Lula 3: É tempo de corrigir a trajetória

Governo coleciona feitos importantes. Mas deriva liberal, comandada por Haddad, impede-o de cumprir compromissos de campanha – daí a perda de popularidade e de iniciativa. E em tempos turbulentos, os erros precisam ser revistos sem demora

por Gilberto Maringoni*, em Outras Palavras

1. COMO É POSSÍVEL que um governo eleito pela mais ampla frente política da História da República, que tomou posse em meio a forte esperança de mudança, que teve a capacidade de derrotar e isolar a extrema direita nos atos golpistas de 8 de janeiro e na denúncia do genocídio Yanomami e que é chefiado por um dos poucos líderes de dimensões planetárias, como é possível que esse governo tenha entrado numa situação defensiva a poucos dias de completar quatro meses de mandato? A que se deve o recuo precoce? O quadro é reversível, diante da ferocidade da extrema-direita e da antipatia crescente da mídia corporativa?

2. O GOVERNO LULA III viveu em seu início uma tensão interna sobre rumos a seguir. De um lado, o ministério da Fazenda apresenta um projeto de ajuste fiscal ao gosto do mercado, que funcionará como trava ao crescimento, apesar de seus defensores alegarem nele características contracíclicas. De outro, há promessas de desenvolvimento, industrialização, emprego e renda feitas pelo presidente desde a campanha. Os dois caminhos são excludentes e fatalmente um dos discursos acabaria por se impor. É o que está ocorrendo. Primeiro, vamos aos sintomas.

3. UM DESGASTE PRECOCE apareceu na pesquisa de opinião Genial Qaest, divulgada no último 15 de abril. Como aponta Felipe Nunes, “a avaliação positiva do Governo Lula recuou 4 pontos percentuais desde fevereiro, de 40% para 36%. A avaliação negativa avançou de 20% para 29%”. A aprovação entre os jovens também teve queda significativa. É algo preocupante para uma gestão que ainda está naquela fase tradicional do namoro com a opinião pública, própria dos primeiros 100 dias. É o período no qual esperanças e expectativas das urnas ainda não se dissolveram em decepções naturais, em qualquer governo. Embora o patamar de ótimo e bom seja alto, o que se deve mirar é o quadro tendencial da sondagem e a intensidade da queda dos indicadores.

4. A MARCA DOS 100 DIAS não é aleatória. Foi estabelecida por Franklin Roosevelt ao tomar posse, em março de 1933, ainda sob os efeitos da crise de 1929. O presidente percebeu, numa situação de descrédito e desesperança, que deveria aproveitar o início do mandato para dizer a que viera. Apresentou de uma só vez 87 projetos de investimentos estatais, que iam de infraestrutura a serviços variados, passando por frentes de trabalho e programas de alimentação para os pobres. Rapidamente o governo toma a agenda nacional em suas mãos e desata um programa desenvolvimentista capitaneado pelo único ator capaz de gastar a fundo perdido em tempos de crise: o Estado. Perder o bônus dos 100 dias – ou do início do governo – é erro grave. O governo Lula parece ter perdido, premido pela agenda neoliberal.

5. NÃO VALE A PENA acusar a frente eleitoral para explicar a queda. O governo foi eleito para derrotar o fascismo. Fez isso nas urnas e agora está diante de verdadeira guerra. Não adianta dizer que o outro lado usa táticas desleais. Sabia-se sobejamente que enfrentamos um inimigo articulado, agressivo e que não mede expedientes para provocar novo golpe. Foi essa gente que derrubou Dilma, prendeu Lula e apoiou a maior regressão política e social desde o fim da ditadura. Por isso, o Lula III não pode ser um governo de tempos normais. A conjuntura pede senso de urgência e disposição de enfrentamento.

6. LULA TEVE UMA VITÓRIA ÉPICA em outubro. Na contramão do ciclo ultraconservador que toma conta da Europa, aqui a centroesquerda venceu a duras penas uma gigantesca máquina de dinheiro, mentiras e chantagens, embalada na sanha da barbárie e da antipolítica. A diferença de 1,8 % não reduz o feito; ao contrário. O resultado eleitoral colocou como tarefa primordial retirar o bolsonarismo e as políticas ultraliberais do horizonte político.

