MPF pede suspensão de contratos para perfuração de poços com empresa que responde por garimpo ilegal na TI Yanomami

Órgão ministerial também pediu, com urgência, proibição de acesso ou permanência de sócios da empresa na terra indígena

Procuradoria da República em Roraima

O Ministério Público Federal (MPF) solicitou à Justiça Federal em Roraima, com urgência, a suspensão de contratos para perfuração de poços artesianos na Terra Indígena Yanomami (TIY) com a empresa Cataratas Poços Artesianos. A empresa é acusada de garimpo ilegal na região. Também foi solicitada a proibição de acesso ou permanência dos sócios da empresa no território indígena. Para o MPF, além de irregularidades no contrato com a empresa, a contratação teria o potencial de “ser utilizada como tentativa de conferir” legitimidade à manutenção da presença de infratores na TIY.

No último dia 10 de março, o Ministério da Defesa contratou a Cataratas, por dispensa de licitação, para construir um poço artesiano na região de Surucucu, no 4º Pelotão Especial de Fronteira (4º PEF), com orçamento de R$ 185 mil. Mais recentemente, a mesma empresa teria sido contratada pela Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) para a instalação de um poço na Unidade Básica de Saúde Indígena de Surucucu, situada nas imediações do 4º PEF.

A empresa Cataratas Poços Artesianos e seus respectivos sócios foram denunciados pelo MPF em 2022, e depois se tornaram réus, pela exploração ilegal de minérios na terra indígena. As pessoas físicas, entre outros delitos, ainda respondem por lavagem de bens, por integrarem organização criminosa e por dificultarem as investigações.

Denúncia – Segundo as investigações que embasaram a denúncia do MPF, a organização criminosa tanto fornecia infraestrutura para outros grupos de garimpo, com a operação irregular de aeronaves e o transporte ilícito de combustíveis, quanto promovia diretamente a extração em alguns pontos da TIY e agia na comercialização de minérios, escoando o produto da lavra ilegal. Ressalta-se que a atividade de perfuração de poços artesianos funcionava justamente como ferramenta de ocultação entre recursos de origem lícita e ilícita, operando, portanto, como mecanismo de atos de lavagem de bens e valores pela empresa (ação penal 1007805-60.2022.4.01.4200).

Vale observar ainda que a região de Surucucu, local de instalação do poço artesiano contratado pelo Ministério da Defesa, foi citada expressamente na denúncia do MPF já recebida pela Justiça. O poço atualmente existente no PEF Surucucu, além de estar em processo de aterramento tem indicativos da presença de metais pesados, efeito deletério comum da prática de garimpo ilegal.

Ao analisar o processo administrativo conduzido pelo Ministério da Defesa, o MPF identificou também que a empresa Cataratas estaria impedida de contratar com órgãos públicos, em razão de irregularidades fiscais e de pendências quanto à demonstração da qualificação econômicofinanceira. Além disso, a empresa Cataratas, ao tempo da contratação, estaria impedida de licitar com o poder público em razão de sanções impostas a outra pessoa jurídica vinculada ao grupo.

Proteção dos povos Yanomami – Para o MPF, além da inadequação jurídica do contrato com a Cataratas, a contratação teria o potencial de ser utilizada como tentativa de conferir legitimidade à manutenção da presença de infratores na TIY, viabilizando a prática de infrações penais, especialmente neste momento sensível, permeado por uma atmosfera de insegurança e terror, em que o Estado brasileiro desenvolve esforços para reverter a crise humanitária enfrentada pelos povos Yanomami, com ações da retirada de invasores do território indígena.

Ainda a despeito da relevância da obra, cuja necessidade não é discutida pelo MPF, o órgão afirma que manter o contrato seria permitir que a empresa obtivesse lucro na prestação de serviços que se tornaram necessários tão somente pela anterior prática de infrações a ela imputada. Sobre a execução da obra, esclarece que, há nos autos, pesquisa de preços a indicar, em tese, a viabilidade de execução do contrato por terceiros.

“O contexto narrado soa como possibilidade de que o infrator, ao qual já incumbiria o dever de reparar o dano, seja remunerado por uma obra cuja necessidade é fruto de um ato ilícito próprio anterior, fulminando, a um só tempo, a boa-fé objetiva, a teoria dos atos próprios, o princípio do poluidor-pagador, a exigência constitucional da responsabilidade ambiental e, até mesmo, o simples bom senso”, manifesta o procurador da República Matheus de Andrade Bueno.

No mesmo sentido do posicionamento do MPF, houve manifestação da Urihi Associação Yanomami, representativa da região de Surucucu, opondo-se à contratação da Cataratas e pedindo a imediata interrupção da execução contratual, como medida que melhor concretiza os direitos dos povos indígenas.

Considerando a necessidade da pronta interrupção de atividades ilícitas no território Yanomami, o MPF pediu com urgência a decretação das medidas cautelares de proibição de ingresso, permanência dos acusados, bem como a suspensão dos contratos com a Cataratas. Pede ainda que valores eventualmente devidos a título de execução contratual sejam depositados judicialmente para que sejam oportunamente destinados. O pedido agora será analisado pela 4ª Vara Federal de Roraima.

Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

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