Jornalista é atacado por coronel da PM após evento de posse do Procurador Geral de Justiça do Pará

Por Vivianny Matos, em Amazônia Real

“Não vou virar estatística!” Essa foi a fala categórica do jornalista e músico paraense Kleyton Silva, durante entrevista à Amazônia Real, ao relatar a violência que sofreu na última quinta-feira (13), enquanto exercia a função de assessor de comunicação do Sindicato dos Servidores do Ministério Público do Pará (SISEMPPA). “Ciente da gravidade dos fatos diante dos quais estou, e do impacto sensível que eles podem inspirar em um momento tão crucial na busca por direitos que a categoria vive, venho, pontualmente, diante dos votos de solidariedade aqui expressos, dizer que estou bem, e, sobretudo, buscando me manter atento às ferramentas que, na condição de jornalista, possam assegurar minha integridade física e alcançar a sensação de segurança para retomar minhas atividades cotidianas”, ele disse em um trecho de nota direcionada às servidoras e aos servidores do Ministério Público do Estado do Pará, postada em uma rede social.

Kleyton Silva relatou que, enquanto cobria a posse de César Bechara Nader Mattar Júnior na Procuradoria-Geral de Justiça, no Hangar – Centro de Convenções na capital paraense, a sua mochila, com equipamentos de trabalho, foi revistada, sem o seu conhecimento e longe da sua presença, pelo coronel Leonardo Franco, da Polícia Militar do Pará. Franco é chefe do Gabinete Militar do Ministério Público do Pará (MPPA). Ao ser informado, o jornalista relatou o ocorrido à chefa da assessoria de comunicação do MPPA, deixando claro que não tinha intenção de representar sobre o fato. Ao tomar ciência da autoria da revista, buscou novamente a Chefa da Ascom do MPPA, informou o nome do coronel Franco e ela o colocou diante dele.

O jornalista questionou o coronel e o militar negou a ação de revista em sua mochila.

O jornalista seguiu com a cobertura do evento e após concluir o trabalho, saiu do Hangar.  Já em seu veículo, Kleyton, que era seguido, foi impedido de deixar o local, a princípio por dois seguranças do evento, ainda, e em seguida pelo próprio coronel Franco, já vestido à paisana, que desceu de uma Hilux prata acompanhado por outro homem, além do motorista. O jornalista teve o carro atacado pelo coronel Franco e pelo outro homem, ainda não identificado, enquanto os outros faziam a contenção do veículo. O assessor conseguiu se manter trancado no veículo e ligou pedindo ajuda. Só então o grupo, que não conseguiu tirá-lo do veículo, desistiu da ação. Segundo o relato, eles o ameaçaram dizendo que iriam procurá-lo e encontrá-lo. Um dos homens teria inclusive fotografado a placa do carro com um celular.

Com receio de ser seguido, Kleyton voltou para o Hangar. Dessa vez uniformizado, o Coronel Franco  tentou dar voz de prisão ao profissional e tentou avançar em direção a ele, mas foi impedido por promotores de Justiça que estavam no local e garantiram ao jornalista que ele não teria sua integridade física comprometida e seria ouvido.

Para Kleyton, muitas perguntas seguem sem respostas. Em sua manifestação nas redes sociais, ele afirma que a “dignidade é algo inegociável, não é instrumento de contrato”. O jornalista diz não acreditar que o coronel Franco tenha agido institucionalmente, embora tenha sido acompanhado em suas ações por um grupo de pessoas e um veículo que poderiam estar a serviço do MPPA ou do evento. “O MP precisará responder a essa questão não apenas para mim, mas para a sociedade e para vocês (servidores do MPPA) que carregam o nome da instituição cotidianamente e orgulham-se de, sob seu brasão, servir à sociedade. Sofri um ataque. Não quero pensar quem estaria contando e qual história estaria sendo contada a vocês se meus perseguidores tivessem alcançado êxito em quebrar o vidro do meu carro”, diz na nota.