7. O PARTIDO DOS TRABALHADORES e a frente que nucleou não apresentaram um projeto claro para o país para além da reimplantação de programas sociais, defesa da democracia, crescimento, reindustrialização e o mote da volta da picanha e da cerveja na mesa dos brasileiros e brasileiras. São pontos muito importantes, mas genéricos e fragmentados. Não formam um projeto que mostre como cada tópico se articula com formulações abrangentes para reativar a economia.

8. LOGO APÓS A VITÓRIA, Lula começou a apresentar seu ministério. Para além da ideia de que este seria o governo de uma ampla coalizão, o presidente indicou para posto- chave gente de sua estrita confiança e comunhão política. Assim, em 9 de novembro, ele colocou em cena seus primeiros escolhidos: Fernando Haddad na Fazenda, Flávio Dino na Justiça, Rui Costa na Casa Civil, José Múcio na Defesa e Mauro Vieira no Itamaraty. Nenhuma das indicações resultou de pressões de partidos ou de quem quer que seja.

9. SEM DEIXAR CLARAS AS IDÉIAS para a economia, Lula deu carta branca a Haddad para elaborar seus planos. A história é conhecida. Em quase quatro meses, o ministro da Fazenda não deu sequer uma entrevista para falar de reindustrialização, emprego, crescimento ou desenvolvimento. Mas apresentou um plano, o novo arcabouço fiscal (NAF), que é a antítese de tudo o que foi anteriormente brandido como metas do governo.

10. CUMPRINDO O ROTEIRO DE QUALQUER titular de governos conservadores, Haddad fez périplo por entidades e instituições do mercado financeiro, deu entrevistas aos grandes meios de comunicação e apressou-se a “acalmar o mercado”. Em conversa na GloboNews, em 2 de abril, o ministro afirmou que “os investimentos privados, em um nível mais alto do que o ano passado, serão o caminho para a economia voltar a crescer”. A frase não encontra amparo na literatura econômica e nem na História. Em qualquer tempo e lugar, o motor do desenvolvimento é o investimento estatal, que cria demanda e incentiva o capital privado a vir atrás gerando novos negócios. O mantra neoliberal não poderia ser explicitado de forma mais clara.

11. A PRINCIPAL BATALHA política que o governo patrocinou desde o início, com competência e estridência, concentrou-se na queda da taxa básica de juros do Banco Central, a maior do mundo. E nesse enfrentamento com algo muito maior que um esbirro bolsonarista colocado à testa da instituição, Lula investiu pessoalmente contra a pedra de toque da alta finança, do mercado, da Faria Lima e dos investidores internacionais.

12. O PRESIDENTE CONSEGUIU FORMAR uma coalizão contra o garrote que estrangula nossa economia. Durante mais de um mês, a partir do início de fevereiro, o ex-metalúrgico ocupou todos os espaços possíveis numa corajosa cruzada. Mostrou prejuízos que sofrem a indústria, o comércio e o emprego. Coesionou sua base social, conseguiu adesão de setores e lideranças organizadas do movimento popular e até de frações da burguesia. Dois dias antes da segunda reunião do Copom deste ano, em 22 de março, alguns economistas de peso internacional – com destaque para Joseph Stiglitz – engrossaram o coro de Lula. Mas a tática não deu certo.

13. É POSSÍVEL DEFINIR A DATA em que a administração federal perdeu a iniciativa política e em que suas tensões internas a desarmaram – por enquanto – para o enfrentamento em curso. O dia é o já mencionado 22 de março, quando o BC anunciou a manutenção da Selic em 13,75% ao ano. O Comitê de Política Monetária (Copom) foi além e decidiu arrogantemente pontificar como a administração federal deveria se comportar em outras áreas da economia. Foi uma espécie de 8 de janeiro dos abutres. Ali o vandalismo mercantil percebeu que a investida governamental contra a alta dos juros e a atuação da autoridade monetária não era para valer, mas apenas jogo para a plateia. Vamos recapitular.

14. A INVESTIDA CONTRA OS JUROS não foi uníssona e sequer ficou claro o objetivo pretendido. O que se almejava, a queda da taxa, a demissão do presidente do BC ou o fim da independência do Banco Central? A algaravia entre membros da administração era confusa nesse aspecto. Contudo, algo mais grave ocorreu.

