Fim dos tempos. Por Julio Pompeu

No Terapia Política

No fim dos tempos, ainda haverá tempo para arrependimento? Ou o tempo do arrependimento é diferente do tempo do fim? O sujeito de olhar arregalado, como assustado e furioso na mesma medida, levanta, rígido, o cartaz imperativo: “É o fim. Arrependam-se!” e grita, em coro ao escrito, “arrependam-se!”.

E, se for o fim dos tempos, de que adiantaria arrependimento? Arrependimento só faz sentido antes do fim. Quando ainda há algo para ser diferente, num mundo que possa ser diferente por estar ainda longe do fim.

Mas o doido da rua tem razão? Ou é só doido? Ou é um daqueles doidos doídos? Que endoidou porque a vida lhe doeu demais. Com dor demais em pouco tempo. Doeu tanto, e tão sempre, que se a dor não acaba, ele tenta acabar com o tempo da dor. Com o tempo em que só há dor.

Se for doido assim, eu o entendo. Porque a vida dói mesmo. Tem aquelas dores que são só nossas. Dores privadas do nosso tempo, nossa vida particular. Que às vezes doem tanto que achamos que não vamos suportar. Que nosso tempo acabou, ainda que o tempo dos outros há de continuar. Mas, por mais dolorosas que sejam, passam. Sempre passam porque o tempo delas é tal que só dura o tanto que a gente não muda de vida para sofrer de outros jeitos. Naco de vida doída, que dura a extensão do naco de tristeza que a vida ou os outros que atropelam nossa vida nos arranjam.

Mas há outras dores. Diferentes porque não são só da gente. Doídas também, só que de um jeito diferente. São as dores da absurda tristeza, da estupidez grotesca, do egoísmo violento, do mal absoluto, absolutamente presente nas nossas fraquezas. Principalmente nas fraquezas de quem só enxerga fraqueza nos outros.

São dores do mal, que só vemos como tal quando se mostra cru. Na sua triste obra. Nas machadadas em cabeças de crianças que mal tiveram tempo de vida para entender o mal que há nesta vida. Mal que nos mostra que ninguém é tão novo, puro ou inocente que não possa sofrer do mal dos outros.

Crianças, quase bebês, mortas dentro de escolas. As mesmas que são alvos da fúria de idiotas que nelas veem lugar de doutrinação e não de educação. Gente que, certamente, não teve educação suficiente para saber que educar e manipular não são a mesma coisa. Por isso, não querem educar, só mandar, exigir ou tomar. Porque não sabem conversar.

Crianças são o futuro. Escolas são lugares de se construir o futuro. Quando uma sociedade toma as escolas como alvo dos seus ódios ideológicos, morais ou somente loucos, é porque tenta destruir o futuro que há nelas. Porque não quer o futuro que há nelas. Não quer a vida e o libertário que há nelas. Só a toleram se não houver libertação. Se houver alienação. Se não houver educação. Gente boçal não quer futuro. Quer o fim de tudo. Quer o fim dos tempos.

Talvez, o doido não seja doido. Talvez, estejamos mesmo no fim dos tempos. Não porque a corda do relógio do tempo tenha acabado, mas porque tem tanta gente ocupada demais com as próprias mesquinharias que não sobra quase ninguém para dar corda no relógio do tempo que a gente ainda tem.

Ilustração: Mihai Cauli 

 

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