E continua: “O Coronel Franco, ao largo de suas funções, moveu uma equipe e um veículo (institucional?) para empreender um ataque (sob quais justificativas?) que não resultou em lesão física porque não lograram êxito em quebrar o vidro de meu veículo. É completamente compreensível que surja toda sorte de dúvida sobre o que ocorreu. Por isso, após prestar o meu depoimento à polícia, as assessorias jurídicas do SISEMPPA e do Sinjor-Pa, que me acompanham, solicitaram acesso às imagens de todas as câmeras internas e externas do Hangar e apuração da conduta de monitoramento e revista sem conhecimento a que fui submetido. As imagens das câmeras podem começar a nos apontar o caminho para a elucidação. Tudo deve ser investigado. Desde que os fatos se deram, estou buscando respostas para estas e outras perguntas, mas seguro de que não sou responsável pelo ataque que sofri. Não me afastei do respeito ao MP, do compromisso funcional com o SISEMPPA e, sobretudo, da minha dignidade mesmo nos momentos mais graves diante dos quais me vi naquela noite e até aqui”.

Até a publicação desta reportagem a Amazônia Real não recebeu uma resposta da assessoria de comunicação da Secretaria de Segurança Pública do Estado do Pará (Segup/PA) e da assessoria de comunicação do Ministério Público para comentar o caso. A agência não conseguiu localizar o coronel Leonardo Franco. O Comando da PM não se pronunciou.

Carro do jornalista é periciado

Na tarde desta segunda, o veículo de Kleyton Silva passou por perícia e a Polícia Civil do Pará terá dez dias corridos para apresentar um laudo. Além disso, três testemunhas oculares de momentos do caso prestaram depoimentos. Representantes do Sindicato de Jornalistas no Estado do Pará, do Sindicato dos Servidores do Ministério Público do Estado do Pará, da Federação Nacional dos Servidores dos Ministérios Públicos dos Estados, o advogado Virgílio Moura, e o vereador Fernando Carneiro, acompanharam a perícia.

Nesta tarde, o advogado Mauro Vaz-Salbe Junior, a pedido do Sinjor, também esteve na seccional, onde o Boletim de Ocorrência foi feito, e conversou com o delegado, que preside o inquérito, para verificar o andamento do processo.

Organizações querem apuração do caso

Em nota de repúdio, o Sindicato dos Jornalistas no Estado do Pará afirma que as assessorias jurídicas do SINJOR e do SISEMPPA acompanharam o jornalista no registro de um boletim de ocorrência, no dia 14. À Amazônia Real, o presidente do SINJOR, Vito Gemaque, disse que medidas judiciais cabíveis foram encaminhadas e que será cobrada a segurança do profissional e a apuração rigorosa dos fatos. Outras entidades sindicais e movimentos sociais e de defesa dos direitos humanos assinaram a manifestação, que continua recebendo apoio.

Além do registro do boletim de ocorrência na Polícia Civil, será feita uma representação no Ministério Público Militar para apurar a conduta do coronel, solicitando a abertura de um inquérito ou de um procedimento investigatório criminal pela ameaça e por abuso de autoridade. A equipe jurídica estuda a possibilidade de levar o caso ao Ministério Público Federal.

Katia Brembatti, presidente da Abraji, afirmou à Amazônia Real que o fato precisa ser apurado. “O caso é inaceitável por vários aspectos, mas principalmente por envolver autoridades policiais com poder de comando e que deveriam zelar pela segurança de todos. As tentativas de intimidação foram claras e precisam ser investigadas, resultando em punições, inclusive para desestimular atitudes semelhantes. A Abraji está acompanhando o caso e cobra responsabilidades.”

Samira de Castro, presidenta da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), afirmou que é preciso investigar os fatos e disse que o profissional de comunicação precisa ter a integridade protegida. “O episódio de violência sofrido pelo jornalista Kleyton Silva gera preocupação porque vem de autoridade policial, justamente quem deveria resguardar o livre exercício profissional da nossa categoria. A Federação Nacional dos Jornalistas, por meio do Sindicato dos Jornalistas do Pará, é solidária ao trabalhador e, mais do que isso, faz coro às entidades nacionais para que as circunstâncias sejam apuradas e o jornalista tenha sua integridade preservada”.

Mauro Vaz-Salbe Junior, presidente da Comissão Estadual de Defesa da Liberdade de Imprensa da Ordem dos Advogados do Brasil no Pará, que também é membro da Comissão Nacional de Defesa da Liberdade de Expressão do Conselho Federal da OAB, afirma que a Ordem, representada pela comissão, já está acompanhando cada ato do inquérito, desde que foi solicitada a atuar. “Já nos foi remetido cópia do boletim de ocorrência, o colega (jornalista Kleyton Silva) já está na nossa relação de profissionais observados pela comissão e em breve ele será ouvido por nós pessoalmente”.