15. NUM JOGO POSSIVELMENTE COMBINADO com o presidente, o titular da Fazenda, Fernando Haddad, tentou se aproximar de Roberto Campos Neto, presidente do BC, para debater as regras fiscais que o ministério estava elaborando, como ele mesmo revelou em entrevistas. Isso, enquanto o verbo presidencial corria solto. Haddad parece ter pretendido levar o chefe da política monetária na conversa, prometendo a ele um forte aperto fiscal por parte do Executivo, que poderia resultar na redução da selic, embora a teoria econômica seja rarefeita em estabelecer nexos entre coisa e outra.

16. UMA DAS ARMAS EFETIVAS nas mãos do governo era a possibilidade de elevar as metas de inflação na reunião do Conselho Monetário Nacional, em 17 de fevereiro. Como se sabe, na lógica neoliberal, o aumento das metas justificaria uma política monetária menos agressiva, pois o BC parece considerar toda o surto inflacionário recente resultado de uma pressão de demanda. Para surpresa geral, o ministro da Fazenda fez questão de declarar previamente que essa não seria a pauta do CMN, sem dar maiores explicações sobre a decisão.

17. O ENCONTRO DUROU APENAS 28 minutos e dali não saiu nada de significativo. O governo tem dois  votos no CMN e o BC um. A mudança seria líquida e certa, mas a linha oficial foi recuar. Ao mesmo tempo, o titular da Fazenda garantiu que duas vagas existentes na diretoria do BC seriam preenchidas por quadros “técnicos”. Em bom português, por nomes do mercado, que não seriam contraponto às pressões da alta finança.

18. HADDAD DEIXOU PATENTE ali que o verbo inflamado de Lula era palavra ao vento. A Faria Lima entendeu e trucou pesado, apoiando a decisão de se manter os juros na estratosfera. O governo sentiu a trombada e perdeu o discurso, no 22 de março. Como afirmou o economista Paulo Nogueira Batista Jr., o saldo daquela semana foi: Lula ladra, mas não morde; Campos Neto ladra e morde e Haddad não ladra e nem morde.

19. ALI NÃO SE SACRAMENTOU apenas uma derrota pontual, numa batalha na qual o governo em tese teria se empenhado ao máximo. Roberto Campos Neto  humilhou e desmascarou uma tática usual do lulismo: a de apresentar dois discursos em situações de tensão. O governo acusou o golpe e perdeu os argumentos. Lula terceirizou responsabilidades e declarou que o responsável por resolver a parada seria o Senado, “que colocou Roberto Campos Neto lá”. O ministro da Fazenda, por sua vez, saiu-se com um prosaico “é preocupante…” Reclamações posteriores sobre a ação do BC, a partir desse momento, não passaram de reclamações.

20. A AMBIGUIDADE OFICIAL SE repetiu na viagem presidencial a Pequim. Lula afrontou os Estados Unidos com falas a sobre uma eventual rejeição ao dólar nas transações internacionais, exaltou possíveis investimentos chineses no Brasil e atacou o FMI. Mas, na mesma viagem, o governo decidiu não aderir à Nova Rota da Seda, integrada por 147 países, que amarraria o que foi dito através dos microfones ao mundo real. Por que?

21. DIAS DEPOIS, DIANTE DE CRÍTICAS de Washington, de dirigentes da União Europeia e da mídia brasileira a Lula, por ter denunciado corretamente que tanto Kiev quanto Moscou são responsáveis pela guerra na Ucrânia, tanto o presidente quanto a diplomacia brasileira deram vários passos atrás. Em Portugal, Lula apressou-se a externar que nunca falou em responsabilidades equivalentes e orientou Celso Amorim – o chanceler de facto – a visitar Kiev nas próximas semanas, repetindo o périplo realizado por este último à capital russa, em 29 de março.

22. O DUPLO DISCURSO funcionou bem em tempos de vacas mais gordas, entre 2006-10, durante o boom das commodities. Essa situação possibilitou um breve jogo de ganha-ganha com o setor financeiro e com o topo da pirâmide social, no qual os de baixo melhoraram de vida sem que os de cima perdessem privilégios. O jogo agora está com validade vencida.

