento, Lurdelice.

“Precisa mesmo que o parente morra para que só assim nos escutem?”

Em apoio aos indígenas, o deputado Aírton Faleiro diz que, apesar de o cenário ser mais favorável em comparação aos últimos quatro anos, ainda é preciso avançar.

“Quem estiver mais mobilizado e organizado, tem mais chance de avançar. Foi uma grande conquista ter a Sônia como ministra do Ministério dos Povos Indígenas [MPI], e Joênia, como primeira presidenta mulher indígena da Funai [Fundação Nacional dos Povos Indígenas]. Mas é preciso avançar mais. Temos que manter, de forma estratégica, essa ação combinada. Vocês nas organizações, nós [deputados e deputadas] no parlamento, e o governo do presidente Lula através do MPI. É preciso fazer um tripé entre a mobilização popular, parlamento e governo federal para que a gente possa construir dias melhores”, afirmou o deputado.

Participação do Cimi

Convidado a subir no púlpito no Auditório Nereu Ramos, da Câmara Federal, o secretário adjunto do Cimi, Luís Ventura, também lembrou que, apesar de o momento ser mais propício ao movimento indígena, ainda é necessário que continue mobilizado.

“Temos que aproveitar esses quatro anos para avançar. Mas não vai ser fácil. Agora é o momento de somar, somar uma força-tarefa. O poder dos povos indígenas nunca foi tão importante quanto será nesses próximos anos. Precisamos pensar estratégias. Estamos vivendo diante de um governo que muito nos satisfaz e alegra. Mas é muito disputado e, por isso, teremos que disputar esse governo”, afirmou o secretário adjunto do Cimi.

“Agora é o momento de somar, somar uma força-tarefa”

Em sua fala, Luis também reforçou a necessidade de seguir batalhando contra a tese ruralista, que aguarda julgamento na Suprema Corte, para que seja, finalmente, enterrada.

“Os três Poderes têm responsabilidade. O Judiciário, através do STF, tem que pautar e julgar logo o marco temporal. O Executivo precisa revogar o Parecer 001 [de 2017] da AGU. E cabe ao Legislativo livrar dessa batalha contra o PL 490 [de 2007]. Garantindo uma vitória no STF, boa parte do PL 490 cai. O Cimi está à disposição, e tomara que a gente volte aqui, neste auditório, para celebrar a derrubada da tese do marco temporal”, finalizou.

Cerca de cem lideranças indígenas de todo o país se reuniram, na tarde do dia 29 de março de 2023, com a deputada Célia Xakriabá. O encontro ocorreu na Câmara Federal. Foto: ASCOM/Deputada Célia Xakriabá

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