A assessoria de comunicação do Ministério Público Federal no Pará reitera que, caso receba a denúncia sobre o ataque contra o jornalista, vai direcioná-la para um procurador ou procuradora federal e a mesma será analisada para as providências que cabem ao órgão. A fiscalização do controle externo da atividade policial no Estado é feita pelo Ministério Público Estadual.

Nesta segunda, 17, novas manifestações de apoio foram feitas a Kleyton Silva. A mandata coletiva Bancada das Mulheres da Amazônia do Psol, informou que foram enviados ofícios à Corregedoria-Geral da Polícia Militar do Pará e à Procuradoria de Justiça Militar, exigindo respostas sobre a violência sofrida pelo jornalista. “Nenhum policial por mais alta patente que possui está autorizado a violar os direitos de um profissional da comunicação ou qualquer outro profissional”, diz Gizelle Freitas, no perfil do Instagram da mandata coletiva. 

Pará registra 21 ameaças contra jornalistas 

No início de março, o Sindicato dos Jornalistas no Estado do Pará lançou o Relatório Violências Contra Jornalistas e Liberdade de Imprensa no Pará, relativo a 2022. O estudo, que é inédito, se baseia no relatório anual realizado pela Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ). De acordo com o relatório, o Pará é o estado com maior número de casos de violência contra jornalistas da Amazônia Legal e o terceiro do país. O sindicato registrou 21 situações de violência contra os profissionais da categoria no ano passado.

O objetivo do documento é detalhar quais são as violências praticadas contra os jornalistas no Pará, que historicamente ocupa os primeiros lugares no ranking da violência contra trabalhadores da imprensa, além de servir de base de dados à criação de políticas públicas e provocar o desenvolvimento de ações nas empresas, que promovam o livre exercício do jornalismo e garantam segurança e proteção dos profissionais da imprensa.

O relatório afirma que o próprio Ministério Público do Pará fez recomendações para que a Polícia Militar realizasse ações para garantir a segurança da cobertura jornalística, sobretudo no período das eleições, quando a imprensa foi alvo de ataques em todo o país. “Tivemos diversos tipos de violência ao longo do ano, desde agressões físicas e verbais, ataques virtuais e censuras por ação judicial, entre outros. Em quase todos os episódios os protagonistas das agressões foram agentes públicos e/ou manifestantes bolsonaristas”, diz trecho do documento.

Vito Gemaque revelou que uma das ações, resultante do estudo, será uma audiência pública na Assembleia Legislativa do Pará com o objetivo de discutir as medidas que devem ser adotadas para combater a violência contra os jornalistas. O presidente do Sinjor disse também que está marcada para terça-feira (18) uma reunião com o secretário de Segurança Pública, Ualame Machado. Entre as pautas do encontro, além das demandas do relatório, também será discutida a situação do jornalista Kleyton Silva.

“O documento será encaminhado para os órgãos competentes, entidades de defesa dos direitos humanos, parlamentares e instituições parceiras para que todos tomem ciência da gravidade desses ataques à democracia”, diz trecho. “O resultado do relatório nos permite cobrar iniciativas mais objetivas do poder público e serve também aos organismos nacionais e internacionais de proteção do exercício da imprensa.

Ataques  antidemocráticos 

Em dezembro do ano passado, a Amazônia Real fez uma reportagem sobre os riscos que os jornalistas dos estados do Norte do país sofreram ao noticiarem ataques contra a democracia. Atos violentos praticados contra jornalistas e/ou veículos de comunicação, dos diversos tipos, presencial ou online, ganharam repercussão nos estados de Rondônia, Pará, Amazonas e Roraima. No Amazonas, o caso mais emblemático e que ganhou repercussão internacional foi o assassinato do jornalista britânico Dom Phillips, em junho de 2022, morto ao lado do indigenista Bruno Pereira.

Desde a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) à Presidência da República até o dia 28 de novembro de 2022, em todo o Brasil foram registrados ao menos 65 casos de violência política contra jornalistas e comunicadores. Os dados são da Abraji.

O jornalista Kleyton Silva, assessor de comunicação do Sindicato dos Servidores do Ministério Público do Pará (SISEMPPA) e ex-colaborador da Amazônia Real, teve sua mochila revistada sem sua presença e consentimento, além de ter tido o seu veículo atacado por um coronel da Polícia Militar e mais três homens, após cobrir a posse do Procurador-Geral de Justiça, no último dia 13, em Belém (PA). O carro do jornalista passou por perícia (Foto: Sara Portal)

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