23. O GOLPE DE 2016, AS CONTRARREFORMAS Trabalhista, da Previdência, do Ensino Médio e a independência do BC formam o Tratado de Versalhes que os ricos brasileiros impuseram à sociedade. O tratado original, firmado em 1919 ao fim da I Guerra Mundial, como se sabe, selou a paz punitiva dos vencedores (Grã-Bretanha e França) sobre o vencido (Alemanha), comprometendo seu desenvolvimento e bem estar por mais de uma década. Os privilegiados estabeleceram a regra do “eu ganho-você perde”, sem conversa mole. A historinha de good cop e bad cop não funciona em períodos nos quais a turma do dinheiro não quer acordo algum.

24. NESSE AMBIENTE PESADO, a orientação da equipe econômica acabou se tornando dominante, criando um cenário de instabilidade, perda de iniciativa política e desgaste para o governo. Como se sabe, o arcabouço fiscal impõe constrangimentos ao investimento público, limitando seu crescimento ao percentual a 70% do aumento da receita corrente líquida dos últimos 12 meses. Em caso de descumprimento das metas fiscais, a proporção cairá para 50%. Uma segunda regra estipula que o gasto público pode crescer numa banda de 0,6% a 2,5% do ao ano. Os bancos públicos estão incluídos na mesma restrição e um membro da equipe de Haddad já especula que nova PEC deverá acabar com os pisos vinculantes aos investimentos de Saúde e Educação, parâmetros estabelecidos pela Constituição de 1988. Por fim, o objetivo de se zerar o déficit primário da União em 2024 só será obtido com aperto maior nas contas ou um improvável aumento de arrecadação. Uma trombada no desenvolvimento, na indústria, no emprego e na demanda. Vale perguntar: por que foram definidos limites tão apertados?

25. NÃO HÁ EXPLICAÇÃO PLAUSÍVEL, a não ser a vontade da equipe econômica. A Emenda Constitucional 32/2022, resultante da PEC da Transição apresentada ao final do ano, estabelecia apenas o seguinte: “Art.6º O Presidente da República deverá encaminhar ao Congresso Nacional, até 31 de agosto de 2023, projeto de lei complementar com o objetivo de instituir regime fiscal sustentável para garantir a estabilidade macroeconômica do País e criar as condições adequadas ao crescimento socioeconômico”.

26. OU SEJA, HAVIA GENERICAMENTE a obrigação do governo produzir uma nova regra fiscal que substituiria o teto de gastos. Nada indicava sua intensidade, grau de restrição ao investimento ou dinâmica de funcionamento. Poderia ser algo muito mais brando e factível a uma política expansionista do que o texto apresentado. Como o projeto de lei complementar do NAF não foi debatido nas instâncias do PT e nem pelos economistas do partido, fica evidente que a proposta surgiu no interior da administração, em articulações com o chamado mercado, como Fernando Haddad já deixou transparecer.

27. ANTES MESMO da nova regra ser apresentada, a Fazenda entrou em campo para impedir qualquer soluço expansivo. Assim, foram mitigadas ou adiadas promessas de campanha como aumento real do salário mínimo, isenção do imposto de renda para ganhos mensais de até R$ 5 mil e o projeto de renegociação de dívidas para pessoas de baixa renda. Além disso, o governo cortou parte do subsídio à gasolina e derivados de petróleo, antes de ser cumprida outra promessa, a de acabar com a paridade de preços internacionais (PPI) da Petrobrás. Os valores nos postos se elevaram de imediato. E, por fim, tivemos os desencontros sobre a taxação de compras online acima de US$ 50 feitas no exterior. Todas essas medidas atingem em cheio o bolso dos pobres.

28. É BEM VERDADE QUE A NOVA GESTÃO promoveu dezenas de ações de impacto e alterações significativas ocorreram no país nesses quase quatro meses. Além da já citada denúncia do genocídio Yanomami, o governo promoveu a volta de programas sociais como Bolsa-Família e Minha Casa Minha Vida, concedeu reajustes para funcionários públicos, adotou medidas de combate a todo tipo de preconceito, expandiu campanhas de vacinação, entre muitas outras. O governo também tomou a iniciativa política em viagens internacionais (Argentina/Uruguai Estados Unidos e China), amarrou inúmeros acordos comerciais e de investimentos, além de ter desanuviado o clima fascistizante que tomara conta dos país nos últimos quatro anos.

29. A AÇÃO CONTRA A ARMAÇÃO golpista de 8 de janeiro – apesar de incompleta – foi rápida ao evitar a armadilha de decretar uma GLO (Garantia de Lei e Ordem). Corajosamente, o governo interveio na Secretaria de Segurança do DF e, uma semana depois, destituiu o comandante do Exército, envolvido até a tampa na sedição. O STF também se mostrou célere em intervir no governo do DF e abrir – juntamente com a PF – processos e decretar prisões dos golpistas. Houve vacilações sérias, que geram o atual imbróglio no GSI, gestos que merecem melhor explicação e análise.

30. É IMPORTANTE TER EM MENTE um vetor fundante para a nova gestão: Lula foi eleito com imensa expectativa popular de mudança de vida por parte de milhões de brasileiros. Alguns ministros chegaram a declarar que a população deveria ter calma, pois estamos apenas no começo e temos ainda quatro anos pela frente. Trata-se de argumento raso: mais do que nunca há uma dissonância entre o tempo político e o tempo cronológico. Não se pode pedir paciência a quem está na fila do osso, na fome e no desespero. Há projetos com fase de maturação longa. Mas salário mínimo, renegociação de dívidas e manutenção de subsídios em setores sensíveis podem ser implantados imediatamente.

31. O ATRASO EM DAR MOSTRAS CLARAS da mudança na economia se traduz na já mencionada perda da capacidade de pautar a conjuntura, ambiguidade decisória, adesão a diretrizes antidesenvolvimentistas e investidas contra a economia popular. A isso se adiciona a ausência total de uma política de comunicação, má articulação política, atritos com bases eleitorais (nas áreas de educação e movimentos populares), política externa reativa e um sentido de burocratização e administrativismo que se verifica em vários ministérios.

32. A ORIENTAÇÃO NEOLIBERAL na economia é banhada por preocupações sociais, formando um híbrido de difícil definição, que alguns classificam como social-liberalismo e outros – como a socióloga Nancy Fraser – de neoliberalismo progressista. Essa diretriz que visa aplacar a voracidade do mercado financeiro flerta com o perigo da perda de apoio popular.

33. UM INTERESSANTE LIVRO chamado “A ordem do capital: como os economistas inventaram as políticas de austeridade e abriram caminho para o fascismo”, foi lançado nos Estados Unidos no final do ano. Sua autora é a economista ítalo-americana Clara Mattei. Através de ampla pesquisa histórica ela demonstra que a austeridade não é uma decisão episódica na gestão pública, mas um modo de dirigir a economia capitalista, com perdas permanentes para os de baixo e constante concentração de renda. Foram políticas assim que geraram enorme descontentamento e empobrecimento nos anos 1920-30 e abriram caminho para o abismo da extrema-direita.

34. NUMA SITUAÇÃO DE CONFRONTO constante, minoria congressual, cerco midiático e violência de todo tipo por parte da extrema-direita, a ambiguidade lulista combinada com a queda da qualidade de vida impulsionada pelo arcabouço fiscal pode resultar em enorme frustração, erosão das bases sociais do governo e consequências trágicas para o país.

35. A SITUAÇÃO É REVERSÍVEL? Sim, mas demandará mudanças incisivas na orientação da equipe econômica e de comunicação e sentido de urgência entre os ministérios. O governo não pode mais criar atritos com movimentos organizados na área de Educação – vide caso da reforma do ensino médio – e do MST, em especial. E precisará cumprir minimamente promessas de campanha, tendo em mente o velhíssimo dito popular, “o combinado não é caro”.

36. UMA MUDANÇA desse tipo só virá com aquilo que Lula recomendou cerca de 600 dirigentes sindicais que estiveram no palácio do Planalto em 18 de janeiro, para definir regras de aumento do salário mínimo e alterações na tabela do imposto de renda. “Exatamente porque o Lula é presidente que vocês têm que fazer pressão, estou aqui para construirmos juntos. Eu sou um sindicalista que virou presidente da República”. Pressão vinda de baixo é o outro nome de mobilização social. Mencionado aqui, por último, esse é o ingrediente essencial para impulsionar qualquer governo de mudança.

*Gilberto Maringoni é professor de Relações Internacionais da UFABC e diretor da Fundação Lauro Campos. Foi candidato do PSOL ao governo de São Paulo (2014).

Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

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